A Caça (Jagten) – Dinamarca, Suécia, 2012 Direção: Thomas Vintenberg Roteiro: Tobias Lindholm, Thomas Vinterberg Elenco: Mads Mikkelsen (Lucas), Thomas Bo Larsen (pai de Clara), Annika Wedderkopp (Klara), Lasse Fogelstrøm (Marcus filho de Lucas), Susse Wold, Anne Louise Hassing, Lars Ranthe, Alexandra Rapaport, Sebastian Bull Sarning, Steen Ordell Guldbrand Jensen, Daniel Engstrup. Duração: 115 min.
Sinopse:
Lucas (Mads Mikkelsen) trabalha em uma creche. Simpático e amigo de todos, ele tenta reconstruir a vida após um divórcio complicado, no qual perdeu a guarda do filho. Tudo corre bem até que, um dia, a pequena Klara (Annika Wedderkopp), de apenas cinco anos, diz à diretora da creche que Lucas lhe mostrou suas partes íntimas. Klara na verdade não tem noção do que está dizendo, apenas quer se vingar por se sentir rejeitada em uma paixão infantil que nutre por Lucas. A acusação logo faz com que ele seja afastado do trabalho e, mesmo sem que haja algum tipo de comprovação, seja perseguido pelos habitantes da cidade em que vive.”
Lucas (Mads Mikkelsen) trabalha em uma creche. Simpático e amigo de todos, ele tenta reconstruir a vida após um divórcio complicado, no qual perdeu a guarda do filho. Tudo corre bem até que, um dia, a pequena Klara (Annika Wedderkopp), de apenas cinco anos, diz à diretora da creche que Lucas lhe mostrou suas partes íntimas. Klara na verdade não tem noção do que está dizendo, apenas quer se vingar por se sentir rejeitada em uma paixão infantil que nutre por Lucas. A acusação logo faz com que ele seja afastado do trabalho e, mesmo sem que haja algum tipo de comprovação, seja perseguido pelos habitantes da cidade em que vive.”
A caça, vencedor da Palma de Ouro em Cannes foi um dos candidatos a melhor filme estrangeiro no Oscar 2014 (perdeu para o magnífico A grande beleza). Dirigido pelo dinamarquês Thomas Vinterberg (o mesmo do clássico Festa em família, que marcou o início do movimento Dogma 95), o filme conta a dramática história de Lucas. Interpretado pelo ator Mads Mikkelsen, que atualmente vive o protagonista da série Hannibal, Lucas tenta reconstruir sua vida após um complicado divórcio, no qual perdeu a guarda de seu único filho.
O tema da calúnia sobre um abuso sexual surge a
partir de boas premissas, mas com desenvolvimento incompleto, especialmente no
desfecho. Em pauta: a mentira infantil, julgamento social e
relações familiares.
A Caça tem a
curiosidade de tratar do delicado tema da denúncia de abuso sexual na infância, 14 anos depois do mesmo cineasta ter assinado um filme (Festa de Família)
no qual filhos adultos denunciavam que, no passado, o pai havia de fato
cometido esse crime – sendo que desta vez, ao contrário, o espectador sabe que
o homem acusado não fez nada do que é dito sobre ele.
Na trama, um
professor de jardim da infância Lucas (Mads Mikkelsen) é adorado pela
população da pequena cidade em que vive. Participa dos grupos de caça (uma
tradição local), é apoiado durante seu divórcio e tem amigos leais. Lucas é corajoso, amável e generoso. O filme
mostra isso desde o início porque começa com alguém se afogando num lago
gelado, onde um grupo de homens mergulhou por prazer. Ele se atira de roupa e
tudo e traz o amigo, que para mim ou é o verdadeiro abusador ou o primeiro a abusar da filha ("Lobisomen) alcoólatra e ébrio habitual que mora na casa 11.
Mas Lucas é também um homem atraente, apesar de já
não ser tão jovem, e é o único macho que trabalha numa escolinha para crianças
pequenas, que o adoram. Está separado da mulher, que não o valoriza e tem
saudades do filho, de quem não tem a guarda. Começa um namoro com uma moça
estrangeira que também trabalha na escola.
Mas quando
Klara (Annika Wedderkopp), uma menina de 8 anos, filha de seu melhor
amigo, confunde seus sentimentos pelo professor e tenta beijar-lhe, o homem
pacientemente explica que isso só se faz entre "mamães e papais" e
que ela deveria dar atenção aos meninos de sua idade. Mas Klara, confusa,
resolve repetir à diretora da escolinha uma frase que ouviu dos irmãos - algo
que coloca a cidade inteira contra o professor, que é acusado gravemente de ter
abusado sexualmente da criança.
O pano de
fundo é o processo de estigmatização pelo qual passa o professor. O estigma
após a acusação é uma maldição eterna. A dúvida, que geralmente faz parte das
relações humanas, certamente é bem maior em casos assim, e por mais que não
tenha feito nada, o próprio acusado se estigmatiza, achando-se uma caça em meio
à matilha social. O bom é que ninguém pensa no processo de estigmatização da
própria menina, como no caso da namora de Walter, Vick, no filme o Lenhador,
que foi estuprada pelos irmãos.
O diretor Thomas Vinterberg e seu co-roteirista Tobias Lindholm parecem
ter tido alguma sensibilidade para expor, sem ênfases excessivas, um pano de
fundo propício para tal denúncia surgir na boca de uma criança de ar angelical:
seus pais discutem muito, ela parece solitária, “foge de casa” com frequência,
tem traços de uma neurose infantil (comuns na idade, mas que parecem
exacerbados) no sentido de não pisar de jeito nenhum em riscos das calçadas ou
dos pavimentos em geral, e tem acesso a uma cena pornográfica vista no tablet
do irmão adolescente (e escuta um comentário do rapazola sobre o que ela viu –
e que ela vai repetir). Paralelamente a este ambiente emocional pouco acolhedor,
ela desenvolve uma relação mais intensa de afeto com ‘Lucas’, um homem
recém-divorciado que trabalha na escola (jardim de infância) que a menina
frequenta, sendo ele um amigo bem próximo da família. Dá para suspeitar que
houve até uma certa instrução e instrumentação “psicanalítica” na exposição
desses elementos prévios ao desencadear do drama. Ela faz supor um certo afastamento do pai. Por que?!
O roteirista poderia usar do fato de Lucas estar recém-divorciado para mencionar que ele está vivendo só e que nem tinha computador no momento, deixando uma certa inverossimilhança no andamento das investigações agravada.
O roteirista poderia usar do fato de Lucas estar recém-divorciado para mencionar que ele está vivendo só e que nem tinha computador no momento, deixando uma certa inverossimilhança no andamento das investigações agravada.
O filme é uma crônica sobre o convívio em sociedade. Mesmo em uma pequena comunidade no interior da Dinamarca, o irmão
adolescente da menininha tem um tablet onde ela viu o pênis "apontando
para cima" "como um poste" - como o rapazinho comenta, expressão esta que a menina vai
repetir como sendo o modo em que viu o "pipi" de Lucas. Ora, hoje em dia
seria raríssimo que algum pedófilo passasse à ação propriamente dita
sem entrar na internet antes - e muitas vezes - para acessar cenas de
pedofilia. Mas o enredo não procura justificar porque, em uma
investigação de pedofilia, ninguém foi investigar o computador de Lucas.
Ele tem a seu favor apenas o apoio de um amigo e tão somente os relatos incongruentes das
demais crianças - pois inúmeras acusações surgem em uma onda de histeria
coletiva de outros pais e que passam a induzir em seus filhos relatos
semelhantes sobre a suposta conduta perversa do "caluniado": as crianças
mencionam um porão onde teriam sido abusadas - sem que haja porão na
casa de Lucas.
Por outro lado, para estabelecer o clima de “caça” ao acusado, o roteiro coloca na boca dos demais adultos - que acreditam na acusação que a menina fez, ou tentam fazer parecer isso - a crença de que “criança não mente”, partindo da premissa que a criança só poderia dizer que ‘Lucas’ lhe “mostrou o pipi apontando para cima” se isto tivesse acontecido de fato, mesmo por que o filem deixa bem claro é que a menina viu o pinto do professor pelo tablet do irmão. Ou seja, a sexualidade infantil mencionada por Freud em 1905 é totalmente ignorada, assim como a “linguagem da ternura” própria da infância, como categorizou Sandor Ferenczi (um dos mais destacados discípulos contemporâneos de Freud) em um texto de 1933, "Confusão de línguas entre os adultos e a criança". “Ternura”, neste caso, deve ser entendida não como ausência de sexualidade, mas como uma modalidade bem anterior à sexualidade adulta, a qual se dará sob o primado das áreas genitais. O adulto, por não reconhecer tal ‘linguagem da ternura” da criança, pode tomar a criança como um igual, ou seja, experimenta a linguagem da ternura como uma de cunho sexual, de sedução de ordem genital; entende a criança na sua “linguagem da paixão” própria do adulto, gerando a tal “confusão” de linguagens. Ferenczi apontava que pode haver uma espécie de sedução por parte da criança sob a forma de brincadeiras correspondentes a um certo modo de organização sexual e psíquica pré-genitais, sendo que algo necessariamente excessivo e qualitativamente diferente poderia ser oferecido de volta à criança: a erotização e adultização precoce do corpo infantil imposta à organização psíquica da criança, e isto fica bem claro na cena em que o professor a encontra fora de casa ouvindo a discussões dos pais, quando ele a leva para escola.
Por os irmãos mostraram a foto do tablet com tanta naturalidade?! Ela já tinha visto antes, quando?!
Por outro lado, para estabelecer o clima de “caça” ao acusado, o roteiro coloca na boca dos demais adultos - que acreditam na acusação que a menina fez, ou tentam fazer parecer isso - a crença de que “criança não mente”, partindo da premissa que a criança só poderia dizer que ‘Lucas’ lhe “mostrou o pipi apontando para cima” se isto tivesse acontecido de fato, mesmo por que o filem deixa bem claro é que a menina viu o pinto do professor pelo tablet do irmão. Ou seja, a sexualidade infantil mencionada por Freud em 1905 é totalmente ignorada, assim como a “linguagem da ternura” própria da infância, como categorizou Sandor Ferenczi (um dos mais destacados discípulos contemporâneos de Freud) em um texto de 1933, "Confusão de línguas entre os adultos e a criança". “Ternura”, neste caso, deve ser entendida não como ausência de sexualidade, mas como uma modalidade bem anterior à sexualidade adulta, a qual se dará sob o primado das áreas genitais. O adulto, por não reconhecer tal ‘linguagem da ternura” da criança, pode tomar a criança como um igual, ou seja, experimenta a linguagem da ternura como uma de cunho sexual, de sedução de ordem genital; entende a criança na sua “linguagem da paixão” própria do adulto, gerando a tal “confusão” de linguagens. Ferenczi apontava que pode haver uma espécie de sedução por parte da criança sob a forma de brincadeiras correspondentes a um certo modo de organização sexual e psíquica pré-genitais, sendo que algo necessariamente excessivo e qualitativamente diferente poderia ser oferecido de volta à criança: a erotização e adultização precoce do corpo infantil imposta à organização psíquica da criança, e isto fica bem claro na cena em que o professor a encontra fora de casa ouvindo a discussões dos pais, quando ele a leva para escola.
No caso do filme, surge um beijo na boca que a menina dá em Lucas - e que é
criticado por ele, causando nela intensa decepção, frustração, raiva e
sentimento de rejeição por parte daquele que lhe parecia ser o único adulto de
quem recebia afeto e proteção estáveis. A decepção vai fazer com que ela mescle
o que já tinha em si mesmo uma aura de semi-“proibido” (o pênis ereto
entrevisto no tablet do irmão) como algo que ela passa a afirmar ter visto, na
realidade, no corpo de Lucas. Ou seja, ele teria - no mínimo - se exibido para
ela.
https://www.youtube.com/watch?v=c6Mt_6VN4xU
A sequência do beijo de Clara em Lucas.
[Jagten (The Hunt)] - Klara kissing Lukas
Naquela
mesma tarde, ao falar amenidades com a diretora da escola, Klara diz que odeia
Lucas, porque ele é tonto, feio, e tem um pênis.
A diretora ri e responde: “Assim como seu pai e seu
irmão e todos os homens.” E Klara: “É, mas o dele é levantado como um bastão”. A
gente percebe que ela está repetindo as palavras que ouviu do amigo do irmão
sobre o vídeo pornô, e vemos também que ela mente ao dizer que Lucas lhe deu um
coração.
O
que você faria no lugar da diretora? É necessário acreditar na menina, não é?
(se tem um filme em que você deve se imaginar na cabeça de cada personagem,
praticar empatia, e perguntar “O que eu faria, no caso?”, é este).
A diretora conta a
Lucas o mínimo possível: não fala pra ele exatamente do que foi acusado
nem por quem, o que torna qualquer chance de defesa muito difícil. Ela
chama um psicólogo para entrevistar Klara.
A menina estava fechada, não queria contar nada, como é frequente em casos de abuso.
Cena da "avaliação" psicológica.
Curzon World Exclusive: The Hunt clip
https://www.youtube.com/watch?v=zgRanfDqvzA&t=46s
O psicólogo se precipita, após o silêncio de Klara, e pergunta, “É verdade que você viu o pipi de Lucas?” Ela balança a cabeça, dizendo que não. Ele insiste, até que ela confirma o que ele quer ouvir. Por isso, é um trabalho complicado aquele do psicólogo que tem que avaliar um abuso sexual infantil. O profissional tem que acreditar na vítima mesmo quando ela nega ou silencia o abuso. Ao mesmo tempo, ele não pode ter certeza que o abuso ocorreu. E nem conduzir a criança para que ela responda o que ele quer (que é o que ocorre em A Caça).
No entanto, s diretora também é contaminada pelas atitudes inconsequentes do profissional recomendado para averiguar o caso, o psicólogo da escola. Temos, então, um exemplo equivocado de investigação. No lugar de aguardar o fenômeno se revelar, acompanhamos um processo indutivo por parte do profissional. Sim, infelizmente, o profissional induz a criança durante a entrevista. Na conversa, fica claro que ele parte do pressuposto de ter ocorrido o abuso, de que o professor é culpado, o equívoco profissional começa aí. A equivocada entrevista do profissional é o ponto de partida para o desdobramento da trama, nos colocando no lugar do acusado, que acaba por ser estigmatizado sem que haja provas suficientes.
Imagine se na situação do pai, você tem uma filha de
5 anos e ela estuda em uma ótima escola, que você escolheu e confia. Tudo vai
bem até que um dia a diretora dela chega e diz que um funcionário da escola lhe
mostrou o pênis. O que você faria? Provavelmente chamaria imediatamente a
polícia, entraria em contato com as autoridades locais e faria o que mais fosse
necessário para punir o pedófilo abusador. Por que então o pai dela não fez isto e ainda tentou dar um chance ao "ex-amigo"?
Mas e se sua filha, que você julga inocente e pura, tivesse dito a você que mentiu, que foi só uma mentirinha uma fantasia da mente dela e que o problema é que os outros meninos tinha espalhado a noticia? Que impacto você acha que esta acusação teria na vida do "inocente" funcionário? Pois este é exatamente o mote do filme.
Mas não há, na fala de Klara, qualquer conotação sexual. Na verdade ela nem parece saber direito o que disse - muito menos o impacto de sua declaração na vida do inocente Lucas.
Klara na verdade não tem noção do que estava
dizendo, apenas queria se vingar por se sentir rejeitada em uma paixão infantil
que nutre por Lucas. A acusação logo faz com que ele seja afastado do trabalho
e, mesmo sem que haja algum tipo de comprovação, seja perseguido pelos
habitantes da cidade em que vive.
O problema de Clara com as linhas (Com certeza esse problema derivou ou da relAção dela com o pai, com ou com ambos)
Jagten - Klara and the lines (Primeira Sequência)
Jagten - Klara and the lines (Última Cena)
O Problema na atitude da professora
Num primeiro momento, a diretora da creche, antes de tomar providências mais sérias e avisar os pais, tenta averiguar, de forma superficial, a veracidade da declaração de Klara. O que eu não entendi neste momento foi por que a diretora não acareou Clara como o professor, afinal de contas isto é padrão. Mesmo assim, ela chamou psicólogo para conversar com a garota. Esta conversa foi um perfeito exemplo de como não se deve entrevistar uma criança com suspeita de ter sido abusada. O primeiro grande equívoco é partir do pressuposto que houve o abuso e de que o sujeito é culpado. O segundo é a noção implícita de que "crianças não mentem". Depois foram feitas perguntas fechadas que acabaram gerando o "reflexo" nas respostas positivas que agradaram o entrevistador. Por exemplo, a reação básica de muitas crianças diante da pergunta "Ele encostou em você de um jeito errado, não foi?" é dizer "sim". Da mesma forma, a pergunta utilizada pelo psicólogo no filme é altamente tendenciosa: "É verdade que você viu o pipi de Lucas?”. Por que ele não perguntou onde e quando? Curiosamente, ao ouvir essa pergunta Klara balança a cabeça dizendo que não, mas, diante da insistência do profissional, a menina acaba confirmando por indução É por equívocos como esse que é recomendada a realização de perguntas abertas (do tipo "como tal coisa aconteceu?" ou "descreva como foi aquele dia"), que não conduzam a criança à resposta "desejada". Outras técnicas, como desenhos e atividades lúdicas em geral, também podem ajudar no processo de investigação. De toda a forma, a possibilidade de erro - ou seja, de que a pessoa acusada seja inocente - não pode ser descartada. Nunca. Isto não significa desacreditar a vítima, mas entender que as pessoas em geral, e especialmente crianças, podem fantasiar situações.
Num primeiro momento, a diretora da creche, antes de tomar providências mais sérias e avisar os pais, tenta averiguar, de forma superficial, a veracidade da declaração de Klara. O que eu não entendi neste momento foi por que a diretora não acareou Clara como o professor, afinal de contas isto é padrão. Mesmo assim, ela chamou psicólogo para conversar com a garota. Esta conversa foi um perfeito exemplo de como não se deve entrevistar uma criança com suspeita de ter sido abusada. O primeiro grande equívoco é partir do pressuposto que houve o abuso e de que o sujeito é culpado. O segundo é a noção implícita de que "crianças não mentem". Depois foram feitas perguntas fechadas que acabaram gerando o "reflexo" nas respostas positivas que agradaram o entrevistador. Por exemplo, a reação básica de muitas crianças diante da pergunta "Ele encostou em você de um jeito errado, não foi?" é dizer "sim". Da mesma forma, a pergunta utilizada pelo psicólogo no filme é altamente tendenciosa: "É verdade que você viu o pipi de Lucas?”. Por que ele não perguntou onde e quando? Curiosamente, ao ouvir essa pergunta Klara balança a cabeça dizendo que não, mas, diante da insistência do profissional, a menina acaba confirmando por indução É por equívocos como esse que é recomendada a realização de perguntas abertas (do tipo "como tal coisa aconteceu?" ou "descreva como foi aquele dia"), que não conduzam a criança à resposta "desejada". Outras técnicas, como desenhos e atividades lúdicas em geral, também podem ajudar no processo de investigação. De toda a forma, a possibilidade de erro - ou seja, de que a pessoa acusada seja inocente - não pode ser descartada. Nunca. Isto não significa desacreditar a vítima, mas entender que as pessoas em geral, e especialmente crianças, podem fantasiar situações.
Entrevista realizada em sexta-feira, 8 de julho de 2016
Psicologia dos Psicólogos: Resenha do filme "A caça"
http://psicologiadospsicologos.blogspot.com.br/2014/08/resenha-do-filme-caca.html
Segundo a psicóloga Glícia Barbosa de Mattos
Brazil, que trabalha no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cerca de
80% das denúncias de abuso sexual com crianças são falsas. Como afirmou
para esta reportagem, "na maioria dos casos, a
mãe está recém-separada e denuncia o pai para restringir as visitas — conta
Glícia, responsável por entrevistar as famílias e as crianças para tentar
descobrir a verdade. A especialista explica que a invenção muitas vezes é
discreta. O adulto denunciante vai convencendo a criança aos poucos de que a
agressão realmente aconteceu". Na mesma direção, o psicólogo Lindomar
Darós, da Vara da Infância e Adolescência de São Gonçalo, afirma que cerca de
50% dos registros de abuso sexual são forjados. Segundo ele, "quando a
criança é muito pequena, tem dificuldade para diferenciar a fantasia da realidade.
Se repetem que sofreu o abuso, aquilo acaba virando uma verdade para ela".
Desta forma, o que à uma primeira vista pode parecer um caso de abuso sexual,
na verdade se trata de um caso de alienação
parental. Diferenciar as duas coisas é fundamental,
embora não seja nada simples. Isto porque determinar a "verdade"
implica em tentar separar o que é verdade para a criança - e muitas vezes a
criança realmente constrói uma lembrança vívida do que teria acontecido (o que
Freud chamou de "realidade
psíquica") - e qual a verdade factual, ou seja, o que
de fato aconteceu ou não aconteceu. Se em situações cotidianas já é difícil,
quiçá impossível, separar "memórias verdadeiras" de "falsas
memórias" (como diz o protagonista do filme Ela,
"o passado é só uma história que contamos a nós mesmos"), imagine em
casos nos quais esta separação possui implicações legais?
É importante lembrar aqui a cena em que Clara está dormindo e ela confunde a imagem do pai com a de Lucas. A quem clara faz referência quando ela diz que o problema são os outros?
É importante lembrar aqui a cena em que Clara está dormindo e ela confunde a imagem do pai com a de Lucas. A quem clara faz referência quando ela diz que o problema são os outros?
Lucas passa por episódios de
humilhações e agressões dentro do supermercado e pela cidade. A cachorra Fanny
é assassinada pelos antigos colegas e Lucas pede para que o filho retorne para
a casa da mãe, a fim de evitar mais problemas.
Sequência no Supermercado
The Hunt (Jagten) - Supermarket Scene
Não digo que tal equívoco ocorre na maioria dos
casos mas, definitivamente, é algo que não pode ser desconsiderado,
especialmente em função do profundo impacto que tal acusação pode gerar na vida
do acusado e da abusada. Na verdade usualmente pouco importa se o sujeito realmente cometeu
o abuso ou não.
A mera acusação já é suficiente para estigmatizá-lo - e penso aqui estigma seguindo a conceituação do sociólogo Erving Goffman em seu clássico livro Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada: como um atributo que marca negativamente o sujeito que o possui perante a sociedade (isto vale tanto para atributos físicos quanto comportamentais e culturais). No filme, após "confessar" ter sido abusada por Lucas, Klara, em vários momentos, nega o abuso, mas aí ninguém mais acredita nela. Sua negação é interpretada como negação do problema. Ou seja, a partir do momento que o sujeito passa a ser visto como um pedófilo abusador (e a criança como vítima), torna-se praticamente impossível reverter tal visão perante sua comunidade. E as consequências, no filme e na vida real, são aterradoras: no filme Lucas é demitido da Escola, isolado das pessoas com que se relacionava e ainda sofre violências de todo tipo – e é curioso também como o estigma de Lucas é, de certa forma, transferido ao seu filho, que passa a sofrer as consequências da falsa acusação sofrida pelo pai.
E não é por outro motivo que existem inúmeras associações e grupos em todo o mundo voltados para o apoio a pessoas falsamente acusadas. No Brasil, a Associação de Vítimas de Falsas denúncias de abuso sexual (AVFDAS) foi criada justamente para auxiliar e dar apoio a sujeitos equivocadamente tachados de abusadores. Afinal, o impacto de tal estigma é devastador - basta lembrarmos do caso da Escola Base, em que os proprietários foram injustamente acusados de abusar sexualmente de alguns alunos. Por tudo isso considero fundamental uma avaliação profunda de cada caso. Isto não significa, volto a repetir, duvidar ou negar auxilio à suposta vítima, mas a levar em consideração um princípio básico de direitos humanos: a presunção de inocência. Do contrário corremos o risco de transformar um suposto caçador em caça, como ocorre no magnífico e perturbador filme de Thomas Vinterberg.
A mera acusação já é suficiente para estigmatizá-lo - e penso aqui estigma seguindo a conceituação do sociólogo Erving Goffman em seu clássico livro Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada: como um atributo que marca negativamente o sujeito que o possui perante a sociedade (isto vale tanto para atributos físicos quanto comportamentais e culturais). No filme, após "confessar" ter sido abusada por Lucas, Klara, em vários momentos, nega o abuso, mas aí ninguém mais acredita nela. Sua negação é interpretada como negação do problema. Ou seja, a partir do momento que o sujeito passa a ser visto como um pedófilo abusador (e a criança como vítima), torna-se praticamente impossível reverter tal visão perante sua comunidade. E as consequências, no filme e na vida real, são aterradoras: no filme Lucas é demitido da Escola, isolado das pessoas com que se relacionava e ainda sofre violências de todo tipo – e é curioso também como o estigma de Lucas é, de certa forma, transferido ao seu filho, que passa a sofrer as consequências da falsa acusação sofrida pelo pai.
E não é por outro motivo que existem inúmeras associações e grupos em todo o mundo voltados para o apoio a pessoas falsamente acusadas. No Brasil, a Associação de Vítimas de Falsas denúncias de abuso sexual (AVFDAS) foi criada justamente para auxiliar e dar apoio a sujeitos equivocadamente tachados de abusadores. Afinal, o impacto de tal estigma é devastador - basta lembrarmos do caso da Escola Base, em que os proprietários foram injustamente acusados de abusar sexualmente de alguns alunos. Por tudo isso considero fundamental uma avaliação profunda de cada caso. Isto não significa, volto a repetir, duvidar ou negar auxilio à suposta vítima, mas a levar em consideração um princípio básico de direitos humanos: a presunção de inocência. Do contrário corremos o risco de transformar um suposto caçador em caça, como ocorre no magnífico e perturbador filme de Thomas Vinterberg.
Seqência em que mesmo ouvindo a discussão do pai com Lucas, ela ainda o trata bem - é bem final da sequência, é visível a irritação do pai com a conduta da filha. por que?!
The Hunt CLIP - Why Would She Lie? (2013) - Mads Mikkelsen Movie HD
https://www.youtube.com/watch?v=TVYNv07YI1g
Difícil, angustiante, porque não dizer,
dilacerante. Difícil ser imparcial num processo
semelhante, que pode promover reações imprevisíveis. A trama foca numa acusação
inocente, sem bases consistentes, mas é o suficiente para marcar a vida do
acusado e despertar reações psicológicas, físicas e emocionais incontroláveis
em seu entorno. Sim, é doloroso se colocar no lugar do professor acusado
injustamente. É impressionante assistir o processo que transforma a sua vida,
sem que isso afete a sua forma doce de lidar com as crianças, mesmo em relação
àquela que foi fonte de seu sofrimento. Se, por um lado temos uma pessoa
acusada injustamente, por outro, temos pessoas reagindo à possibilidade de um
fato grotesco, a pedofilia. Inimaginável se colocar no lugar dos pais em
situação semelhante.
Se por um lado, o filme apresenta um exemplo equivocado de entrevista psicológica, por outro, nos abre a oportunidade de auxílio ao acusado, permitindo outra perspectiva.
Se por um lado, o filme apresenta um exemplo equivocado de entrevista psicológica, por outro, nos abre a oportunidade de auxílio ao acusado, permitindo outra perspectiva.
Em
Gestalt-terapia é primordial uma atitude fenomenológica, ou seja, o foco é o
fenômeno que se revela. Para focalizar o que está ali presente, se revelando no
contato, na relação, é necessário lidar com o novo como “novo”, sem a priori.
As perguntas fechadas, baseadas em suposições a priori, acabam gerando
respostas que vão de encontro com as ideias do entrevistador. Assim ocorre o
processo equivocado de encontro entre o psicólogo e a criança, induzindo o erro
de avaliação que se amplia, contaminando todo entorno. Devemos salientar a
importância de discutirmos o assunto mais profundamente. A pedofilia se torna
um assunto intragável não só por sua possibilidade real, mas por conta do sexo
ser ainda um tabu, que é pouco discutido em sociedade. O que é dito em relação
a sexualidade é ainda cercado por fantasias, pouco é discutido com a seriedade
necessária. A
dificuldade de lidar com assunto acaba contaminando a análise do filme, que é acrescido de
inúmeras interpretações que podem ou não correspondem ao fato. Além disso, a violência
nas reações acaba chamando atenção para um olhar negativo sobre o que pode nem
ter acontecido, mas o sexo pode ficar contaminado com essa perspectiva
negativa. Para analista, muitas vezes é necessário ir além dos fatos, e
trabalhar a família, no sentido de abrir espaço para trocas saudáveis sobre
sexo, promovendo melhor diálogo em família. Livros infantis sobre o assunto,
como PIPO E FIFI: Prevenção da violência sexual na infância, podem ser lidos para crianças a
partir dos 6 anos o que ajudará na escuta. No entanto, antes disso, é preciso que os pais fiquem à
vontade para falar com naturalidade sobre o tema com as crianças. O fato é mais comum do
que se imagina, estigmatizando pessoas ao longo da história tanto abusadores como abusadas.
Sequência final, onde Lucas quase leva um tiro.
Sequência final, onde Lucas quase leva um tiro.
Quem deu o tiro e por que?!
Cena final.
Die Jagd / Jagten / The Hunt Ending Scene
A interpretação de Mads Mikkelsen (de “O Amante da
Rainha”) é extraordinária, com nuances de expressão faciais perfeitas. Mereceu
o prêmio que ganhou como melhor ator em Cannes no ano passado.
“A Caça” é um filme que toca a todos nós. Quem
nunca jogou a primeira pedra? Vinterberg conduz seu filme com sobriedade, sem
maniqueísmos e mostrando com clareza do que é capaz a natureza humana.
Pedofilia é tabu. Crime punido severamente não só
pela lei mas também pelos próprios membros da comunidade onde acontece. No
Brasil sabemos a triste sorte dessas crianças, principalmente na região Norte
“A Caça”é um filme magnífico e perturbador que
mexe com nossas certezas e para alguns, cutuca a ferida e as próprias cicatrizes.
A ultima sequencia do filme
The Hunt (Jagten) - Final scene
Mas vamos a algumas questões
O que levou Lucas a entrar na igreja e agredir o pai de Clara e ele se resignar?!
Para mim é muito óbvio que ou o pai é o abusador ou o primeiro abusador, um lobisomen clássico dos cinemas.
Sequência logo no início do filme em a cachorra Fanny estranha o "lobisomem" pai de Clara
Klip fra Jagten: Fanny
https://www.youtube.com/watch?v=doB1K2VHXnU
Sequência da embriaguez do Lobisomem
Cena em que o "lobisomem", pai de Clara, a luazinha, recebe Lucas normalmente em sua casa para discutir ou acertar o "problema".
Film Trailer: Jagten / The Hunt
https://www.youtube.com/watch?v=Gw_NsNFyEdg
Por que toda a comunidade passa agir como se nada tivesse acontecido? E a menina? Seria apenas um jogo comum para aquela realidade, um ritual de passagem!?
Cena em que o irmão dela chora e tudo começa a "voltar ao normal"!
Referências
A Caça (2012) – Wikipédia, a enciclopédia livre.