Mãe vende filha por apenas R$ 500 no Pará, para exploração sexual - 02/06/2009
Cinco
meses de investigação jornalística. Mais de 60 pessoas entrevistadas:
autoridades, vítimas, aliciadores. Ficamos frente a frente com
criminosos que negociam pessoas.
A
gente constatou que a exploração sexual é um problema gravíssimo no Pará
e muito presente na região. Nesse mercado, uma mãe é capaz de vender a
própria filha, menor de idade.
"Eu sinto
uma indignação grande. Uma revolta em saber que as crianças são tratadas
como objeto", afirma Anginaldo Oliveira Vieira, chefe da Defensoria
Pública da União/PA.
Estamos
num Brasil esquecido. Baía de Marajó, Pará. Chegamos a Portel: uma
cidade isolada, a 18 horas de barco de Belém, a capital. Num sobrevoo,
não se vê estrada, só a imensidão da floresta e dos rios.
"Você
pega um avião pequeno em Belém e viaja 20 minutos e você sai do século
21 e você chega no século 19", diz Udo Leibrecht, presidente da ONG BTO
Amazonas.
É aqui
neste pequeno município que vive Edina dos Santos Balieiro, uma mulher
que oferece a própria a filha para programas. Para chegar até ela,
primeiro é preciso falar com os homens que também lucram com esse
mercado.
Usando
uma câmera escondida, os repórteres Francisco Regueira e Alberto
Fernandes vão em busca dos aliciadores que fazem o contato entre os
interessados e as famílias. Uma oferta que ocorre livremente nas ruas.
"Essa
uma é mãe, que já tá com 16 anos. Tem a outra que tá com 13. Às vezes,
traziam ela de lá do colégio praí", oferece um homem.
Na tabela da exploração sexual de menores, a noite com uma virgem pode custar R$ 1 mil.
"Foi um barão para o cara estourar", conta o aliciador.
E geralmente tudo é feito com conhecimento dos pais.
"Tinha vez que ia as duas para o quarto. Ela com a filha são mesmo que duas molecas", conta o aliciador.
O aliciador é bem próximo das vítimas.
"Eu
nasci e me criei aqui. Eu conheço a rotina. Eu vou lá. Vou bater na casa
da mãe dela, vou chamar a mãe dela. Um amigo meu, assim, assim, de São
Paulo", avisa o aliciador.
Dois
aliciadores nos levam até Edina, a mãe que vende a filha. Ela é dona de
um bar, onde acontece o encontro. Primeiro simulamos interesse num
programa com a adolescente de 17 anos. A mãe aceita negociar. Foi uma
surpresa descobrir o que ela queria em troca.
"Deixa quatro cervejas aí pra mim beber", pede Edina.
A menina acompanha tudo de perto sem interferir.
"Você acha que eu vou dar minha filha por 10 reais, é? É louco, é ?", diz Edina.
Apesar
do que diz, a mãe fica, sim, com o dinheiro para comprar as cervejas. E
a menina chega a entrar num táxi. Nosso repórter revela então que não
vai haver programa. E a jovem é levada de volta pra casa.
Cada passo de nossa reportagem foi acompanhado por pessoas ligadas à Igreja Católica.
"Essa mãe
precisa responder a um processo. Ela cometeu um crime. A polícia precisa
apurar isso. Sem o exemplo de que a lei existe as pessoas vão continuar
praticando isso dentro da normalidade", explica Anginaldo.
"Lá,
mulher não é uma mercadoria. Lá, mulher é um lixo, porque uma mercadoria
vale bem mais. Ela tem um valor", declara uma jovem que conhece bem as
histórias desse Brasil sem lei.
Ela nasceu
e passou a adolescência em Portel. Vítima de estupro aos 13 anos,
decidiu denunciar o que se passa na cidade paraense.
"Muitas
mães acostumaram com a cultura de lá. E acham que negociando a filha
vai ser normal. Eu vejo aquilo lá como a parte de um verdadeiro inferno,
de um purgatório, onde a gente é mutilado, destruído e tem que se calar
e se redimir por si próprio", chora a jovem.
Mas até onde pode chegar a negociação feita por Edina, mãe da adolescente de 17 anos?
Voltamos ao bar no dia seguinte.
Edina: Hoje é que eu tomei as quatro cervejas.
Repórter: Ontem a senhora foi dormir?
Edina: Ontem eu dormi.
Agora, simulamos interesse não apenas num programa, mas em comprar a jovem. Levar embora, para sempre.
"Mas não é marido. Eu não tô casando com ela não", diz o repórter.
Primeiro, Edina fala das duas filhas que moram com ela.
Edina: Todas minhas filhas são bonitas.
Repórter: Mas a que a senhora quer me dar...
Edina: Meu orgulho...
Repórter: É seu orgulho a que a senhora quer me dar?
Edina: (Ela faz que sim com a cabeça).
O som
do bar está no último volume. Mas o repórter Francisco Regueira deixa
claras suas supostas intenções. Levar a moça e fazer com ela o que
quiser.
Repórter:
Quero que a senhora saiba o seguinte: vamos pra Belém, vamos pra São
Paulo, vamos viajar... Rodar o mundo. Ela vai trabalhar pra mim.
Antes do acerto, a mãe faz uma única exigência.
"Pode viajar. Pode ir. Só quero um número de telefone pra mim ligar. Ela me ligar", pede Edina.
No dia seguinte, conversamos com Edina para saber qual é o preço para entregar a filha.
Repórter: Aquela nossa conversa tá de pé, não tá?
Edina: Tá.
Repórter: A senhora falou pra ela e ela falou o quê?
Edina: Eu tenho coragem de ir, mamãe.
Repórter: Quinhentos reais?
Edina: Talvez.
"Está se
perdendo em muitas regiões do Pará e também no Marajó, o respeito, a
valorização de uma menina, de um menor, de uma menor. E perdendo esse
respeito as bases de uma sociedade estão minadas", afirma José Luis
Azscona, bispo de Marajó.
A renda
média dos moradores de Portel, hoje, está bem abaixo do salário mínimo
nacional: R$ 229 por mês, segundo o IBGE. A prefeitura estima que quase
80% dos adultos daqui não têm trabalho fixo.
A pobreza
desse lugar fica evidente logo nos primeiros contatos com a cidade. As
ruas são de terra. As casas, de madeira. Não há rede de esgoto. As
oportunidades de emprego são poucas. Os serviços públicos, precários. Os
moradores reclamam que foram esquecidos pelo estado, pelos governos.
Mas será que a pobreza realmente explica tudo?
"Há
elementos econômicos. Há elementos de empobrecimento. Mas não é só
isso.// há uma cultura em torno de estar num meio onde se pode ganhar
algum dinheiro com a sexualidade. Porque há um apelo sobre a sexualidade
permanente em todos os ambientes", avalia a deputada Maria do Rosário
(PT-RS), relatora da CPI da exploração sexual.
É hora de fechar a negociação da compra de um ser humano. Edina nos espera para mais um encontro.
Para que a
jovem não fizesse a suposta viagem sem documentos, pedimos a certidão
de nascimento da menor. A mãe aceita. Mas não vamos levar a original.
Fomos a uma papelaria na mesma hora para fazer cópias.
Depois de receber a certidão de volta, Edina define o preço da filha.
Repórter: Quanto fica bom pra senhora?
Edina: Aquilo que cê tinha me falado da outra vez..
Repórter: Quanto?
Edina: O que cê me falou tá bom.
Repórter: Quanto? Quinhentos?
Edina: Quinhentos tá bom pra mim.
Repórter: Quinhentos, né?
Edina: É.
Não chegamos a concretizar o negócio. Dissemos a Edina que voltaríamos com o pagamento depois.
"Não me
surpreendo com uma notícia dessa, porque a gente sabe que acontece.
Infelizmente acontece. Não só no Pará. A gente sabe que em todo o Brasil
acontece isso", diz Socorro Maciel, delegada do Departamento de
Atendimento a Criança e ao Adolescente.
O destino de meninas compradas, muitas vezes, é ser prostituta em outros países.
"Nós
temos, no tráfico internacional, nós temos muito claro a partir de
Belém, o Suriname, e do Suriname eventualmente atingindo a Holanda",
confirma Ubiratan Cazetta, procurador da República.
Existem
muitas outras rotas do tráfico de pessoas aqui mesmo dentro do Brasil.
Há dois anos, uma adolescente foi procurada por uma mulher que tinha uma
oferta de emprego: deixar a pobreza e a família em Belém para ser babá
no interior de São Paulo.
Só depois
de viajar 50 horas de ônibus entre a capital do Pará e Campinas, a jovem
descobriu que seria prostituta. Como é comum nesses casos, a mulher que
a contratou exigiu o pagamento da passagem e da comida para liberá-la.
E, por causa da dívida, manteve a menina presa num dos quartos da boate.
"Se
a gente quisesse vir embora, a gente tinha que se prostituir pra
conseguir dinheiro pra gente poder ir embora pra Belém de novo", conta a
jovem.
A
adolescente fugiu da boate a pé. Caminhou mais de 40 quilômetros entre
Campinas e Americana, onde pediu ajuda ao conselho tutelar.
"Eu diria para outras meninas não aceitarem estas propostas, porque isso não é vida pra ninguém. Pra mulher nenhuma", diz ela.
A mãe dela, que também acreditou na proposta para melhorar a vida da filha, entrou na Justiça para tentar condenar a aliciadora.
"Quem aceita isso não é mãe. É um monstro. A mãe que é mãe não faz uma coisa dessa. Não vende a sua própria carne", diz a mãe.
O que
será que tem a dizer a mulher que aceitou vender a filha por R$ 500 e
cobrou quatro cervejas por um programa, agora sabendo que está sendo
gravada?
Repórter: A senhora aceita negociar a filha da senhora?
Edina: Não, nem pensar. Do servicinho que eu tenho eu dou pra sobreviver meus filhos.
Repórter: A senhora não acertou R$ 500 com ele?
Edina: Não aceito nem R$ 1 mil. Nada. Não aceito nada. Eu não vendo meus filho. Só dou pra Deus.
Repórter: Tem gravado a senhora falando que aceita os R$ 500.
Edina: Não, não. Não tem não.
Repórter: Está gravado! E R$ 10 pra dar uma saída só? Não teve essa conversa?
Edina: Não. Nada. Não teve nada de conversa de vender filho nada.
Repórter: Mas foi a senhora que pediu a cerveja?
Edina: Foi. Mas não vendendo as minhas filhas. Jamais ia vender os meus filhos.
Repórter: O que a senhora acha de alguém que vende?
Edina: Eu acho que não existe essa mãe que vende filho. Acho que não existe.
Edina pode ser condenada a até 14 anos de prisão por dois crimes: exploração sexual e venda da filha.
Voltamos também a um dos aliciadores que negociam encontros com adolescentes da cidade.
Repórter: Você, quando agencia programas, fala com a mãe das meninas?
Adênis Saraca: Eu não agencio nada.
Repórter: Tem gravado você falando.
Adênis: Então pronto. Já que tem o que que eu posso fazer? Nada.
Repórter: As mães oferecem?
Adênis: É. As mães oferecem.
Repórter: Ela fica com quanto? Você fica com quanto?
Adênis: Eu não fico com nada. Quem foi que falou que eu fico com alguma coisa?
Repórter: Eu estou perguntando.
Adênis: Mas eu estou falando que eu não fico com nada não.
Repórter: Como você se sentiria se alguém aparecesse pra aliciar a sua filha?
Adênis: A minha filha? Ela que ia ver da cabeça dela. Que ela não é criança.
Quando o aliciador achou que a câmera já estava desligada, a conversa mudou.
Adênis: Todo mundo sabe nessa beira. Qualquer um desses sabe. Qualquer taxista desses sabe.
Repórter: Mas sabe o quê? Não tô entendendo.
Adênis: Que essas meninas é garota de programa.
Repórter: As meninas?
Adênis: Sim. Elas mesmo se oferecem por besteira, rapaz..
Repórter: Prefeito, existe exploração sexual de menores em Portel?
Pedro
Rodrigues Barbosa, prefeito de Portel: Eu não vou dizer que lá não
tenha. Até porque eu não ando na calada da noite, na calada da
madrugada, isso não me compete. O que tem em Portel, numa cidade com 27
mil habitantes, pode ter em qualquer cidade de 27 mil habitantes de
qualquer outro lugar no mundo.
As
autoridades conhecem a situação. A CPI da exploração sexual da Câmara
dos Deputados investigou. Parlamentares saíram de Brasilia e vieram ao
Pará ouvir vitimas e testemunhas desse crime hediondo. Não foi o
suficiente.
Na
época, os deputados pediram o indiciamento de 250 pessoas em todo o
Brasil. Cinco anos depois, segundo a relatora da comissão, ninguém foi
condenado.
"O
estatuto da criança e adolescente e a Constituição Federal dizem que
todos somos responsáveis pelas crianças. Sociedade, estado brasileiro e
família. Eu hoje diria que todos estamos falhando", afirma a deputada
Maria do Rosário.
"Ninguém
pede pra ser explorada, deveriam estar na escola. Nós precisamos mudar a
realidade, esse é o caminho. Precisamos denunciar, precisamos cobrar e
chamar o estado a responsabilidade", declara Anginaldo.
Nesta
segunda-feira e nesta terça-feira, o Jornal da Globo traz duas
reportagens especiais sobre a exploração sexual no Pará. Você vai ver
trechos inéditos da negociação com os aliciadores na cidade de Portel. E
a história da avó que impediu, no aeroporto, a neta de viajar para
virar prostituta no Suriname.
FONTE: Site fantástico.globo.com31/05/2009
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