Carlos Moore
desconstrói senso comum sobre o racismo.
Carlos Moore, um dos mais importantes intelectuais negros da atualidade, veio à Curitiba no último dia 11 de dezembro para relançar o livro Racismo e Sociedade – Novas Bases Epistemológicas para entender o racismo, da editora Nandyala. Cubano radicado na Bahia, é doutor em Ciências Humanas e em Etnologia pela Universidade de Paris e chefe de Pesquisa na Escola para Estudos de Pós-Graduação e Pesquisas na Universidade do Caribe, em Kingston, na Jamaica. Moore conversou com a equipe da Imprensa da APP-Sindicato e falou sobre falácias sobre a origem do racismo, da importância de se ter estudos sérios sobre o assunto e afirma: “o racismo é um problema dos brancos”. Confira na entrevista: Qual é o tema principal do livro?
Carlos Moore, um dos mais importantes intelectuais negros da atualidade, veio à Curitiba no último dia 11 de dezembro para relançar o livro Racismo e Sociedade – Novas Bases Epistemológicas para entender o racismo, da editora Nandyala. Cubano radicado na Bahia, é doutor em Ciências Humanas e em Etnologia pela Universidade de Paris e chefe de Pesquisa na Escola para Estudos de Pós-Graduação e Pesquisas na Universidade do Caribe, em Kingston, na Jamaica. Moore conversou com a equipe da Imprensa da APP-Sindicato e falou sobre falácias sobre a origem do racismo, da importância de se ter estudos sérios sobre o assunto e afirma: “o racismo é um problema dos brancos”. Confira na entrevista: Qual é o tema principal do livro?
É o racismo através dos tempos, porque essa ideia que temos de que o racismo é algo recente é falsa. As pessoas supõem que o racismo tenha surgido por causa da escravidão há 400, 500 anos. Esta ideia está enraizada nas mentes e na academia. O racismo tem entre 3 e 4 mil anos de existência. Temos indícios claríssimos de racismo há 1.700 anos A.C.
Pode dar um
exemplo?
Um exemplo é
o Rigveda, que é o livro sagrado do hinduísmo. Nele estão
descritas cenas de extermínio racial, na qual os invasores brancos
dizem que Deus os mandou com a missão de exterminar o que chamavam
de “extirpe” negra.
Já era contra os negros naquela época?
Claro, pois os negros estavam disseminados no planeta inteiro. A raça negra não era raça neste sentido em que hoje projetamos, porque eles não se sabiam negros. Os povos melanodérmicos – de pele preta – surgiram na África. Não havia outros povos. A raça branca é recente, que data entre 12 e 18 mil anos. Antes disso não havia brancos, nem amarelos. As raças leucodérmicas são recentes (caucásico-europóide e sino-nipônico-mongol).
A raça negra surgiu há 3 milhões de anos, concomitante com o surgimento da humanidade. Não era uma questão política. Durante 3 milhões de anos a humanidade teve pele preta porque surgiu em latitudes onde a pele protegia o organismo humano. Se fosse branca, não haveria existido a humanidade, pois era necessário um escudo contra os raios solares.
Se não fosse isso a humanidade não teria prosseguido…
Sim. Quando os humanos modernos saíram da África há 50 mil anos eles foram para climas distintos, onde havia o mínimo de raios ultravioletas, e aí começaram a morrer. Por processo de seleção natural surgiram duas outras raças que estava mais adaptadas porque a pele clara pode captar melhor o pouco de raios violetas que existem nestas zonas euro-asiáticas, do norte.
Essas três “raças”, que não se conheciam, entram em combates profundos e violentos por recursos. Os grupos que avançaram para o sul começaram a despejar os negros em lutas cruéis. A partir daí esses grupos se reconhecem como grupos distintos e surge o conceito de raça.
Essa história é muito antiga, mas em pleno século XXI ainda não se superou essa disputa…
Não há como superar, porque as pessoas sequer sabem que isso ocorreu e que isso deu lugar a um tipo de consciência que os domina hoje.
Por exemplo, a disputa entre mulher e homem não está superada, mas ninguém sabe de onde surgiu. É muito longínqua mas ninguém está nem aí. As pessoas falam de sexismo em um contexto atual contemporâneo, mas onde estão os estudos sobre sexismo que se remontam há 5 mil, 10, 15 mil anos? Não há!
E você acha que o aprofundamento desses estudos ajuda a combater o racismo hoje?
Claro. Não se pode combater uma coisa que não se conhece a existência, de como surgiu, como se transformou ou como atravessou os milênios. São milênios de sedimentação. Tendo essa visão panorâmica e histórica, baseada no concreto, aquilo que a genética, por exemplo, e a biologia molecular nos permitem conhecer, assim podemos começar a analisar o problema, a partir de outras bases epistemológicas.
Outro conceito que você contesta é que o racismo no Brasil foi mais brando que em outros países como nos EUA. Porque aqui ele foi mais perverso?
Eu não acredito em um racismo mais suave ou cordial. Racismo é uma forma de violência total. É uma rejeição total do outro, uma rejeição genocida. Por trás de todo racismo há uma intenção do genocídio, que não é o caso do sexismo. Homem não quer eliminar a mulher. Ele quer mantê-la em um posições subalternas, mas não quer exterminar sua esposa ou filha. A mesma coisa com homossexuais. As pessoas não querem exterminá-los da face da terra, pois podem ser às vezes os próprios filhos. No caso do racismo sim.
No Brasil, o extermínio que se está buscando é através da miscigenação. Uma coisa é falar de casamento entre iguais e outra coisa é miscigenação programada. Isso é eugenismo. A visão brasileira se baseia na noção de que se você cruza constantemente a raça negra com a raça branca, numa situação de inferioridade dos negros, você vai terminar por acabar com essa raça, porque o inferior quer ascender, e a ascensão no Brasil é branquear-se. Não é aceitar a diversidade, é eliminar. Esse racismo é mais letal.
Nos EUA se baseia no apartheid, que é agregador. Há dois grupos compactos e há possibilidade de negação, mas o racismo que temos aqui é de tipologia ibero-americana, ela é atomizadora. Quando se atomiza, você não negocia. É um racismo pré-industrial.
Como você acha que está a evolução da luta do movimento negro atualmente, com a adoção de medidas como cotas e ensino da cultura africana nas escolas?
Acho que o movimento negro está levando uma luta extraordinária. Mas ele está levando o peso do racismo da sociedade. Acho que a sociedade não pode progredir assim. O racismo vem dos brancos, então são os brancos que tem exercer um movimento e uma força de contraposição ao racismo.
Quais são as distorções que a mídia produz em torno desta questão? Pode citar?
A imprensa não é diferente da sociedade. Dentro da sociedade racista a imprensa tem seu papel. Assim como a universidade, ela reproduz os estereótipos e o sistema dominante. A imprensa não está aí para contestar. Ela descredita as cotas, o movimento negro, qualquer coisa que o movimento antirracista propõe a imprensa esta lá para barrar, distorcer, destruir, porque a imprensa faz parte do status quo – como a academia e a igreja. Em uma sociedade racista as instituições são racistas.
Há jornalistas que individualmente se dão conta disso e tentam nadar contra a corrente. Os movimentos antirracistas devem favorecer essas informações objetivas para atingir estes jornalistas.
Você acha que valorizar as contribuições que a cultura africana trouxe para a sociedade é uma das formas de modificar este pensamento?
Claro. É contribuir com a verdade. Falar dessa contribuição é simplesmente falar a verdade. Acontece que as escolas nunca valorizaram isso. Valorizar estas contribuições é simplesmente ser objetivo. Por exemplo, a ideia de que egípicios são brancos está bem enraizada, porque consideram impossível que africanos tenham construídos a primeira civilização mundial, que é extraordinária. Isso não compagina com aquilo que eles têm na cabeça como sendo negro.
Tem outro exemplo para me dar?
Olha a televisão: brancos representam a virtude, a pureza e a nobreza. O negro é bandido, inferior. Sempre aparece como sendo alguém violento.
Sendo que eles que sofreram violência historicamente.
Publicaram o mapa da violência no Brasil: em 10 anos, mais de 225 mil negros foram mortos! Em 10 anos, na Guerra Civil do Iraque morreram 138 mil pessoas. Imagina a hecatombe! Mas isso aqui é normal.
No Brasil não se admite que há racismo, mas basta ver que, por exemplo, na Assembleia Legislativa do Paraná nunca houve um deputado negro. É muito evidente.
E isso é violência, porque no Paraná 30% da população é negra. Isso quer dizer que esses 30% que não se vê nas prefeituras, no governo de estado, nos parlamentos, nas universidades, então sendo excluídos violentamente. Mas o racismo vê isso como algo normal.
Dê uma resposta para quem diz que defender a cultura negra é racismo ao contrário.
Não tenho nem que falar sobre isso! Porque racismo é sistema de poder. Os negros não tem poder em nenhum lugar no mundo. Mesmo na África, são os brancos que mandam e se os dirigentes se opõem são assassinatos. O negro não tem poder de ser racista em nenhum lugar, mesmo se fosse possível. Racismo negro não é nem possível porque os negros não podem reinventar a história. O racismo surgiu uma vez só. Não posso nem fazer comentários sobre algo tão absurdo, porque eu estaria na defensiva e é isso o que o racista quer: jogar essa acusação para que você se defenda. Eu não perco tempo com essa questão, eu coloco todo o meu tempo no ataque ao racismo.
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