Há dias em que levantamos e enxergamos o mundo cor-de-rosa. Em
outros, porém, tudo parece cinza. Que motivos nos levam a associar cores
a sentimentos e emoções? Por que o rosa nos dá a sensação de alegria; e
o cinza, de tristeza? Esse é um assunto que a psicologia estuda há
décadas e ainda causa controvérsia. Mas uma coisa é certa: as cores
estimulam sensações e até mesmo produzem alterações no funcionamento do
nosso organismo.
A cor nada mais é que luz, ou seja, fótons que são emitidos por
determinados átomos em processos naturais ou artificiais. Quando
refletida nos objetos, a luz é traduzida em cores de comprimentos de
onda que variam entre 400 e 770 nanômetros (milionésimos de milímetros).
Cada cor tem um determinado comprimento de onda dentro dessa faixa e,
no olho humano, há células especiais, cones e bastonetes, capazes de
captar as cores e enviá-las ao cérebro. Evidências científicas sugerem
que a luz de diversas cores, ao entrar pelos olhos, afeta diretamente o
centro das emoções. Embora a maioria das pessoas enxergue a cor da mesma
maneira, cada um de nós responde a esse estímulo de formas diferentes.
Ou seja, é um fenômeno subjetivo e individual.
Eric Calderoni, psicólogo e professor de comunicação, vice-presidente
da Associação de Pós-Graduandos da PUC-SP, desenvolveu pesquisas sobre o
assunto. Ele afirma que não há consenso na psicologia sobre o efeito de
cada cor sobre os seres humanos, porque é extremamente difícil
investigar o impacto psicológico das cores de maneira científica. Entre
outras, as maiores dificuldades são determinar como o impacto se
manifesta no comportamento e se a sua reação é produzida pela exposição à
cor ou por outros estímulos.
Em síntese, Calderoni divide o impacto psicológico das cores em dois
grandes grupos de teorias: percepções natas e percepções de aprendizado.
Segundo a teoria "inatista", já nascemos programados para sentir as
emoções produzidas pelas cores, pois esses padrões derivam de impactos
positivos e negativos sobre a seleção natural da espécie. Nesse caso, o
homem primitivo, em sua evolução, foi associando as cores a fatores de
sobrevivência. Nas teorias inatistas, os impactos psicológicos seriam os
mesmos, mas não as reações, que dependeriam da personalidade de cada
um.
A teoria do aprendizado, por sua vez, acredita que o indivíduo,
durante sua vida, passa a associar cada cor a uma emoção e a um padrão
de comportamento. Por exemplo, se viveu experiências agradáveis numa
casa pintada de verde, vai gostar dessa cor e de tudo o que relaciona
com ela; se tiver experiências negativas irá rejeitá-la. Ambas as
teorias dizem que a maioria das pessoas pode reagir de maneira parecida a
determinada cor por ter compartilhado experiências semelhantes, como o
calor dos dias ensolarados, que associa amarelo à animação, à alegria e
ao prazer. A teoria do aprendizado afirma, no entanto, que pessoas de
determinada classe social têm experiências semelhantes, o que as faz
reagir perante as cores de maneira diferente de pessoas de outras
classes.
Os resultados de estudos sobre efeitos psicológicos das cores nos
seres humanos são utilizados pela indústria e comércio para comunicar e
vender. A cadeia McDonald's de lanchonetes usa vermelho, amarelo e
laranja na decoração das suas lojas e na comunicação visual, pois são
cores quentes e vibrantes que estimulam o metabolismo e aumentam o
apetite. Paula Csillag, professora de linguagem visual e cor da Escola
Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), de São Paulo, observa que,
embora haja consenso sobre a propriedade de certas cores, ele varia
conforme a época, a cultura e a religião.
Em inglês, por exemplo, a expressão I'm blue ("estou azul"), que
nomeia o sentimento dominante da música "blues" dos antigos escravos
negros dos Estados Unidos, significa estar deprimido, para baixo. O
verde é a cor do Islã e o branco quer dizer luto em alguns países do
Oriente. Na China antiga, o vermelho era o símbolo da boa sorte. Na
moderna, foi associado à luta e ao sangue do povo.
"O roxo, no Brasil, era ligado à morte, por causa da religião
católica e da Quaresma. Porém, as novas gerações já não fazem mais essa
ligação", explica Paula. A mudança natural de hábitos e padrões faz com
que a indústria também se modifique. Hoje, há um refrigerante com zero
caloria vendido em latas pretas e vermelhas, antes destinadas apenas a
inseticidas. E o azul, que não era usado nas embalagens de alimentos,
porque na natureza não há alimentos com essa cor, foi incorporado,
recentemente, sobretudo nos laticínios.
Psicologia da cor
O psicólogo clínico paulista Paulo Félix, presidente da Associação
Pró- Cor do Brasil, recomenda para o tratamento dos seus pacientes,
entre outros métodos, o jogo na caixa de areia na abordagem da
psicologia gestalt, baseado na teoria da percepção de cores e formas.
Por meio da cor e sua associação com figuras e objetos, ele induz os
pacientes a expressar emoções e sentimentos. "São associações sutis,
pois a cor está diretamente ligada à personalidade", assegura.
Como sua primeira formação foi como químico, Félix trabalhou vários
anos na indústria têxtil, estudando e desenvolvendo cores para tecidos e
estampas. Segundo ele, um detalhe como uma sola vermelha num sapato
preto feminino produz toda uma conotação de sofisticação e elegância.
Entretanto, uma mesma cor pode desencadear emoções diferentes: o verde,
por exemplo, tanto pode estar associado a gramados e bosques prazerosos
quanto a selvas impenetráveis e perigosas. "Alguém tímido ou deprimido
jamais vai usar cores fortes e vibrantes, a menos que queira,
conscientemente, camuflar esses sentimentos e passar uma imagem
diferente", garante.
Embora a indústria da moda imponha determinadas cores em suas
coleções, nem sempre elas fazem sucesso e correm até o risco de ser
rejeitadas se não for feito um estudo prévio do seu impacto psicológico.
A rejeição pode estar ligada a fatores psicossociais e culturais, pois o
que funciona em um país pode não dar certo em outro.Na Europa,
especialmente na Inglaterra, os consumidores atualmente tendem a
boicotar roupas feitas com tecidos que foram tingidos com pigmentos
nocivos aos seres humanos e ao meio ambiente
Sensação
A impressão imediata causada por uma cor corresponde ao grau de
excitação das redes neurais nas terminações nervosas da retina do olho
humano, proporcional à magnitude da cor como estímulo eletromagnético.
Associação
A sensação da cor provoca uma reação emocional. A nomeação dessa
emoção é possível dependendo do grau de atenção, de vivências emocionais
anteriores, da memória e dos recursos linguísticos da pessoa.
Representação O conjunto das opiniões e sensações comuns produzido
pela maioria das pessoas sobre o significado de determinadas cores.
Impressões subjetivas
A preferência por determinadas cores pode sinalizar traços de personalidade e aspectos inconscientes.
BRANCO
Sensação: luz-espaço Associação: neve, clara de ovo, papel, arroz,
vestido de noiva Representação: paz, harmonia, pureza, limpeza
Impressão subjetiva: inibição dos impulsos, bloqueios, perturbação
VERDE
Sensação: frescor Associação: relva, mata, ar puro Representação: paisagens naturais, palmeiras, duendes, liberdade, abertura
Impressão subjetiva: angústia, autocontrole
VERMELHO
Sensação: euforia, exaltação, calor
Associação: sangue, boca, maçã, morango, pimenta, Ferrari, Papai- Noel
Representação: perigo, desejo, força, paixão, fogo, sexo Impressão subjetiva: agitação, impulsividade, agressividade
LARANJA
Sensação: vigor, vitalidade, fulgor, intensidade
Associação: outono, laranja, girassol, cenoura, gema de ovo, Dia das Bruxas
Representação: poder, exuberância, calor, ingenuidade
Impressão subjetiva: criatividade, entusiasmo, inquietude
AMARELO
Sensação: vitalidade, brilho, luminosidade
Associação: ouro, sol Representação: prazer, riqueza, Brasil
Impressão subjetiva: alegria, disposição, ambição, medo
PRETO
Sensação: escuridão-espaço Associação: noite, ébano, carvão
Representação: morte, noite, sombra, autoridade, vazio, sofisticação
Impressão subjetiva: tristeza, melancolia, depressão
AZUL
Sensação: frio, imensidão
Associação: céu, firmamento,
mar
Representação: magnitude,
dignidade, beleza
Impressão subjetiva:
supercontrole, negativismo
ROXO
Sensação: suavidade,
profundidade
Associação: violeta, ametista
Representação: magia, luxo,
esoterismo
Impressão subjetiva: inquietação,
intuição, profundidade,
labilidade afetiva, introversão
Fonte: lista adaptada por Paulo Félix a partir do original Color Psychology and Color Therapy, de Faber Birren (McGraw-Hill).
Ambientes e contrastes
A arquiteta e urbanista Lilian Ried Miller Barros criou o espaço
Universo da Cor, em São Paulo, para agregar pesquisadores e
profissionais interessados na discussão de questões que envolvem o
conhecimento consistente da cor. Segundo ela, não se pode analisar
apenas a influência isolada de cada cor, mas a composição do cenário
como um todo num determinado ambiente, especialmente suas nuances e
contrastes. "Ambientes com fortes contrastes entre as cores nos deixam
mais despertos e alertas, enquanto contrastes suaves nos provocam a
sensação de relaxamento", afirma.
O azul, por exemplo, é uma cor fria que tranquiliza, mas também pode
ser impactante, pois se estiver num espaço onde todas as cores são
quentes, chamará a atenção. Além disso, há padrões que não mais se
sustentam. Hoje, as casas de saúde procuram imitar hotéis, para se
tornar menos frias e impessoais, e o famoso verde-hospital deixou de ser
a cor predominante, embora possua reconhecidas propriedades calmantes e
terapêuticas.
Outra questão importante é como a textura dos objetos influencia na
percepção da cor: uma cor fria numa textura rústica pode denotar uma
sensação de conforto, utilizável para tornar os ambientes mais
aconchegantes. Lilian Barros, que realizou vários projetos de
ambientação para redes de bancos e empresas, afirma que a tendência
atual é as pessoas trabalharem em grandes espaços. Por isso, é preciso
saber usar as cores para criar uma identidade visual adequada, a fim de
que todos possam se situar e se orientar no ambiente. A arquiteta usa
elementos da flora e da fauna brasileira para criar padrões com cores
diferenciadas.
Cela para durões
Em 1978, o psicólogo norte-americano Alexander G. Schauss conduziu
experiências com um determinado tom de rosa e seus efeitos no
comportamento humano. Essa cor rosa, batizada de Baker-Miller Pink,
segundo ele, possuía propriedades calmantes e diminuía o apetite. Em
1979, a Marinha dos Estados Unidos testou a cor em celas especiais do
centro correcional em Seattle, chegando à conclusão de que os detentos
ficavam mais calmos com apenas 15 minutos de exposição. Décadas depois,
algumas penitenciárias adotaram a cela cor-de-rosa, como a State
Correctional Institution, de Rockview (foto), onde as celas para
confinamento solitário são conhecidas como Restricted Housing Unit. A
finalidade é tranquilizar prisioneiros agressivos e desordeiros. Mas o
uso das celas também causa polêmica, pois, na opinião de alguns
advogados, trancafiar presos em celas cor-de-rosa equivaleria a uma
tortura psicológica. Quartos pintados com essa cor especial também são
usados em clínicas psiquiátricas com igual finalidade. Numa pesquisa
realizada no México, dois vestiários de times de futebol foram pintados
de maneira distinta: um com cores estimulantes e outro com tons
tranquilizantes. Em geral, as equipes do vestiário com cores
estimulantes faziam o primeiro gol das partidas.
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