terça-feira, 25 de julho de 2017

A Estrutura do Parentesco - A proibição do incesto é a própria cultura




A proibição do incesto é a própria cultura

Distintos intelectuais desenvolveram explicações para a proibição do incesto, explicações das quais pode-se dividir em três tipos:
O primeiro tipo procura manter a dualidade do caráter da proibição (separando natureza e cultura). A proibição seria uma forma de proteger os homens do caráter nefasto do casamento consanguíneo. Mas é prova científica que do ponto de vista da hereditariedade, "as proibições de casamento não parecem justificadas." Esta é uma visão instrumental: a cultura seria entendida como uma solução da sociedade para os problemas da natureza.
O segundo tipo de explicação elimina o termo cultura e explica a proibição pelo seu caráter natural: o homem teria horror instintivo ao incesto. A crítica a esta explicação reside no fato de que se isso fosse realmente instintivo, não haveria necessidade da proibição. Mas a proibição é uma regra social, embora universal.
As explicações do terceiro tipo também eliminam um termo, a natureza. A proibição seria uma regra social, puramente, e o caráter fisiológico seria apenas um aspecto acidental. Articulando o incesto ao totemismo, a proibição seria assim um vestígio da regra da exogamia. Levi-Strauss afirma que uma explicação histórica não esgota o problema. Portanto, o terceiro tipo de explicação é vago.
Em busca das razões pelas quais o incesto tem sido tão veemente e extensivamente condenado, os cientistas sociais têm sugerido as mais diversas explicações. A proposta de Lévi-Strauss, a de que a proibição do incesto é universalmente imposta a fim de estabelecer a "troca de mulheres entre homens" – condição indispensável à instituição do matrimônio, da família, do parentesco e da própria vida social –, causou um grande impacto no contexto da reflexão antropológica, além de ter uma repercussão expressiva em outras áreas do saber.
O problema do incesto não reside em provar quais configurações históricas levaram a tais ou quais modos de instituições de sociedades em particular, mas sim que causa profunda faz com que todas as sociedades em todos os lugares e tempos regulem as relações entre os sexos (este é um olhar sincrônico sobre o problema). A proibição do incesto é a única regra que assegura o domínio da cultura sobre a natureza. É ao mesmo tempo "o passo dado da natureza e da cultura. A proibição do incesto é o vínculo que une as duas. Sem ela a cultura ainda não está dada; com ela a natureza deixa de existir como um reino soberano."
No capítulo três, destaca-se que a proibição do incesto exprime a passagem dos fato natural da consanguinidade ao fato cultural da aliança. A cultura se inclina diante da fatalidade da herança biológica. Mas a cultura torna-se consciente de seus direitos diante do fenômeno da aliança. A partir de então a natureza não vai mais a diante. A natureza tem indiferença na modalidade das relações entre os sexos. A natureza impõe a aliança sem determiná-la. A cultura recebe este fato e imediatamente define a modalidade - a natureza deixa a aliança ao acaso, a cultura dá as regras.
A proibição do incesto é sem dúvida um fenômeno universal. Não há sociedade alguma em que não haja uma norma que interdite o casamento entre pessoas situadas em um determinado grau de parentesco. As pretensas exceções a essa condenação unânime ao incesto, a do casamento de irmãos nas famílias reais do Egito Antigo a Roma, dos esquimós aos polinésio melanésio, não devem ser tomadas como um indício da inexistência, entre eles, da noção de incesto e de sua proibição, mas apenas da adoção de uma forma diversa de classificar as relações que se enquadram nessa categoria. A constatação de que as relações incestuosas têm sido consideradas, nas mais diferentes épocas e lugares, como intrinsecamente perniciosas, condenáveis, não significa a universalidade de sua observância. Psicanalistas, sacerdotes, médicos e educadores sabem muito bem que as transgressões à proibição do incesto são uma realidade bem mais frequente do que geralmente se imagina.
Uma das explicações mais comuns quanto à universalidade da proibição do incesto segue uma crença muito difundida entre nós, a de que o incesto foi proibido a fim de proteger a espécie humana das consequências genéticas nefastas do casamento entre parentes próximos. A fragilidade desse tipo de explicação, aparentemente sólida e inquestionável, deve-se ao fato de ela não levar em conta um fator inegável: o de que é sobre as relação de parentesco, e não sobre as relações de consangüinidade, que a proibição do incesto se constitui.3 A prevalência dos laços de parentesco sobre os de consangüinidade, na instituição da proibição do incesto, aparece claramente em sociedades cujo sistema de parentesco é unilinear. Com efeito, nessas sociedades a relação tida como incestuosa atinge certos parentes, os primos paralelos (filhos de irmãos do mesmo sexo), que, do ponto de vista da consangüinidade, são idênticos aos primos cruzados (filhos de irmãos de sexo diferente), sobre cujo relacionamento não há nenhuma interdição, uma vez que, de acordo com o sistema unilinear, eles não são parentes entre si, já que cada um deles pertence a um grupo de parentesco diferente.
Uma outra explicação fundamenta-se na idéia de que haveria um horror natural ao incesto, devido a fatores genéticos ou a tendências psíquicas ligadas “ao papel negativo dos hábitos cotidianos sobre a excitabilidade erótica” (LÉVI-STRAUSS. 1976a:57). Como contestação a esse tipo de explicação, basta considerar que, se houvesse um horror natural ao incesto e a consequente falta de desejo de praticá-lo, não seria preciso proibi-lo, pois seria uma alta falta de escrúpulos, mas só se proíbe aquilo que se deseja. Além disso, as constantes violações da proibição são uma prova suplementar de que não há nenhum horror instintivo a esse tipo de relação. É preciso observar também que se o incesto é interdito socialmente é porque ele ameaça, de alguma forma, a ordem social.
Nada existe na irmã, na mãe, nem na filha que as desqualifique enquanto tais. O incesto é socialmente absurdo antes de ser moralmente condenável” (LÉVI-STRAUSS. 1976:526)
Levi Strauss abandona qualquer espécie de explicação substantiva, a cerca do “desordenamento social” – ligada à existência ou não de alguma coisa intrínseca às pessoas, cuja relação é interdita como incestuosa, que justifique a proibição do casamento entre elas - e adota uma abordagem estruturalista – na qual o fator explicativo encontra-se não nos termos, mas nas resultantes das relações entre eles.
Sob esse novo ângulo eminentemente estrutural, o que se deve levar em conta é, antes de tudo, a posição ocupada pelas pessoas, cujo casamento é classificado como incestuoso, em um determinado sistema de parentesco,. A questão central da razão de ser da proibição do incesto consiste, assim, antes de tudo, em se saber por que as pessoas, que estão na posição de pai e irmão, não podem reivindicar como esposa aquelas que estão na posição de filha ou irmã.
Uma primeira resposta a essa questão, que é dada de forma inédita e, para o nosso senso comum, inesperada, é de que objetivo primeiro da interdição do incesto é:
imobilizar as mulheres no seio da família, a fim de que a divisão delas ou a competição por elas seja feita no grupo e sob o controle do grupo, e não em regime privado” (LÉVI-STRAUSS. 1976a:85).
Com efeito, ao fazer com que todos os homens que, em razão dos laços de paternidade ou de fraternidade, encontram-se ligados a certas mulheres por uma relação de posse, "abram a mão" da possibilidade de se unirem a elas matrimonialmente, em benefício de outros homens que se encontram, por sua vez, igualmente proibidos de se casarem com suas filhas e irmãs e, assim, sucessivamente, a proibição do incesto obriga-os a estabelecer uma série de normas através das quais se possa determinar a forma pela qual será feita a distribuição das mulheres, que estão imobilizadas no seio do grupo familiar. A necessidade de se regular a distribuição das mulheres e não a dos homens decorre do fato das mulheres , como esposas, constituírem-se um valor essencial à vida do grupo “tanto do ponto de vista biológico quanto do ponto de vista social” (LÉVI-STRAUSS. 1976a:521).5
A obrigação por parte dos homens, que se situam na posição de paternidade e de fraternidade, de darem suas filhas e irmãs em casamento a outros homens, que estão submetidos ao mesmo tipo de situação, constitui, assim, a finalidade última da proibição do incesto, o ponto fulcral onde se revela a verdadeira natureza dessa regra aparentemente negativa:
A proibição do incesto é menos uma regra que proíbe casar-se com a mãe, a irmã ou a filha do que uma regra que obriga a dar a outrem a mãe, a irmã e a filha. É a regra do dom por execelência” (LÉVI-STRAUSS. 1976a:522).
Tomando Mauss e seu fato social total, como ocorre com toda dádiva, a dádiva matrimonial cria naqueles que a recebem a obrigação de retribuir e assim sucessivamente.6 Através da constituição desse circuito ininterrupto de dádivas recíprocas, a proibição do incesto estabelece a troca de mulheres como base inelutável de qualquer espécie de instituição matrimonial:
A relação global de troca que constitui o casamento não se estabelece entre um homem e uma mulher como se cada um devesse e cada um recebesse alguma coisa. Estabelece-se entre dois grupos de homens, e a mulher figura aí como um dos objetos da troca, e não como um dos membros do grupo entre os quais a troca se realiza (LÉVI-STRAUSS. 1976a:155).
Deste ponto partimos para a categoria: parentesco. A proibição do incesto institui não só o casamento mas, também, e simultaneamente, o parentesco. Com efeito, uma estrutura de parentesco por mais simples que seja, não pode se restringir jamais ao núcleo familiar composto pura e simplesmente de um casal e seus filhos. Ela deve incluir, desde o início, a relação entre aquele que cede a mulher (o irmão ou pai da noiva) e aquele que a recebe (o marido), pois é essa troca que fornece o eixo em torno do qual as relações de filiação e de afinidade se constituem.


A originalidade do pensamento de Lévi-Strauss está no que se refere à família e ao parentesco, foi ele fazer a discussão entrar definitivamente no terreno da cultura. Sua concepção modifica toda a ideia corrente que identifica a família com a unidade biológica – pai, mãe e filhos. Para Lévi-Strauss, a família, em seu fundamento natural, ou seja, a família consanguínea, precisa se desfazer para que exista a sociedade, ao mesmo tempo em que a sociedade – grupos dispostos a reconhecer seus limites e a se abrir ao outro – é condição da existência da família. “O que diferencia verdadeiramente o mundo humano do mundo animal é que, na humanidade, uma família não poderia existir sem existir a sociedade, isto é, uma pluralidade de famílias dispostas a reconhecer que existem outros laços para além dos consanguíneos e que o processo natural de descendência só pode levar-se a cabo através do processo social da afinidade”, diz Lévi-Strauss (1980, p. 34).
O autor argumenta que a primeira regra, que funda o caráter social das relações entre os seres humanos, incide sobre a vida sexual porque aí se insinua a troca, uma vez que, entre todos os instintos, o sexual é o único que, “para se definir, precisa da estimulação do outro”. Isso, portanto, “explica uma das razões pelas quais é no terreno da vida sexual, de preferência a qualquer outro, que a passagem entre as duas ordens natural e cultural pode e deve necessariamente se operar”, diz Lévi-Strauss (1981, p. 14)
O átomo de parentesco é uma noção introduzida por Claude Levi-Strauss em Antropologia do parentesco . É uma reação contra a visão funcional-estruturalista parentesco desenvolvidos por diversos autores, entre os quais Radcliffe-Brown . Segundo ele, o parentesco é construído a partir da filiação, como a definição das regras de sucessão é uma das funções dos sistemas de parentesco .
Levi-Strauss argumentou que nenhuma estrutura de parentesco pode ser criado a partir de filiação, porque a proibição universal do incesto forças em todas as sociedades que os homens procuram mulher para fora de suas linhagens , de modo que não é uma descida, em primeiro lugar é necessário ter um casamento . Uma estrutura derivada relações que Levistrauss instituição chamada átomo de relacionamento.
O conceito de átomo do parentesco é central para a teoria da aliança , um dos principais abordagens em antropologia de parentesco. No entanto, ele continuou a receber críticas.
A unidade elementar que envolve as relações que constituem os sistemas de parentesco corresponde, na formulação de Lévi-Strauss, não a um sistema triangular de relações, mas quadrangular: entre marido e mulher, pai e filho, irmão e irmã e tio materno e sobrinho. São quatro pares de relações (e não apenas as três: marido-mulher, pai-filho, irmão-irmã) que constituem o “átomo do parentesco”, o que pressupõe a existência prévia de dois grupos, um que recebeu e outro que deu a mulher em casamento.
A ideia do átomo do parentesco de Lévi-Strauss pressupõe sua análise do tabu do incesto, porque este nela está implícito. Para que haja o marido e a mulher, algum homem teve que renunciar à sua irmã e dá-la a outro homem. Tem que haver o irmão. Assim, Lévi-Strauss (1967) introduz a noção de que o irmão da mãe não é um “elemento extrínseco”, mas “um dado imediato da estrutura familial mais simples” (p. 65). Sua inclusão no átomo evidencia a existência de dois grupos em comunicação, através da aliança. Segundo a afirmação do autor, “o que é verdadeiramente elementar não são as famílias, termos isolados, mas a relação entre esses termos” (p. 69). Para ele, nenhuma outra interpretação pode explicar a universalidade do tabu do incesto que vem da imposição da troca como forma de comunicação entre os seres humanos.
A “clássica demonstração” de Lévi-Strauss do átomo do parentesco “reformula cientificamente o nosso mito de Adão e Eva, verdadeiro arquétipo que informava toda a concepção de família e parentesco desenvolvida no Ocidente. Pois temos um casal original de onde surge toda a humanidade e todo o parentesco entre os homens, fórmula perfeita da criação do todo pelas partes individuais”, comenta Da Matta (1983, p. 28). “Mas o ponto básico, implícito da demonstração de Lévi-Strauss é que o nosso pensamento sobre a família (e o parentesco) como uma unidade individualizada e auto-suficiente é etnocêntrico”
Como hoje poderíamos conceber que é menos incestuoso manter relações sexuais com o pai do que com o tio? Logo fica muito óbvio a proibição do incesto tem mais haver com a lógica e jogo social que com a consanguinidade.
O que torna o incesto perigoso para a ordem social?
A resposta aparece na dualidade da regra. Na interpretação do autor, o tabu do incesto constitui não apenas uma regra negativa, uma proibição, mas uma regra, ao mesmo tempo, positiva. O “não” contém um “sim”. A proibição de casar define, simultaneamente, regras de obrigações. Um homem não só não pode casar-se com sua irmã, como tem que dar sua irmã em casamento a outro homem, com quem cria relações, ao mesmo tempo em que recebe de outro homem, em troca, sua irmã, criando, a partir daí, relações. A proibição encerra em si, então, a reciprocidade. Seguindo a formulação de Marcel Mauss (1974), a proibição constitui, assim, uma regra da dádiva, porque pressupõe receber em troca e, assim, implica regras recíprocas. As famílias podem casar entre si, mas não dentro de si mesmas. A renúncia, diz o autor, abre caminho para a reivindicação. Um homem renuncia à sua irmã na suposição de que outro homem também o fará, assim, sucessivamente, segundo Lévi-Strauss (1981).

A cultura preenche uma universalidade vaga com a regra


A cultura faz uma intervenção, que é substituir o acaso pela organização. A base da aliança está no equilíbrio necessário entre dar e receber. As mulheres seriam um bem escasso, cuja distribuição necessita de uma intervenção coletiva. Isso está baseado na ideia de que a poligamia faz com que o número de mulheres não seja o suficiente. Mesmo se não for essa a modalidade, o problema é que as mulheres desejáveis são uma minoria, portanto o problema da escassez é inevitável. A demanda de mulheres está sempre virtual ou realmente em estado de tensão.
O casamento possui não só uma importância erótica, mas também econômica, na divisão de trabalho entre os sexos.




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