quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Resenha do livro Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil: Identidade Nacional versus Identidade Negra


 


Neste livro o antropólogo Kabengele Munanga analisa, através de pensamentos de autores de diversos campos do conhecimento, os efeitos da mestiçagem e suas consequências para a construção da identidade brasileira e a sua relação com a formação da identidade negra. Ele demonstra como inúmeros autores europeus considerados clássicos e inatacáveis em nossos currículos advogam as mais ensandecidas teorias racistas. Além disso, discute o conceito e a história da mestiçagem no Brasil e nos Estados Unidos e analisa as ideologias defendidas por intelectuais que marcaram a discussão sobre as relações raciais em ambos os países.
Inicialmente, Munanga se propõe a identificar o conceito e a história da mestiçagem. Ao tratar sobre a mestiçagem na história do pensamento, o autor reflete como os filósofos do iluminismo veem e definem o mestiço. Para Voltaire, Julien Offray de la Mittrie, Maupertius, Buffon, Kant e Edward Long, o mestiço era considerado uma anomalia, um ser incapaz e degenerado.

Segundo os doutrinários do racismo, o desenvolvimento das culturas depende da pureza da raça. Nos escritos de autores que partilham do pensamento da Ku-klux-kan, a tese defendida é a de que a futura população americana resultante do cruzamento com os elementos estrangeiros perderá o caráter harmonioso e estável que possuía até então. Alguns desses autores afirmaram que tal desarmonia daria origem a todos os tipos de males sociais e de imoralidade, tais como os abusos do álcool e tabaco, a falta de religião, a pressa descontrolada, a pornografia, a irritabilidade excessiva, etc.
Ao abordar a questão da mestiçagem do final do século XIX, os pensadores brasileiros tomaram o pensamento dos cientistas ocidentais como referência, isto é, europeus e americanos de sua época e da época anterior. O fim do sistema escravista, conforme assinala o autor deste livro, em 1888, coloca aos pensadores brasileiros uma questão até então crucial: a construção de uma nação e de uma identidade nacional. Toda a preocupação da elite ancorada nas teorias racistas da época, diz respeito à influência negativa que poderia resultar da herança “inferior” do negro nesse processo de formação da identidade étnica brasileira.
Com relação aos intelectuais brasileiros, Munanga destaca o pensamento de nove autores: Sílvio Romero, Euclides da Cunha, Alberto Torres, Manuel Bonfim, Nina Rodrigues, João Batista Lacerda, Edar Roquete Pinto, Oliveira Viana e Gilberto Freyre. Todos estavam interessados na formulação de uma teoria do tipo étnico brasileiro, ou seja, na questão da definição do brasileiro enquanto povo e do Brasil como nação. O que estava em jogo, neste debate intelectual nacional, era fundamentalmente a questão de saber como transformar essa pluralidade de raças e mesclas, de culturas e valores civilizatórios tão diferentes, de identidades tão diversas, numa única coletividade de cidadãos, numa só nação e num só povo.
Na década de 70 surgem vozes discordantes, oriundas principalmente do mundo afro-brasileiro, propondo a construção de uma democracia verdadeiramente plurirracial e pluriétnica. O então militante e intelectual negro Abdias do Nascimento se fez porta-voz desse mundo afro-brasileiro.
Abdias diz que o Brasil escravocrata herdou de Portugal a sua estrutura patriarcal de família cujo preço foi pago pela mulher negra. Ele considera que o desequilíbrio demográfico entre os sexos durante a escravidão, na proporção de uma mulher para cinco homens, conjugado com a relação assimétrica entre escravos e senhores, levou os últimos a um monopólio sexual de senhor branco. Neste contexto, as escravizadas negras, vítimas fáceis, vulneráveis a qualquer agressão sexual do senhor branco, foram em sua maioria transformadas em prostitutas como meios de renda e impedidas de estabelecer qualquer estrutura familiar estável. Abdias considera absurdo apresentar o mulato que, na sua origem, é o fruto desse covarde cruzamento de sangue, como prova de abertura e saúde das relações raciais no Brasil.
Munanga conclui após a análise da produção discursiva da elite intelectual brasileira do fim do século XIX ao meado do XX, que se desenvolveu um modelo racista universalista. O levantamento de Clóvis Moura, após o censo de 1980, ilustra com eloquência a adesão popular ao mito da democracia racial brasileira e ao ideal do branqueamento sustentados pela mestiçagem. Munanga indaga: O que significa o total de 136 cores levantadas nessa pesquisa? Emprestando os argumentos do próprio autor citado, esse total de cores demonstra como o brasileiro foge de sua realidade étnica, de sua identidade, procurando, mediante simbolismo de fuga, situar-se o mais próximo possível do modelo tido como superior, isto é, o branco.
Todo esse estudo apresentado por Munanga serve de reflexão para as relações raciais neste século XXI. O que se percebe ao longo do livro é que os intelectuais das ideias racistas almejavam um Brasil homogêneo, uma identidade nacional que fosse representada por apenas uma etnia, a branca. A diversidade racial e cultural brasileira está longe de ser representada homogeneamente. A discussão colocada por Munanga refere-se ao conflito entre a identidade nacional e a identidade negra.
Com relação à manifestação dos movimentos sociais negros, considero que desde 1970 essas organizações vêm ganhando força e voz na sociedade brasileira. Um grande resultado das reinvindicações feitas pelo movimento negro foi a implementação da lei 10.639/03, que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares de todos os níveis de ensino. Outro importante passo foi a política de cotas nas universidades públicas e nos concursos públicos de nível superior. Vejo as ações afirmativas como uma importante ferramenta para a afirmação da identidade negra dos indivíduos, pois para o ingresso no sistema de cotas é necessário que o indivíduo se identifique enquanto negro.
Contudo, não é só no campo da educação que a temática das relações raciais deve se tornar visível. Também nas mais diversas áreas da sociedade esse debate deve ser colocado. No jornalismo, por exemplo essa questão da negritude não passa do campo da invisibilidade. Prova disso é o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, em 2000, constatou que o jornalismo é uma das profissões que tem menor proporção de negros no país – apenas 15,7%. Em 2013, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) realizou o estudo Características Demográficas e Políticas dos Jornalistas, verificando que o jornalismo continua sendo uma das profissões com pouca presença de afro-brasileiros, desta vez com apenas 5% de negros e 18% de pardos. Muniz Sodré (2004, p.173) explica que:
Quem trabalhou muito tempo na imprensa brasileira sabe que aos negros, quando um ou outro conseguia ser admitido, reservava-se sempre o lugar da “cozinha”, velha gíria jornalística para tarefas que não requeriam visibilidade pública - como diagramação, revisão, copidescagem etc.
Essa ausência de jornalistas negros bem como a presença de jornalistas sem formação antirracista contribui para uma produção pautada nas temáticas de cunho eurocêntrico. Por exemplo: um jornalista que cria uma pauta com visões estereotipadas sobre a pessoa negra, reproduz o racismo ao invés de confrontá-lo, além de, nesse sentido, influenciar na construção da subjetividade do receptor.
Considero a obra de Munanga um excelente levantamento sobre a construção da ideologia da mestiçagem no Brasil, e avalio que ainda temos muito o que debater para que a temática afro-brasileira saia do campo da invisibilidade. 
(Thais Vital)


Referências:
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
SODRÉ, Muniz. Mídia e Racismo: um pé fora da cozinha. In: CARRANÇA, Flávio; BORGES, Roseane da Silva. (Org). Espelho Infiel: O negro no jornalismo brasileiro. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004.

Resenha - A era dos direitos




Publicado em 07/06/2010 por bobbiobrasil

A era dos direitos,
Norberto Bobbio, Editora Campus, Rio de Janeiro,1992

Norberto Bobbio, nascido em Turim em 1909 e morto na mesma cidade em 2004, foi um dos maiores filósofos políticos, além de historiador do pensamento político de uma cultura italiana, que por si mesma é rica neste campo do conhecimento. Para além de ter sido uma testemunha importante das três principais ideologias do século XX: o nazi-fascismo, o comunismo e a democracia liberal. Sistemas políticos e concepções doutrinárias que acabaram por resultar na divisão do mundo em dois blocos políticos, militares e ideológicos que subsistiu até 1989, com a queda do muro de Berlim.
A própria cultura política italiana foi representativa no confronto de idéias entre três pensadores das referidas correntes: o filósofo Giovanni Gentile (1875-1944), que apoiou o regime fascista; o historiador Benedetto Croce (1866-1952), personagem maior do liberalismo italiano e senador vitalício da república; e o pensador marxista Antonio Gramsci (1891-1937), escritor e líder do partido comunista. Desde cedo Bobbio colocou-se ao lado da resistência antifascista, rejeitando Gentile, mas tentando realizar a síntese entre os outros dois: Croce e Gramsci. Sobre a tradição da filosofia política italiana, vale remarcar que desde fins da Idade Média, se refletem na Itália as questões mais essenciais deste campo da filosofia, que tem como fim investigar a legitimação e a justificação do Estado e do governo. Desde os limites da organização do Estado frente ao indíviduo, com Thomas Hobbes, John Locke, Montesquieu e Rousseau; passando pelas relações gerais entre sociedade, Estado e moral, com Maquiavel, Augusto Comte e Antonio Gramsci; as relações entre a economia e política, com Marx, Engels e Max Weber; o poder como constituidor do indivíduo, com Foucault; até as questões sobre a liberdade, em Benjamin Constant, John Stuart Mill, Isaiah Berlin, Hannah Arendt, Raymond Aron e o próprio Norberto Bobbio; as questões sobre justiça e Direito, com Kant, Hegel, John Rawls e Jürgen Habermas; e as questões sobre participação e deliberação, com Carole Pateman, Habermas, Joshua Cohen.
Mas voltando a esta obra em epígrafe, a era dos direitos percorre os antecedentes do principal marco de conscientização dos direitos humanos e difusos, que foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada em Paris em 1948, depois do cataclisma da Segunda Grande Guerra. Logo na introdução, Bobbio nos assegura que os direitos sempre existiram, mesmo em regimes feudais, onde súditos, muito antes do advento dos cidadãos, já tinham direitos à segurança da nobreza. No capítulo sobre os fundamentos dos direitos do homem, Bobbio retorna a Kant quando define a liberdade como o mais fundamental entre os direitos fundamentais da vida, da propriedade e da justiça, esta última a própria garantia da liberdade. Reafirma também a precedência dos direitos civis e políticos diante dos direitos econômicos e sociais e acompanha Marshal na definição historiográfica obrigatória dos direitos de primeira (civis), segunda (políticos), terceira (econômicos e sociais) e quarta gerações (direitos difusos do meio-ambiente e da genética). Nesta perspectiva há que se ressaltar a corajosa tomada de posição de Bobbio quando afirma: “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas políticos”.
Se mesmo os direitos fundamentais são relativizados pela história, como a menor importância que se passou a dar ao direito da propriedade, desde o século XIX, em face da maior importância ao direito da vida, entendendo-se aí uma ameaça ao direito mais intrínseco à humanidade, que é a liberdade, como não argüir que a garantia fundamental de todos os direitos é a justiça e o estado de direito? Não serão estas as “verdades evidentes em si mesmas” a que se referia Jefferson na declaração de independência americana de 1776? Bobbio retorna a Kant que identifica a liberdade com autonomia, o direito natural do homem de obedecer apenas à lei de que ele mesmo é autor e, neste sentido, obrigar outros à esta mesma faculdade moral do homem, a este direito inato que lhe é transmitido pela sua própria natureza. A opção neste caso pela determinação do coletivo pelo individual é evidente, uma vez que a cada cidadão, um juízo e um voto, fundamento da própria democracia. Se nos estados despóticos, os indivíduos só têm deveres e quase nenhum direito e nos estados monárquicos os indivíduos só têm direitos privados, nos estados de direito os indivíduos vão dispor de direitos privados e também públicos, pois estes são estados de cidadãos. Cidadãos com plenos direitos garantidos pelo estado e, entre os quais, o direito de questionar o próprio estado, transformando-os desta forma em cidadãos do mundo. Se na Pax Perpetua, Kant afirma que se trata de um bem forçosamente universal, da mesma forma a plena cidadania é planetária e para além do próprio Estado. Antes de Kant, Locke já garantia a liberdade como igualdade diante da lei que, por sua vez, é a única forma de se garantir a segurança e a vida diante de poderes ilimitados do próprio Estado. Aqui, vale lembrar a citação de Milton Friedman, economista americano prêmio Nobel de 1976: a sociedade que coloca a igualdade à frente da liberdade irá terminar sem igualdade e sem liberdade. Quando Kant define a liberdade numa passagem da Pax Perpetua como “a liberdade jurídica e faculdade de só obedecer a leis externas às quais pude dar o meu assentimento”, teoriza sobre a Revolução Francesa e liberta definitivamente o homem de toda forma de poder patriarcal. Tomas Paine, grande articulador da revolução americana, em seu livro Common Sense (1776), já expressa a concepção de que a sociedade é boa por natureza e o Estado um mal necessário: “a sociedade é produzida pelos nossos carecimentos; o governo, pela nossa maldade. A primeira promove a nossa felicidade positivamente, unindo em conjunto os nossos afetos; o segundo, negativamente, freando nossos vicios”.
Só a partir da Declaração de Independência americana é que os direitos do homem prevalecem sobre os deveres diante do Estado. Até 1776, seguindo a tradição dos códigos morais de Hamurabi, da Torá e das Doze Tábuas, as regras codificadas são mais das obrigações do que dos direitos. Mesmo os artigos da Carta Magna, de 1215, e do Bill of Rights, de 1689, estabelecem direitos concedidos pelo soberano, o que é totalmente inverso do espírito da Declaração americana que afirma uma democracia como soberania dos cidadãos, a partir da afirmação do princípio da maioria e da vontade/voto individual. Se a concepção individualista da sociedade for eliminada, não será mais possível justificar a democracia como uma boa forma de governo.
No último capítulo, Bobbio faz uma profissão de fé no progresso iluminista do Estado democrático de direito quando analisa a supremacia da tolerância mesmo em face da abolição crescente da pena de morte como direito justificado e razão de Estado.

POLÍTICAS PÚBLICAS E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL - a luta da população negra por reconhecimento e educação



Claudilene Silva - Brasil
Doutoranda em Educação
Universidade Federal de Pernambuco – Recife
Bolsista FACEPE

Carlos Augusto Sant’Anna Guimarães - Brasil
Doutorando em Ciência Política
Universidade Estadual de Campinas/Unicamp – Campinas
Pesquisador da Fundação Joaquin Nabuco

Resumo

O presente artigo analisa os acontecimentos e iniciativas que possibilitaram a transformação das demandas dos movimentos negros em políticas de promoção da igualdade racial, focalizando especialmente o campo da educação. O trabalho configura-se como uma pesquisa exploratória, realizada a partir da produção acadêmica já disponível e de documentos públicos (legislação atinente ao tema, programas e projetos elaborados por agentes públicos, documentos produzidos pelo movimento negro sobre a política). Para melhor compreender a trajetória da luta antirracista dos movimentos negros brasileiros, dialogamos com a perspectiva epistêmica dos estudos pós-coloniais latino-americanos. Analisamos o processo de construção (em andamento) de uma política de educação para as relações étnico-raciais no Brasil. Nesse contexto, buscamos evidenciar que políticas focais para a população negra incidem diretamente na oferta de políticas universais, uma vez que essa população constitui a maioria da população brasileira.

Palavras-chaves: políticas públicas, relações étnico-raciais, educação, população negra.

1. Introdução

Em meados do século XIX, a ideia de branqueamento tornou-se política de Estado no Brasil e perdurou até os anos de 1930 (Seyferth, 2002). No início do século XX, os eugenistas brasileiros acreditavam que a raça negra desapareceria do país por meio da miscigenação com o elemento branco, numa espécie de mestiçagem redentora (Schwarcz, 2011).
No final da década de 1930, inicialmente com Gilberto Freyre, posteriormente impulsionada pelo projeto UNESCO nos anos de 1950, com Florestan Fernandes, prosperou a crença sociológica de que a raça ou qualquer aspecto racial perderia relevância na sociedade brasileira por conta do processo de modernização, em função do desenvolvimento capitalista em curso.
Hoje, podemos afirmar que nenhuma das previsões efetivou-se. Pelo contrário, de acordo com os dados do Censo de 2010, a maioria da população brasileira declara-se negra (pretos e pardos) ou não-branca (pretos, pardos, indígenas). Dos 191 milhões de brasileiros, 47,7% declararam-se brancos. Entre os não-brancos, 7,6% informaram serem pretos e 43,1%, pardos, perfazendo 50,7% (IBGE, 2010). Entretanto, os indicadores sociais revelam elevadas desigualdades segundo grupos de raça/cor e renda.
O presente trabalho resulta do diálogo entre duas pesquisas de doutorado em andamento, que possuem como eixo teórico-prático as políticas públicas direcionadas para a população negra no Brasil. Ambos os estudos concebem as políticas públicas de promoção da igualdade racial como consequência da luta antirracista dos movimentos negros brasileiros e debruçam-se sobre a trajetória de organização desses movimentos para problematizar suas temáticas de investigação.
Neste artigo, analisamos os acontecimentos e iniciativas recentes que possibilitaram a transformação das demandas dos movimentos negros em políticas de promoção da igualdade racial, focalizando especialmente o campo da educação. Trata-se de uma pesquisa exploratória realizada a partir da produção acadêmica já disponível e de documentos públicos (legislação atinente ao tema, programas e projetos elaborados por agentes públicos e documentos produzidos pelos movimentos negros sobre a política).
O texto está organizado em duas sessões: na primeira parte, discutimos os acontecimentos e iniciativas que contextualizaram a adoção de políticas de promoção da igualdade racial pelo governo brasileiro. No segundo momento, abordamos a implementação dessas políticas no campo da educação, enfatizando o processo de institucionalização do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nos currículos escolares como construção de uma política de educação para as relações étnico-raciais no Brasil.

2. Políticas de Promoção da Igualdade Racial no Brasil

O Estado brasileiro nunca lidou de forma adequada com a problemática étnico-racial (Santos, 2000), quer seja no que se refere aos negros, quer aos indígenas. Historicamente, o Estado tem se mostrado refratário e hostil às demandas da população negra, rechaçando qualquer ação que pudesse desmistificar a ideologia da democracia racial brasileira (Jaccoud & Beghin, 2002). Entretanto, no final do século XX, impulsionado por mobilizações dos movimentos negros, o Brasil passou a vivenciar um novo momento no debate público acerca da questão racial no País.
Em 1995, ocorreu a Marcha “300 anos de Zumbi dos Palmares contra o racismo, pela cidadania e a vida”, em Brasília, que reuniu mais de 30 mil ativistas negros e antirracistas, além de militantes de partidos políticos e de sindicatos. Ao final da marcha, o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, após receber uma comissão de ativistas negros, reconheceu solenemente a existência do racismo contra negros e indígenas e a necessidade de o Estado adotar políticas públicas para promover a igualdade racial. Naquele mesmo dia, o presidente assinou um decreto criando o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), cuja finalidade era estudar e propor soluções de enfrentamento do racismo e de valorização da população negra no Brasil.
O referido Grupo de Trabalho produziu um documento no qual apresenta propostas de inclusão dos negros na sociedade brasileira. Todavia, o governo não criou mecanismos para viabilizar a execução das ideias contidas no plano. Inclusive, alguns ministros eram contrários e boicotaram a implementação das recomendações do GTI (Telles, 2003). Um dos problemas enfrentados pelo GTI é que se pretendeu assumir a problemática das desigualdades raciais sem, no entanto, se desfazer da noção de democracia racial (Rios, 2012).
O segundo episódio de relevo nesse processo foi a realização da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerância Correlata, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), ocorrida na cidade de Durban, África do Sul, em 2001, que contou com expressiva participação brasileira (representantes do Estado e da sociedade). Essa conferência tornou-se um marco na luta contra o racismo e a discriminação racial no mundo, de um modo geral, e no Brasil, em particular, uma vez que incentivou a formulação de políticas de promoção da igualdade racial nas três esferas de governo, com destaque para ações afirmativas no ensino superior.
A Marcha e a 3ª Conferência Mundial contra o Racismo foram dois eventos fundamentais que, de um lado, deram um novo ânimo à luta do movimento negro brasileiro e, de outro, modificaram, em certa medida, a percepção da sociedade brasileira e de parte da burocracia federal acerca da problemática racial. Nas palavras de Telles (2003, p. 75), o "movimento negro fez da democracia racial um conceito não apropriado sem volta".
Após a Conferência de Durban, o debate público sobre relações raciais sofreu uma inflexão importante no mundo e no Brasil. Nas gestões do presidente FHC (1995-1998 e 1999-2002), formularam-se algumas propostas de Ações Afirmativas, tais como a criação de um fundo de reparação social para financiar políticas inclusivas e o Programa Nacional de Ações Afirmativas. Entretanto, apenas a adoção de cotas raciais na ocupação de cargos comissionados no Ministério do Desenvolvimento Agrário foi efetivamente executada. As demais proposições tiveram implementação pífia (Heringer, 2006; Telles, 2003). Destaque para o programa de ações afirmativas do Instituto Rio Branco, cujo objetivo é “ampliar as oportunidades de acesso aos quadros do Ministério das Relações Exteriores e incentivar e apoiar o ingresso de afrodescendentes na carreira de diplomata."1
A partir dos governos Lula (2003-2010), o tema ganha fôlego extraordinário. No primeiro ano desse governo, cria-se a Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (SEPPIR), aprova-se a Lei nº 10.639/032, lança-se a Política Nacional de Promoção da Igualdade racial (CNPIR), institui-se o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) e lança-se o Decreto nº 4.887, que trata da regularização das terras das comunidades quilombolas (Ribeiro, 2014).
O fato é que a “questão racial”, tema proibido, interdito no Brasil por mais de um século, transformou-se, na primeira década do século XXI, em um dos assuntos nacionais mais polêmicos. Matérias jornalísticas, artigos de opinião, teses e dissertações acadêmicas foram produzidas. No período de 2001 a 2004, foram empreendidas 69 ações de promoção da igualdade racial, sendo: 23 de iniciativas do governo federal; 21 de governos municipais e estaduais; 12 do setor privado e 11 de organizações da sociedade (Heringer, 2006).
Entretanto, o debate público recente acerca da intervenção do Estado na correção de desigualdades raciais centralizou-se no tema das cotas raciais para ingresso no ensino superior, denominadas ações afirmativas. Isso aumentou a temperatura do debate e mobilizou opiniões apaixonadas.
Embora exista relação entre políticas de promoção da igualdade racial e políticas de ações afirmativas, uma não pode ser reduzida à outra. Elas não se confundem e não podem ser empregadas como sinônimos. As primeiras são mais amplas e complexas, cujo objetivo primordial é o combate ao racismo, à discriminação, ao preconceito racial e às desigualdades sociorraciais nas mais diversas esferas da vida social (Santos & Silveira, 2010). Tais políticas são formadas por três tipos básicos de ações: repressivas, valorativas e afirmativas. Por sua vez, as segundas são medidas cujo objetivo é criar oportunidades de acesso dos grupos discriminados historicamente, no sentido de ampliar sua participação nos diferentes segmentos da vida social, política, econômica e cultural de uma dada sociedade. Não se restringe, portanto, à política de cotas no ingresso ao ensino superior. Conforme observa Feres Jr. (2006), tais políticas, como querem seus críticos, não podem ser entendidas como mera influência americana, mas como uma consequência da evolução e ampliação do Estado de Bem-Estar Social.
As chamadas políticas de promoção da igualdade racial são tentativas do aparelho estatal de corrigir históricas desigualdades sociorraciais existentes entre brancos e não-brancos (negros e indígenas). Políticas dessa natureza têm como objetivo final produzir transformações no modus operandi das organizações públicas e privadas no que se refere ao combate ao racismo e à discriminação racial contra negros e indígenas, promovendo a equidade racial.
A criação da SEPPIR, em 2003, incentivou a constituição de órgãos semelhantes nos Estados e em alguns munícipios na Federação. Atualmente, há no Brasil 197 órgãos públicos de promoção da igualdade racial nos três níveis de governo. Além da SEPPIR no plano federal, existem 27 estruturas estaduais e 169 municipais. Foram criados ainda conselhos estaduais e municipais de promoção da igualdade racial para acompanhar a implementação das políticas, sendo 19 estaduais e 86 municipais (SEPPIR, 2015). Esses órgãos possuem a responsabilidade de propor, acompanhar, apoiar e monitorar as políticas a serem implementadas em cada área específica, como é o caso da educação.
Nessa área, as políticas de promoção da igualdade racial para a população negra têm se concentrado, de forma mais expressiva, em três campos, buscando atender demandas tanto da educação básica quanto do ensino superior: o acesso à universidade, as especificidades da educação quilombola e o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira.
Na próxima sessão, abordaremos o processo de institucionalização do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira como referencial na luta por uma educação antirracista no Brasil. A compreensão do protagonismo do Movimento Negro nessa luta é fundamental para o entendimento do processo de construção e implementação da política curricular que resulta dessa trajetória.
3. História e Cultura Afro-Brasileira: limites e desafios da política de educação para as relações étnico-raciais no Brasil

As iniciativas educativas empreendidas pelo Movimento Negro no Brasil, ao longo da história do País, são indícios de que esse movimento social sempre considerou a educação escolar como um portal poderoso para ascensão social de seu povo. Além de promover os seus próprios processos de escolarização, reivindicou e continua a reivindicar a inclusão da população negra na escola pública em todos os níveis de ensino. Entretanto, o espaço escolar é marcadamente discriminatório para essa população, resultando num aproveitamento desigual e exigindo-lhes maior grau de empenho para que consigam atingir o sucesso escolar (Paixão, 2008).
Ao perceber que o tipo de política educacional adotado no Brasil desconsiderava a população negra, a atuação do Movimento Negro Brasileiro no século XX elegeu a educação como uma forte bandeira de luta. O VIII Encontro de Negros do Norte e Nordeste, realizado no Recife em julho de 1988 (ano do centenário da abolição da escravatura), teve como tema “O Negro e a Educação”. A preocupação central do encontro foi “questionar a negação da importância do negro na formação social brasileira, por meio dos órgãos oficiais de educação do País”.3 As proposições construídas apontam para a necessidade de introduzir o estudo da História da África nos currículos escolares; discutir o papel da professora e do professor na descolonização do ensino e considerar a aprendizagem pela prática cultural como elemento importante para o sucesso do processo de ensino/aprendizagem da população negra.
Nilma Gomes (1997), ao discutir a contribuição dos negros para o pensamento educacional brasileiro, conclui que o olhar do movimento negro para a educação trouxe, para além das reivindicações, problematizações teóricas e ênfases específicas, que dão materialidade a um pensar sobre a educação, construído a partir do ponto de vista do povo negro. A autora sistematiza essa contribuição do movimento negro por meio de cinco aspectos: 1) a denúncia de que a escola reproduz e repete o racismo presente na sociedade; 2) a ênfase na história de luta e resistência do povo negro; 3) a afirmação da existência de uma produção cultural realizada pelos negros, com uma história ancestral que nos remete à nossa origem africana; 4) a consideração de que existem diferentes identidades no espaço escolar; e 5) a denúncia de que a estrutura excludente da escola precisa ser reconstruída para garantir o acesso à educação, a permanência e o êxito dos alunos de diferentes pertencimentos étnico-raciais e níveis socioeconômicos.
A partir das reivindicações de acesso da população negra à instituição escolar e da inclusão da história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares, os movimentos negros brasileiros problematizaram a existência de valores e práticas discriminatórias na escola, principalmente quando essa instituição nega a existência da diferença em seus domínios (Silva, 2013 p. 103).
O início do século XXI é marcado pela transformação, ainda que lenta, das antigas reivindicações das entidades negras em políticas públicas. No âmbito da educação, a promulgação da Lei nº 10.639, em 9 de janeiro de 2003, é uma conquista histórica do Movimento Negro Brasileiro. Altera a Lei nº 9.394/1996, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), ao introduzir o Art. 26º, determinando a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.4 A alteração da LDB foi bastante comemorada pelo Movimento Negro, uma vez que, além da inclusão nos currículos da história e cultura afro-brasileira e africana, pela primeira vez as relações raciais receberiam um tratamento explícito nos sistemas de ensino (Henriques & Cavalleiro, 2005).
Para Nilma Gomes (2009), um conjunto de acontecimentos contextualiza a promulgação da referida lei. Entre eles, ganham destaque: a realização da Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, que ocorreu em Brasília em 1995; A elaboração (pelo Ministério da Educação) dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), em 1996, que incluía a Pluralidade Cultural como um de seus temas transversais, ainda em uma perspectiva universalista de educação; e o processo de preparação e mobilização para a 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, organizada pelas Nações Unidas (ONU) e realizada em Durban, na África do Sul, em 2001.
Conforme aponta essa autora, da Conferência de Durban resultam dois movimentos importantes: a construção do consenso entre as entidades do Movimento Negro sobre a necessidade de se implantarem ações afirmativas no Brasil e os compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro de implementar políticas dessa natureza. Como signatário da Declaração e Programa de Ação de Durban, o Brasil assumiu a importância da educação no processo de desconstrução do racismo e no combate à xenofobia e formas correlatas de discriminação.
A alteração da LDB propõe transformar a inclusão da educação das relações étnico-raciais e da História e Cultura Afro-Brasileira nos currículos escolares em política pública de educação. De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, essa mudança exige que se repensem as bases das relações étnico-raciais, sociais e pedagógicas sobre as quais se assenta a política educacional no Brasil. Como lembra Gonçalves e Silva (2013 p. 2), “trata-se de uma política curricular de reconhecimento e de reparação de desigualdades”. Ela integra o conjunto de políticas de reconhecimento das desigualdades e discriminações raciais contra os negros no Brasil e objetiva enfrentar a injustiça nos sistemas educacionais do País. Por isso, para Gomes (2009) a alteração da referida lei vincula-se à garantia do direito à educação e requalifica esse direito ao acrescer-lhe o direito à diferença.
Entretanto, 12 anos após a institucionalização da política ainda são muitas as dificuldades elencadas pelos secretários de Educação, como anuncia Gomes (2012), para dar corpo à gestão da diversidade em seus sistemas de ensino. Tais dificuldades, embora sejam indicativas das disputas e negociações permanentes em torno da construção do texto e das vivências das práticas curriculares, também apontam para o desconhecimento dos documentos que regulamentam a lei – o Parecer nº 03/2004 e a Resolução nº 01/2004 –, ambos emitidos pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Neles, encontramos orientações fundamentais para a implementação e consolidação da política curricular.
Ainda segundo Nilma Gomes (2009, p. 40):

Com avanços e limites, a Lei 10.639/03 e suas diretrizes curriculares possibilitaram uma inflexão na educação brasileira. Elas fazem parte de uma modalidade de política até então pouco adotada pelo Estado brasileiro e pelo próprio MEC. São políticas de ação afirmativa voltadas para a valorização da identidade, da memória e da cultura negras.

Como é possível notar, a política curricular propõe-se modificar a escola mexendo na estrutura da instituição, uma vez que exige mudança de atitude dos membros da comunidade escolar em seus mais diversos níveis de atuação. Ao considerarmos que o racismo antinegro constitui elemento estruturador das relações sociais e institucionais estabelecidas no Brasil, podemos concluir que a política curricular do ensino de história e cultura afro-brasileira propõe modificações para a estrutura da própria sociedade brasileira. Partindo desse princípio, não será difícil compreender o nascedouro das dificuldades vivenciadas e enfrentadas no exercício de sua implementação. Como assinala Gonçalves e Silva (2013, p. 2):

Uma sociedade cuja herança da colonização europeia é valorizada não como um dos componentes da cultura nacional, mas como aquele em que todos deveriam privilegiadamente se pautar, os descendentes de europeus estão convencidos de que os valores, conhecimentos, tradições que herdaram de seus avós migrantes são universais.

Nesse sentido, a política põe em evidência o questionamento ao modelo único de escola e, dentro dele, a seleção e hierarquização dos conhecimentos curriculares, bem como as “dificuldades frequentes de pessoas de diferentes pertencimentos étnico-raciais, notadamente brancos e negros, indígenas e não-indígenas conviverem em relações de igualdade e respeito” (Gonçalves e Silva, 2013, p. 2).
Considerando a grande quantidade de atividades, programas, projetos e ações desencadeadas pela legislação e pela política curricular para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, parece-nos que a disputa curricular está instalada na sociedade brasileira e no interior das escolas. Entretanto, a perspectiva epistêmica dessas ações educativas nem sempre apresentam distanciamentos significativos das práticas eurocêntricas que produziram a suposta inferioridade da população negra no Brasil.

4. Considerações Finais

Embora a sociedade brasileira seja caracterizada pela pluralidade étnico-racial, a ideia de subalternização do negro tem estruturado as relações sociais que aqui foram estabelecidas, de forma que a diferença foi transformada em desigualdade e opressão. O desejo de que o país se tornasse um país branco fez com que a população negra fosse negada e invisibilizada de diversas formas ao longo da história. A sociedade brasileira e suas instituições, inclusive a escola, constituíram-se em sintonia com esse projeto colonial que instituiu o racismo antinegro e as práticas racistas em suas instituições.
A elaboração de políticas de promoção da igualdade racial no Brasil resulta de anos de luta do movimento negro brasileiro, que somente no final do século passado conseguiu desmitificar a imagem de que o Brasil seria uma espécie de idílio racial expresso na noção de democracia racial. A "Marcha 300 anos de Zumbi dos Palmares", em 1995, e os desdobramentos da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo são episódios marcantes nesse processo.
A partir dos anos 1990, embalado pelo avanço do neoliberalismo, o debate acerca das políticas públicas contrapunha políticas universais às políticas focais. Quando da formulação das primeiras proposições em torno de políticas de promoção da igualdade racial, uma das críticas era de que se tratava de políticas focalizadas, destinadas a grupos específicos, com forte inspiração neoliberal. É importante ressaltar que, para se alcançar uma efetiva equidade racial na sociedade brasileira, faz-se necessário repensar o paradigma das políticas públicas centrado na dicotomia políticas universais versus focalizadas. No caso brasileiro, a combinação dessas políticas e a tentativa de desenvolvê-las de forma simultânea tem se mostrado um desafio promissor.
No que se refere à educação, ao contextualizar as questões sobre políticas curriculares da diversidade e políticas da igualdade, no conjunto das políticas de formação docente do governo federal, Gatti, Barreto, & André (2011) põem em evidência a tensão existente entre esses dois campos e a predisposição do Ministério da Educação (MEC) em romper com o dualismo e ofertá-las de forma articulada, em que pese ao fracasso dessa articulação identificado na análise dessas autoras.
Considerando que a população negra constitui a maioria da população brasileira, a formulação de políticas focais para esse grupo específico incide diretamente na oferta de políticas universais. Desse modo, o argumento de que políticas de equidade racial feririam o princípio de um universalismo abstrato, assentado em uma noção igualmente abstrata de cidadão, não se sustenta frente aos dados empíricos. Por outro lado, a literatura pertinente ao tema revela que as práticas racistas na escola constituem obstáculos à aprendizagem de estudantes negros/as, quando não os afastam desse espaço.
Na realidade brasileira, as políticas específicas não se destinam apenas às populações específicas que tencionam beneficiar diretamente. No campo da educação, as proposições visam, em última instância, educar as pessoas, enfatizando crianças e jovens, para o convívio com a diferença e o respeito à história e cultura dos diversos povos que formaram o Brasil. Sejam elas direcionadas para as relações de raça, de etnia, de gênero, de sexualidade, de geração, de inclusão ou qualquer outra subjetividade humana, destinam-se ao benefício de toda a população brasileira. O que se busca é se repensar as bases das relações étnico-raciais, sociais e pedagógicas sobre as quais se assenta a política educacional no Brasil.
Referências
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1 A denominação formal é “Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco – Bolsa-Prêmio de Vocação para a Diplomacia”, instituído em 2002 e vigente desde então.
2 Institui o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
3 Dados disponíveis In: NEGRO E EDUCAÇÃO. Relatório do VIII Encontro dos Negros do Norte e Nordeste do Brasil. Recife: Movimento Negro Unificado, 1988.
4 Em 2008, a promulgação da Lei nº 11.645 altera o mesmo Art. 26A, estendendo a obrigatoriedade para o ensino de histórias e culturas dos povos indígenas.

IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO AMAZÔNICA NO CONTO VOLUNTÁRIO DE INGLÊS DE SOUSA



NETO, Geraldo Brandão


RESUMO: A Literatura é uma arte que através dos séculos descreveu em suas letras o nascer e o desaparecer de diversas nações. Procurou relacionar as mais diversas experiências entre o homem e seu ambiente, demonstrando uma relação de mútua dependência entre ambos. Por meio destas relações, cria-se uma atmosfera de estreita sincronia entre o homem e o lugar ocupado por ele em que, por meio de diversas situações, o homem se identifica com este espaço e por ele é delineado, admitindo de tal forma a criação de sua identidade. Assim, o presente artigo procura delinear no conto Voluntário, de Inglês de Sousa, algumas interpretações que evidenciem a representação da identidade amazônica na formação do homem da região, em especial do caboclo, aqui caracterizado na figura da personagem Pedro. Para concretizar este objetivo, o trabalho conta com os conceitos perpetrados por teóricos como Homi K. Bhabha, Raymond Williams, Benedict Anderson, dentre outros. Apesar de diferentes em suas temáticas, os pensadores utilizados como suporte para este trabalho acabam por convergir em um único foco, que consiste em criar uma análise da construção de uma comunidade ou até mesmo de uma nação e a relação que os indivíduos têm para com essa estruturação. Assim, possuir uma identidade não é somente possuir características próprias, mas admitir em nosso interior aspectos do cotidiano local, como as relações pessoais, os costumes e as situações mais comuns da realidade para fomentar no aspecto da criação da identidade.


Palavras-chave: Amazônia, narrador, Pedro, caboclo, identidade, representação.


ABSTRACT: The literature is an art that through the centuries, described on its letters, the birth and the disappearing of several nations. It tried to relate the most various experiences between the men and their environment, showing a mutual dependent relationship between both. By means of these relationships, it creates an atmosphere of narrow synchronism between the man and the place occupied by him that, for several situations, he identifies himself with this space and it’s lined for him, admitting that way the creation of his identity. That way, the present article tries to line in the tale “Voluntário”, some interpretations that evidence the amazon identity’s representation in the formation of region’s man, especially the “caboclo”, that it’s known here in the figure of Pedro. Concluding this objective, the work counts on the concepts created by theoretical people like Homi K. Bhabha, Raymond Williams, Benedict Anderson, among others. In spite of the differences in their themes, these theoretical whosewere used like a support for this workend in a run into a focus, which consists in creating an analysis of a community construction or even a nation and the relationship that the individuals have with this structure. This way, to have an identity is not only to have own characteristics, but admit in our inner aspects of the local routine, like the personal connections, the customs and the common situations of the realityto support the identity’s creation aspect.
KEY WORDS: Amazon, narrator, Pedro, caboclo, identity, representation.


  1. INTRODUÇÃO


Antes de elaborar um conceito técnico para o vocábulo identidade, vale pensar em um conceito superficial. O questionar sobre o que venha a ser a identidade é também realizar um autoquestionamento: quem sou eu? Ao responder esta pergunta, automaticamente formula-se um caráter objetivo de nós mesmos, isto é, cria-se um julgamento daquilo que somos, e, por conseguinte estaremos descrevendo a nossa própria identidade.
Cada indivíduo é dotado de características peculiares que o tornam único. Levando estas afirmações para a realidade brasileira de ontem e de hoje, tal proposta se faz ainda mais desafiadora, pois se sabe desde os tempos do Brasil Colônia que a sociedade na qual estamos inseridos sempre foi uma sociedade heterogênea, reforçando ainda mais a questão da identidade do povo, que presente nas vastas e específicas regiões do país acabaram por admitir em sua formação pessoal aspectos próprios de tais lugares. Destarte, vale ressaltar que além de possuirmos características inerentes ao nosso ser, também somos moldados pelo espaço em que nos encontramos, seja em um espaço urbano, seja em um espaço rural. A partir dessa inserção, afirma-se que o homem está condicionado à profunda interação com o meio em que vive, estabelecendo uma íntima ligação com a sua comunidade, mesmo que “jamais conheça, encontre ou nem sequer ouça falar da maioria de seus companheiros, embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles” (ANDERSON, 2008: 32)
Constrói-se por meio do processo de aquisição de uma identificação com o ambiente uma ideia duplicada, pois ao agir em seu ambiente comum, o homem admitirá a partir de tal ação uma imagem que se reflete em seu ser, e tal imagem irá estruturar o pilar de uma identidade inerente ao próprio indivíduo. Se identificar com o seu ambiente natural não é somente criar um elo, mas ter consciência de um conhecimento profundo deste mesmo espaço, ou seja, sentir-se enraizado e pertencente a tal hábitat:

Primeira: existir é ser chamado à existência em relação a uma alteridade, seu olhar ou locus. É uma demanda que se estende em direção a um objeto externo e, como escreve Jaqueline Rose, ‘É a relação dessa demanda com o lugar do objeto que ela reivindica que se torna a base da identificação. (Bhabha, 2010: 76)

Seguindo a citação, convém afirmar que a construção de uma identidade social se estabelece com a reivindicação daquilo que pertence ao homem que está inserido em um determinado ambiente, pois a partir de tal exigência, ele conseguirá se identificar com o meio.
O mundo amazônico é um locus em constante mutação. Inerente a esse mundo real e também imaginário tem-se diversas situações que enfocam uma realidade bastante peculiar, que ora oscila entre o tradicional, ora se faz presente numa inserção ao mundo moderno. Retratar a realidade do homem amazônida é um trabalho que vem sendo proposto nos mais diversos ramos de estudo. Revelar como esse homem se apresenta, suas características, seus dons, seus pensamentos e sentimentos é uma tarefa destinada àqueles que observam essa realidade local através de uma apurada ótica, ótica essa que analisa minuciosamente a relação do homem com seu meio, evidenciando nesta perspectiva a formação do indivíduo quanto a busca por sua identidade e pela representação de sua realidade.
Assim, o presente artigo busca enfocar no conto Voluntário, contido na obra Contos Amazônicos, de Inglês de Sousa, as perspectivas literárias e culturais que desencadeiam na identidade amazônica das personagens e como estes são representados. Atentaremos aqui para a análise da personagem Pedro, figura central da trama. Importante salientar o modo de vida rústico descrito na narrativa, evidenciando dessa maneira uma realidade puramente local, típica e que serve como espelho para a compreensão deste “mundo” que parece estar à parte do território nacional, um mundo que flutua na imensidão de seu caráter social e imaginário. Este trabalho segue múltiplas questões para enfocar em seu objetivo principal, o estudo da identidade, porém, sem jamais deixar a margem o próprio texto literário, no caso, o conto, como forma melhor de compreensão desta identidade.


NARRATIVA/DRAMA


Todos sabem da relação Literatura e História. E o reflexo disso são as obras que se apresentam recheadas de críticas sociais que deixam transparecer a insatisfação do autor para com a realidade em que vive. É comum, portanto, que personagens acabem se apresentando de forma a caracterizar essa insatisfação.
Nesta história, especificamente, verifica-se que tudo gira em torno da ironia. É com o título, que Inglês de Sousa inicia sua crítica em torno das ações militares que aconteciam no país e como essa prática se refletia na situação da população brasileira, haja vista que a mesma não possui poder de escolha, sendo totalmente submissa as ordens provenientes da corte instalada no Rio de Janeiro. Um exemplo disso observa-se no conto Voluntário, um texto que reflete a crueldade com que eram recrutados os homens que participariam da guerra do Paraguai.
No conto em estudo, Inglês de Sousa narra a história de Pedro e sua mãe, a velha tapuia Rosa que viviam numa vila as margens do rio, próxima a cidade de Alenquer, no interior do Pará. Os dois, filho e mãe, vivem sossegadamente com um sustento mínimo até que Pedro é recrutado a força pelo Capitão Fabrício para servir na guerra. A partir de então, o conto ganha uma conotação histórica, relatando este fato marcante na historiografia nacional. A partir disso, sua mãe, Rosa, segue numa tentativa de resgatar seu filho e encontra em Alenquer um antigo conhecido, advogado, que em dias passados já dormira em sua casa. Expõe para ele a situação ocorrida, recebendo sua ajuda com o intento de soltar seu filho. O advogado procura na cidade contatar as autoridades locais para libertar Pedro, porém não consegue, já que o juiz que analisava o caso foi subordinado a enviar o jovem tapuio para o “Paço da Pátria”, isto é, para combater na guerra. Ao longo do texto, as personagens seguem uma única linha de comportamento, sendo dessa forma consideradas personagens planas, pois cada persona permanece agindo segundo uma forma de conduta. Existem, porém, algumas mudanças no que diz respeito às atitudes das personagens. Pedro, por exemplo, quando assediado pelo Capitão Fabrício para servir como voluntário na guerra transforma-se numa fera que luta por sua sobrevivência:
Foi uma cena terrível que teve lugar então. A velha Rosa, desgrenhada com os vestidos rotos, cobertos de sangue, soltava bramidos de fera parida. Pedro estorcia-se em convulsões violentas, e os soldados não conseguiam arredá-lo da mãe. Fabrício ordenando que levassem o preso, lançara ambas as mãos aos cabelos da velha e puxando por eles, procurava conseguir que largasse as roupas do filho. Os guardas impacientes e coléricos desembainharam a baioneta e começaram a espancar alternadamente a mãe e o filho, animados pela voz e pelo exemplo do sargento, ainda pálido pelo susto que sofrera. (SOUSA, 2005: 30)


Esta passagem supracitada evidencia uma espécie de jogo entre as figuras do colonizador e do colonizado ou do opressor e do oprimido, pois manter um sob custódia é ao mesmo tempo reforçar a sua própria existência, já que estas personagens tendem sempre a se complementar no interior da narrativa. Capturar Pedro e levá-lo como voluntário para a guerra não é somente praticar uma tirania construída por meio da inveja que sentem da destreza física do jovem tapuio, traço primordial para a realização do recrutamento, mas sim subjuga-lo a tal ponto que a partir disso se estabelecerá a desconstrução da identidade da figura central, pois acarretará na tensão cisão da representação de sua identidade e “é dessas tensões – tanto psíquicas quanto políticas – que emerge uma estratégia de subversão” (BHABHA, 2010: 101). Ela é um modo que busca não desvelar a completude do Homem, mas manipular sua representação, seu modo de ser e aniquilar a sua essência.
Estória narrada predominantemente em terceira pessoa, descrita num tempo cronológico pelo advogado contratado por Rosa para defender o filho, o conto apresenta um narrador onisciente e onipresente. O narrador, a princípio narra em terceira pessoa, como no seguinte excerto: “Pedro era em 1865 um rapagão de dezenove anos, desempenado e forte. Tinha os olhos pequenos, tais quais os do pai, com a diferença de que eram vivos, e de uma negrura de pasmar” (SOUSA, 2005: 24). Porém, ocorre uma mudança na narrativa, a história é contada por um narrador que é testemunha dos fatos ocorridos com Pedro e sua mãe Rosa. Assim, podemos entender o narrador homodiegético, ou, seja, em 1ª pessoa, mas que não é a personagem principal da trama, pois o narrador surge como o advogado que iria interceder por Pedro e ele afirma que: “Estava eu a esse tempo em Santarém, preparando uma viagem a Itaituba, a serviço da minha advocacia” (SOUSA, 2005: 32). A narrativa segue apresentando uma linguagem coloquial e regional, típica do povo amazônico evidenciando dessa forma um dos elementos que contribuem na construção de uma identidade amazônica no texto:

Apesar da pobreza rústica da casa, com as suas portas de japá e as paredes de sopapo, com o chão de terra batida, cavada pela ação do tempo, tinha a tapuia em alguma conta o asseio. Trazia o terreiro bem varrido e o porto livre das caravanas que a corrente do rio vinha ali depositando. (SOUSA, 2005: 23)

A ambientação da vida do homem amazônico, retratando o cotidiano real e mágico de cada tapuio é relatado na trama quando o narrador descreve o ribeirinho contemplando o vasto mundo que o cerca, como observa-se no trecho abaixo transcrito:

Em que pensará o pobre tapuio? No encanto misterioso da mãe-d’água, cuja sedutora voz lhe parece estar ouvindo no murmúrio da corrente? No curupira que vagabundeia nas matas, fatal e esquivo, com o olhar ardente, cheio de promessas e ameaças? No diabólico saci-pererê, cujo assobio sardônico dá ao corpo o calafrio das sezões? Em que pensa? Na vida? É talvez um sonho, talvez nada. É uma contemplação pura. (SOUSA, 2005: 26)


  1. A DOMINAÇÃO COMO FORMA DE EXCLUSÃO DA IDENTIDADE

O conto Voluntário é uma grande ironia, pois como se pode verificar no trecho transcrito abaixo, o recrutamento era dado de forma mais violenta e desumana possível. Sobre essa perspectiva, Inglês de Sousa (2005), relata este fato através da seguinte situação:

O rapaz soltou um grito surdo, avançou contra Fabrício, arrancou-lhe a espingarda das mãos e brandiu-a sobre a cabeça do capitão, como se fora uma bengala. Quando ia descarregar o golpe sentiu-se agarrado. Era o sargento Moura e dois soldados, que saindo de um matagal próximo, moviam-se aproximando sem serem vistos. Ao ruído da luta, acudiu à velha Rosa, que, soltando brados lamentosos, tentou arrancar o filho aos soldados, mas o capitão Fabrício segurou-a por um braço e atirou-a de encontro a um esteio da casa. (: 30)

Na obra temos a relação entre o dominador e o dominado, representados por “capitão Fabrício, nomeado recrutador em todo o termo de Alenquer, recebera ordem terminante do presidente da província para mandar pelo primeiro vapor um contingente de voluntários, custasse o que custasse” (SOUSA, 2005: 28); e pelo jovem Pedro, este filho único da velha tapuia Rosa, que não poderia ser recrutado para a guerra do Paraguai.
Nessa ocasião, o narrador, foi procurado por Rosa, que lhe havia dado guarida em algumas passagens pelo igarapé de Alenquer. Foi ela quem lhe contou à história que ele narrara até aquele momento do conto. Ante a astúcia das forças “legalistas”, o que fez o advogado para soltar Pedro foi em vão, pois ele fora embarcado antes dos demais “voluntários”, o que fez o advogado pensar que o jovem estava livre de sua “obrigação” com a Pátria.
Ao procurar velha Rosa para dar a boa notícia, esta replicou afirmando que aquilo não era verdade, expondo seu caráter supersticioso, verificado na seguinte fala do narrador: “Na sua opinião, eu estava enfeitiçado. Pedro não estava no quartel, e, portanto, seguira naquele mesmo vapor para capital” (SOUSA, 2005: 35).
Em conversa com o juiz, o advogado constatou que Pedro realmente estava entre os embarcados, o que gerou seus protestos:

A indignação fez-me ultrapassar os limites da conveniência. Perguntei irado, ao juiz como se deixara ele assim burlar pela polícia, expondo a dignidade do seu cargo ao menosprezo de um funcionário subalterno. Mas ele, sorrindo misteriosamente, bateu-me no ombro e disse em tom paternal:
Colega, você ainda é muito moço. Manda quem pode. Não queira ser palmatória do mundo. (SOUSA, 2005: 35)
  
A última frase do juiz funciona como uma denúncia de um sistema corrupto, que não leva em consideração os direitos alheios, mas sim as conveniências, tanto que a resposta do magistrado é reveladora.
O destino de Rosa foi perambular pelas ruas de Santarém, carregando os estigmas da exclusão, denotado nos qualificativos a ela atribuído: “pobre tapuia doida”. Os três termos expõem sua condição de desvalida, de mestiça e de sem voz, pois a fala do louco é desconsiderada.
A exclusão é demarcada mesmo no discurso daquele que, aparentemente, questiona o sistema excludente, o narrador, pois em todo o conto ele faz com que os posicionamentos de Pedro e de sua mãe sejam feitos por meio do discurso indireto, portanto vetando-lhes a palavra.
A ausência do poder da palavra pode ser depreendida também de algumas aproximações feitas, como no momento em que Pedro foi abordado pelos homens do capitão e sua mãe interferiu: “A velha Rosa, desgrenhada, com os vestidos rotos, coberta de sangue, bramidos de fera parida” ou fala do capanga Manoel de Andrade, ao mandar prenderem Pedro: “- Amarra porco, rapaziada!”. Ao serem vistos como animais perdem o aspecto humano, demarcado principalmente pelo uso afetivo da palavra.
A única expressão direta de Rosa ocorre ao final da narrativa: “Meu anel de diamantes/ caiu n’água e foi ao fundo;/ os peixinhos me disseram:/ viva Dom Pedro Segundo!”. Porém, essa fala é desconsiderada, devido à loucura da mulher e ao fato de trata-se de uma “quadrinha popular”, portanto de cunho coletivo. O caráter pessoal da fala está subjacente ao texto e advém justamente da ironia que inicia o conto, o seu título. A trova é uma crítica ao Segundo Império e propõe um pequeno jogo alegórico em que os elementos da composição popular podem representar elementos do conto: anel de diamantes = Pedro; caiu n’água e foi ao fundo = sucumbir na guerra; os peixinhos = opinião pública; e Dom Pedro segundo = sistema vigente.
Como se observa, a narrativa de Inglês de Sousa se afigura como um documento de crítica social, e é por conta desse aspecto, dentre outros, que sua obra continua atual, podendo funcionar como uma fonte de leitura da cultura e do homem da Amazônia e do Brasil.

  1. O RETRATO DO LOCAL COMO REPRESENTAÇÃO DA IDENTIDADE


Quando se trata a respeito de uma identidade, tem por finalidade primordial buscar uma revelação de aspectos interiores e exteriores de si ou de outrem. Uma revelação que tem por base um caráter empírico, ou seja, é necessário caracterizar os elementos que formam todo um ambiente ou um ser. Para tal, é de suma importância a inserção do indivíduo neste ambiente identitário, onde ele se vê como parte não somente extrínseca, mas também intrinsecamente num espaço que interage com ele, onde ele (indivíduo) o forma e automaticamente também é formado por ele (espaço/local).
A identidade cultural é um conjunto vivo de relações sociais e patrimônios simbólicos historicamente compartilhados que estabelece a comunhão de determinados valores entre os membros de uma sociedade. Sendo um conceito de trânsito intenso e tamanha complexidade, podemos compreender a constituição de uma identidade em manifestações que podem envolver um amplo número de situações que vão desde a fala até a participação em certos eventos.
Durante muito tempo, a ideia de uma identidade cultural não era devidamente problematizada no campo das ciências humanas. Com o desenvolvimento das sociedades modernas, muitos teóricos tiveram grande preocupação em apontar o enorme “perigo” que o avanço das transformações tecnológicas, econômicas e políticas poderiam oferecer a determinados grupos sociais. Nesse âmbito, principalmente os folcloristas, defendiam a preservação de certas práticas e tradições.
Partindo dessas novas noções de identidade, antigos temas relacionados à cultura que aparentavam completo esgotamento ganharam um novo fôlego interpretativo. As identidades passaram a ser trabalhadas com definições menos rígidas. Diversos estudos vão contra a ideia de que uma população deve abraçar a sua cultura e garantir todas as formas possíveis de cristalizá-la. Dessa forma, presencia-se a abertura de novas possibilidades de entender o comportamento do homem com seu mundo. Assim, no conto “Voluntário”, de Inglês de Sousa, tais aspectos que tendem a ir em busca de uma identidade amazônica, através de descrições minuciosas dos caracteres que formam o povo amazônida, seu modo de vida e o seu ambiente. Salienta-se aqui que a identidade não é uma máxima dentro da obra de Inglês de Sousa, mas procura-se levantar uma questão que pode se apresentar em um ou outro texto do autor paraense, sendo assim, possível de discussão.
É notório como o narrador descreve o ambiente amazônida, e em especial a população ribeirinha. Ao longo de certas passagens da narrativa, o narrador relata o ambiente ribeirinho como um locus amoenus, um lugar de calma, de paz e onde todos se congratulam através de uma perspectiva muito ímpar, pois a vida do campo [...] é móvel e presente: move-se ao longo do tempo, através da história de uma família e um povo; move-se em sentimentos e ideias, através de uma rede de relacionamentos e decisões (Williams, 2011: 21). Na comunidade ribeirinha não existe egoísmo, individualidade, posto que o tudo pertence a todos, demonstrando uma divisão igualitária das “coisas da gente tapuia”, pois “quanto à generosidade, basta dizer que jamais lhe sucedia arpoar um pirarucu sem presentear com a ventrecha os vizinhos pobres, e se um belo dia lhe caía sorte de matar um peixe-boi no lago, havia festa em casa. (SOUSA, 2005: 24)
Esta passagem confirma um traço peculiar referente à personagem central da trama, Pedro, que “era o mais destro pescador do igarapé de Alenquer. Nenhum conhecia melhor do que ele as manhas do pirarucu e da tartaruga” é tratado como um tapuio autêntico que nasceu para lidar com as coisas da floresta, afeiçoado a pesca, ao trato com as coisas da natureza exuberante que o cerca, além de ser muito bem quisto por seu povo. Assim, a identidade presente no texto está fortemente ligada à figura de Pedro, que como mencionado, mantém uma adaptação concreta ao espaço em que vive, um espaço verdadeiro, onde o protagonista mantém uma relação de familiarização, um espaço que além de ser de todos, também é seu, fato este que evidencia uma relação umbilical da personagem e seu ambiente. Quando se notam tais aspectos, em que o indivíduo é basicamente formado por um lugar no qual está inserido, torna-se claro a presença de uma relação identitária do ambiente. Reforça-se o valor da identidade segundo a afirmativa de CANCLINI (2000: 190), que no seu ponto de vista que “ter uma identidade seria, antes de mais nada, ter um país, uma cidade ou um bairro, uma entidade em que tudo o que é compartilhado pelos que habitam esse lugar se tornasse idêntico ou intercambiável”. A condição social do homem, seu entendimento de si e do meio em que vive promove uma identidade imediata, por meio da construção de um corpus social que caracterizará e dará forma a um determinado espaço.
O grau de identidade não se apresenta somente por meio de uma ótica da relação entre personagem e espaço, mas também através de uma cultura local que é seguida a risca por todos os seres que habitam a região, que tratam e seguem suas vidas mediante as práticas de normas simples e naturais, pois “foi pela reunião de uma maquinaria monstruosa de descrições – de nossos corpos, nossos atos de fala, nossos hábitats, nosso conflitos e desejos, nossa política, nossas sociabilidades e sexualidades” (AHMAD, 2002: 87) que estruturam a essência de um povo e, por conseguinte sua identidade. O caboclo amazônida retratado no conto é um tipo humano que vê a vida passar sem pressa nenhuma. Exala em suas atitudes uma tranquilidade latente, onde fuma seu tabaco, come seu peixe, demonstrando assim um aspecto de seu cotidiano:


Quando caía a tarde, depois de ter comido a sua lasca de pirarucu assado ou a gorda posta do fresco tambaqui, com pirão de farinha d’água, molho de sal, pimenta e limão, ia sentar-se à soleira da porta, de onde contemplava o magnífico espetáculo do pôr-do-sol entre os aningais da margem do rio e ouvia o canto da cigarra, chorando saudades da efêmera existência, que a tananá oculta, em doce estribilho, consolava. (SOUSA, 2005: 25)


Observa-se então a rotina do caboclo que reside às margens dos grandes rios da Amazônia, conectado com o mundo do qual extrai o seu sustento e para o qual pode ao fim da tarde contemplar. Tal contemplação ocorre como uma junção do magnífico com o grandioso, revelando desta forma o caráter poético da enormidade do ambiente, e quando este aspecto se revela, tende a acarretar numa diminuição do próprio caboclo que se vê minúsculo diante de um ambiente que para ele é considerado seu próprio mundo, ou melhor, este ambiente é o mundo, no sentido que tudo possui, que gera a vida e que a vida sustenta. Paes Loureiro, em Cultura Amazônica: uma poética do imaginário, afirma que:


Percebe-se nas relações estetizantes com o real da Amazônia, que há um maravilhamento do homem, o que é próprio de quem está diante de algo que é imenso e diante do qual a pequenez do homem se evidencia. Pequenez que é superada pelo homem natural através de um imaginário que a transforma e permite uma articulação com a natureza, dentro de uma relação onde estão presentes as categorias perto-longe, convivência-estranhamento. Penetrar na floresta, navegar nos intermináveis e incontáveis rios (aproximadamente 14 mil cursos d’água) provoca a sensação de estar adiante ‘do mundo’ e não a de estar diante de um mundo delimitado; a de estar diante do próprio universo. (1995: 61)


O caboclo amazônida é retratado na narrativa como um ser de virilidade, capaz de adentrar na floresta e conhecer todos os seus mínimos detalhes, mantendo uma afinidade com o ambiente, o que é notório no povo da região, em especial o povo ribeirinho. Assim, o narrador destaca os caracteres físicos de Pedro, afirmando ser ele um caboclo “legítimo”. A partir desta afirmativa, admite-se uma característica marcante na Literatura Amazônica que seria formar uma “persona” local, isto é, criar um indivíduo que congratule de aspectos muito peculiarmente naturais, aspectos estes que são muito melhor delineados quando o indivíduo referido vive em contato direto com seu locus, nascendo, portanto, a figura do caboclo como elemento central desta Literatura, já que o caboclo é apresentado como objeto de reflexão do homem da Amazônia, segundo afirma COSTA (2010) a respeito do caboclo como elemento preponderante da Literatura Amazônica:
A literatura ao buscar como objeto de reflexão o homem da Amazônia acabaria mais cedo ou mais tarde elegendo, ou melhor dizendo, construindo seu personagem principal. E no caso paraense, para ficarmos apenas no estado do Pará, esse personagem foi sem dúvida nenhuma o “caboclo”. (: 65)




O caboclo amazônida é retratado então numa perspectiva reflexiva sob a condição do homem da Amazônia, que procura caracterizar um indivíduo que se expõe em todos os seus aspectos, desde os mais comuns, até os mais complexos. MAGALHÃES LIMA (1999) em seu artigo A Construção Histórica do Termo Caboclo – Sobre estruturas e representações sociais no meio rural amazônico, aborda de maneira objetiva as múltiplas denominações atribuídas ao vocábulo caboclo, teorizando atos e hábitos peculiares do homem amazônida que vive em constante fluxo relacional com o ambiente em que está inserido. Numa destas teorias, ela nos informa que:
O arquétipo do caboclo também é composto de traços culturais que distinguem seu modo de vida de uma existência branca e urbana. As características de uma arquitetura distinta, os meios de transporte que usa seus instrumentos de trabalho, seu conhecimento e modo de manejar os recursos da floresta, seus hábitos alimentares, sua religiosidade, mitologia, sistema de parentesco e diversos maneirismos sociais expressam a existência de uma cultura cabocla que é básica para o conceito desse típico amazônida. (: 13)


Assim, pode-se perceber uma teorização sobre o modo de vida caboclo, isto é, uma descrição puramente objetiva dessa realidade. Numa espécie de fusão, entre o objetivo e o subjetivo, carregado de uma conotação histórica, Inglês de Sousa aborda esta concepção de criação de uma identidade amazônica retratando em seu texto um típico caboclo do Amazonas, um indivíduo que só vai existir nesse e para esse hábitat. É importante ressaltar o olhar observador do autor, pois mesmo distante da Pará, sua terra natal, que ele abandonara cedo, mesmo assim, ele consegue criar a imagem de um ser que é a materialização mais comum do espaço social: o caboclo. O caboclo pode ser considerado a metáfora de uma pura identidade amazônica, portanto uma representação concreta do seu lugar de origem e não se deve jamais esquecer que tratar de uma discussão acerca da identidade é a mesma coisa que reforçar a prática de um discurso analítico de compreensão de um específico objeto social, já que o caboclo, em muitos casos seja considerado um grupo social da Amazônia, ainda se discute a sua situação étnica, pois “entretanto, a questão mais importante a ser considerada na análise da categoria caboclo é exatamente a da não-definição: o caboclo é aquele que está nas franjas, nas fronteiras da modernidade, o que estava antes da modernidade, o que é de certo modo contra a modernidade” (RODRIGUES, 2006: 125).




  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS




Neste artigo, procura-se relatar a evidência de marcas de identidade que ora se apresentam em algumas passagens do conto Voluntário, escrito pelo paraense Inglês de Sousa. Com a descrição dos hábitos e costumes do povo amazônida, o autor procura mostrar o cotidiano simples de um povo que oscila entre o tradicional e o moderno, num contraponto entre o rural e o urbano, característica tão fortemente enraizada na cultura popular do Norte.
Tendo como enfoque principal a situação do caboclo como uma classe social, que vive em constante relação com o ambiente e que deste tira o seu sustento, o autor aborda questões particulares daquela realidade tão tipicamente comum, mas recheada de um fator imaginário estetizador, como afirma Paes Loureiro, em seu Cultura Amazônica: uma poética do imaginário. Este mesmo fator imaginário estetizador tende a construir uma sequência de aspectos que são altamente concernentes ao ambiente, formando neste, uma auratização, construindo, assim, uma noção de identidade.
Torna-se claro também que a noção de identidade vai muito mais além do que uma análise da relação entre o homem e o meio em que está inserido. A identidade constrói-se mediante a afinidade do homem, inserido em seu espaço próprio, com o outro, fato que acontece no conjunto da alteridade. Isso confirma que uma renúncia de si é a comprovação do caráter e da presença de um indivíduo que se faz único por causa da construção de seus traços físicos mais comuns ou pela presença ativa de uma cultura única. Isso entra e acordo com um discurso crítico pós-colonial que afirma a outridade do ser enquanto objeto, como fonte de estímulo para a acentuação de sua essência, conceituando um caráter único de formação de uma imagem local em que o meio reflete um íntimo de seu vivente mais habituado.
Portanto, definir um aspecto identitário em torno de uma cultura amazônica é enfatizar a figura de homens que trazem consigo uma série de discursos de formação étnica. A evidência dos conceitos perpetrados neste artigo torna-se claro quando o narrador de Voluntário expõe a presença única de uma persona diretamente identificada com o espaço em que vive a personagem Pedro. Pode-se observar, desta forma, que a presença de Pedro é marcante no conto, por ele trazer consigo aspectos tão particulares, quanto também são aspectos comuns de sua região. Para finalizar, conclui-se que os discursos de estruturação da identidade se baseiam em perspectivas críticas pós-coloniais, as quais “exigem formas de pensamento dialético que não recusem ou neguem a outridade (alteridade) que constitui o domínio simbólico das identificações psíquicas e sociais” (BHABHA, 2010, p. 242).


REFERÊNCIAS
ANDERSON, Benedict R. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo, Companhia das Letras, 2008.
AHMAD, Aijaz. Linhagens do Presente. São Paulo. Boitempo Editorial, 2002.
BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010.
COSTA, Tony Leão da. Música, Literatura e identidade amazônica no século XX: o caso do carimbo no Pará. Uberlândia: ArtCultura, v. 12, n. 20, p. 61-81, jan. – jun., 2010.
GARCIA CANCLINI, Néstor. Culturas Híbridas: para Entrar e Sair da Modernidade. 3ª ed. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000.
LIMA, Deborah de Magalhães. A Construção Histórica do termo Caboclo – sobre Estruturas e Representações Sociais no Meio Rural Amazônico. NAEA (Núcleo de Altos Estudos Amazônicos). Belém, Universidade Federal do Pará – UFPA, vol. 2, nº 2, dezembro de 1999.
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura Amazônica: uma poética do imaginário. Belém: Cejup, 1995.
RODRIGUES, Carmen Izabel. Caboclos na Amazônia: a identidade na diferença. Novos Cadernos NAEA. Belém, v. 9, p. 119-130, 2006.
SOUSA, Inglês de. Contos Amazônicos. São Paulo: Editora Martin Claret, 2005.
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo, Companhia das Letras, 2011.