A proibição do incesto é a própria cultura
Distintos
intelectuais desenvolveram explicações para a proibição do
incesto, explicações das quais pode-se dividir em três tipos:
O
primeiro tipo procura manter a dualidade do caráter da proibição
(separando natureza e cultura). A proibição seria uma forma de
proteger os homens do caráter nefasto do casamento
consanguíneo. Mas é prova científica que do ponto de vista da
hereditariedade, "as proibições de casamento não parecem
justificadas." Esta é uma visão instrumental: a cultura seria
entendida como uma solução da sociedade para os problemas da
natureza.
O
segundo tipo de explicação elimina o termo cultura e explica a
proibição pelo seu caráter natural: o homem teria horror
instintivo ao incesto. A crítica a esta explicação reside no fato
de que se isso fosse realmente instintivo, não haveria necessidade
da proibição. Mas a proibição é uma regra social, embora
universal.
As
explicações do terceiro tipo também eliminam um termo, a natureza.
A proibição seria uma regra social, puramente, e o caráter
fisiológico
seria apenas um aspecto acidental. Articulando o incesto ao
totemismo, a proibição seria assim um vestígio da regra da
exogamia. Levi-Strauss afirma que uma explicação histórica não
esgota o problema. Portanto, o terceiro tipo de explicação é vago.
Em
busca das razões pelas quais o incesto tem sido tão veemente e
extensivamente condenado, os cientistas sociais têm sugerido as mais
diversas explicações. A proposta de Lévi-Strauss, a de que a
proibição do incesto é universalmente imposta a fim de estabelecer
a "troca
de mulheres
entre homens" – condição indispensável à instituição do
matrimônio, da família, do parentesco e da própria vida social –,
causou um grande impacto no contexto da reflexão antropológica,
além de ter uma repercussão expressiva em outras áreas do saber.
O
problema do incesto não reside em provar quais configurações
históricas
levaram a tais ou quais modos de instituições
de sociedades
em particular, mas sim que causa profunda faz com que todas as
sociedades em todos os lugares e tempos regulem as relações entre
os sexos (este é um olhar sincrônico sobre o problema). A proibição
do incesto é a única regra que assegura o domínio da cultura sobre
a natureza. É ao mesmo tempo "o passo dado da natureza e da
cultura. A proibição do incesto é o vínculo que une as duas. Sem
ela a cultura ainda não está dada; com ela a natureza deixa de
existir como um reino soberano."
No
capítulo três, destaca-se que a
proibição do incesto exprime a passagem dos fato natural da
consanguinidade ao fato cultural da aliança.
A cultura se inclina diante da fatalidade da herança
biológica.
Mas a cultura torna-se consciente
de seus direitos diante do fenômeno da aliança. A partir de então
a natureza não vai mais a diante. A natureza tem indiferença na
modalidade das relações entre os sexos.
A natureza impõe a aliança sem determiná-la. A cultura recebe este
fato e imediatamente define a modalidade - a natureza deixa a aliança
ao acaso, a cultura dá as regras.
A
proibição do incesto é sem dúvida um fenômeno universal. Não há
sociedade alguma em que não haja uma norma que interdite o casamento
entre pessoas situadas em um determinado grau de parentesco. As
pretensas exceções a essa condenação unânime ao incesto, a do
casamento de irmãos nas famílias reais do Egito Antigo a Roma, dos
esquimós aos polinésio melanésio, não devem ser tomadas como um
indício da inexistência, entre eles, da noção de incesto e de sua
proibição, mas apenas da adoção de uma forma diversa de
classificar as relações que se enquadram nessa categoria. A
constatação de que as relações incestuosas têm sido
consideradas, nas mais diferentes épocas e lugares, como
intrinsecamente perniciosas, condenáveis, não significa a
universalidade de sua observância. Psicanalistas, sacerdotes,
médicos e educadores sabem muito bem que as transgressões à
proibição do incesto são uma realidade bem mais frequente do que
geralmente se imagina.
Uma
das explicações mais comuns quanto à universalidade da proibição
do incesto segue uma crença muito difundida entre nós, a de que o
incesto foi proibido a fim de proteger a espécie humana das
consequências genéticas nefastas do casamento entre parentes
próximos. A fragilidade desse tipo de explicação, aparentemente
sólida e inquestionável, deve-se ao fato de ela não levar em conta
um fator inegável: o de que é sobre as relação de parentesco, e
não sobre as relações de consangüinidade, que a proibição do
incesto se constitui.3
A prevalência dos laços de parentesco sobre os de consangüinidade,
na instituição da proibição do incesto, aparece claramente em
sociedades cujo sistema de parentesco é unilinear. Com efeito,
nessas sociedades a relação tida como incestuosa atinge certos
parentes, os primos
paralelos
(filhos de irmãos do mesmo sexo), que, do ponto de vista da
consangüinidade, são idênticos aos primos
cruzados
(filhos de irmãos de sexo diferente), sobre cujo relacionamento não
há nenhuma interdição, uma vez que, de acordo com o sistema
unilinear, eles não são parentes entre si, já que cada um deles
pertence a um grupo de parentesco diferente.
Uma
outra explicação fundamenta-se na idéia de que haveria um horror
natural ao incesto, devido a fatores genéticos ou a tendências
psíquicas ligadas “ao papel negativo dos hábitos cotidianos sobre
a excitabilidade erótica” (LÉVI-STRAUSS. 1976a:57). Como
contestação a esse tipo de explicação, basta considerar que, se
houvesse um horror natural ao incesto e a consequente falta de desejo
de praticá-lo, não seria preciso proibi-lo, pois seria uma alta
falta de escrúpulos, mas só se proíbe aquilo que se deseja. Além
disso, as constantes violações da proibição são uma prova
suplementar de que não há nenhum horror instintivo a esse tipo de
relação. É preciso observar também que se o incesto é interdito
socialmente é porque ele ameaça, de alguma forma, a ordem social.
“Nada
existe na irmã, na mãe, nem na filha que as desqualifique enquanto
tais. O incesto é socialmente absurdo antes de ser moralmente
condenável”
(LÉVI-STRAUSS. 1976:526)
Levi
Strauss abandona qualquer espécie de explicação substantiva,
a
cerca do “desordenamento social”
– ligada à existência ou não de alguma coisa intrínseca às
pessoas, cuja relação é interdita como incestuosa, que justifique
a proibição do casamento entre elas - e adota uma abordagem
estruturalista
– na qual o fator explicativo encontra-se não nos termos, mas nas
resultantes das relações entre eles.
Sob
esse novo ângulo eminentemente estrutural, o que se deve levar em
conta é, antes de tudo, a posição ocupada pelas pessoas, cujo
casamento é classificado como incestuoso, em um determinado sistema
de parentesco,. A questão central da razão de ser da proibição do
incesto consiste, assim, antes de tudo, em se saber por que as
pessoas, que estão na posição de pai e irmão, não podem
reivindicar como esposa aquelas que estão na posição de filha ou
irmã.
Uma
primeira resposta a essa questão, que é dada de forma inédita e,
para o nosso senso comum, inesperada, é de que objetivo primeiro da
interdição do incesto é:
“imobilizar
as mulheres no seio da família, a fim de que a divisão delas ou a
competição por elas seja feita no grupo e sob o controle do grupo,
e não em regime privado” (LÉVI-STRAUSS.
1976a:85).
Com
efeito, ao fazer com que todos os homens que, em razão dos laços de
paternidade ou de fraternidade, encontram-se ligados a certas
mulheres por uma relação de posse, "abram a mão" da
possibilidade de se unirem a elas matrimonialmente, em benefício de
outros homens que se encontram, por sua vez, igualmente proibidos de
se casarem com suas filhas e irmãs e, assim, sucessivamente, a
proibição do incesto obriga-os a estabelecer uma série de normas
através das quais se possa determinar a forma pela qual será feita
a distribuição das mulheres, que estão imobilizadas no seio do
grupo familiar. A necessidade de se regular a distribuição das
mulheres e não a dos homens decorre do fato das mulheres , como
esposas, constituírem-se um valor essencial à vida do grupo “tanto
do ponto de vista biológico quanto do ponto de vista social”
(LÉVI-STRAUSS. 1976a:521).5
A
obrigação por parte dos homens, que se situam na posição de
paternidade e de fraternidade, de darem suas filhas e irmãs em
casamento a outros homens, que estão submetidos ao mesmo tipo de
situação, constitui, assim, a finalidade última da proibição do
incesto, o ponto fulcral onde se revela a verdadeira natureza dessa
regra aparentemente negativa:
“A
proibição do incesto é menos uma regra que proíbe casar-se com a
mãe, a irmã ou a filha do que uma regra que obriga a dar a outrem a
mãe, a irmã e a filha. É a regra do dom por execelência”
(LÉVI-STRAUSS. 1976a:522).
Tomando
Mauss e seu fato social total, como ocorre com toda dádiva, a dádiva
matrimonial cria naqueles que a recebem a obrigação de retribuir e
assim sucessivamente.6
Através da constituição desse circuito ininterrupto de dádivas
recíprocas, a proibição do incesto estabelece a troca
de mulheres
como base inelutável de qualquer espécie de instituição
matrimonial:
A
relação global de troca que constitui o casamento não se
estabelece entre um homem e uma mulher como se cada um devesse e cada
um recebesse alguma coisa. Estabelece-se entre dois grupos de homens,
e a mulher figura aí como um dos objetos da troca, e não como um
dos membros do grupo entre os quais a troca se realiza (LÉVI-STRAUSS.
1976a:155).
Deste
ponto partimos para a categoria: parentesco. A proibição do incesto
institui não só o casamento mas, também, e simultaneamente, o
parentesco. Com efeito, uma estrutura de parentesco por mais simples
que seja, não pode se restringir jamais ao núcleo familiar composto
pura e simplesmente de um casal e seus filhos. Ela deve incluir,
desde o início, a relação entre aquele que cede a mulher (o irmão
ou pai da noiva) e aquele que a recebe (o marido), pois é essa troca
que fornece o eixo em torno do qual as relações de filiação e de
afinidade se constituem.
A
originalidade do pensamento de Lévi-Strauss está no que se refere à
família e ao parentesco, foi ele fazer a discussão entrar
definitivamente no terreno da cultura. Sua concepção modifica toda
a ideia corrente que identifica a família com a unidade biológica –
pai, mãe e filhos. Para Lévi-Strauss, a família, em seu fundamento
natural, ou seja, a família consanguínea, precisa se desfazer para
que exista a sociedade, ao mesmo tempo em que a sociedade – grupos
dispostos a reconhecer seus limites e a se abrir ao outro – é
condição da existência da família. “O que diferencia
verdadeiramente o mundo humano do mundo animal é que, na humanidade,
uma família não poderia existir sem existir a sociedade, isto é,
uma pluralidade de famílias dispostas a reconhecer que existem
outros laços para além dos consanguíneos e que o processo natural
de descendência só pode levar-se a cabo através do processo social
da afinidade”, diz Lévi-Strauss (1980, p. 34).
O
autor argumenta que a primeira regra, que funda o caráter social das
relações entre os seres humanos, incide sobre a vida sexual porque
aí se insinua a troca, uma vez que, entre todos os instintos, o
sexual é o único que, “para se definir, precisa da estimulação
do outro”. Isso, portanto, “explica uma das razões pelas quais é
no terreno da vida sexual, de preferência a qualquer outro, que a
passagem entre as duas ordens natural e cultural pode e deve
necessariamente se operar”, diz Lévi-Strauss (1981, p. 14)
O
átomo de parentesco
é uma noção introduzida por Claude
Levi-Strauss
em Antropologia
do parentesco
.
É uma reação contra a visão funcional-estruturalista parentesco
desenvolvidos por diversos autores, entre os quais Radcliffe-Brown
. Segundo ele, o parentesco é construído a partir da filiação,
como a definição das regras de sucessão é uma das funções dos
sistemas
de parentesco
.
Levi-Strauss
argumentou que nenhuma estrutura de parentesco pode ser criado a
partir de filiação, porque a proibição universal do incesto
forças em todas as sociedades que os homens procuram mulher para
fora de suas linhagens
, de modo que não é uma descida, em primeiro lugar é necessário
ter um casamento
. Uma estrutura derivada relações que Levistrauss instituição
chamada átomo de relacionamento.
O
conceito de átomo do parentesco é central para a teoria
da aliança
, um dos principais abordagens em antropologia de parentesco. No
entanto, ele continuou a receber críticas.
A
unidade elementar que envolve as relações que constituem os
sistemas de parentesco corresponde, na formulação de Lévi-Strauss,
não a um sistema triangular de relações, mas quadrangular: entre
marido e mulher, pai e filho, irmão e irmã e tio materno e
sobrinho. São quatro pares de relações (e não apenas as três:
marido-mulher, pai-filho, irmão-irmã) que constituem o “átomo do
parentesco”, o que pressupõe a existência prévia de dois grupos,
um que recebeu e outro que deu a mulher em casamento.
A
ideia do átomo do parentesco de Lévi-Strauss pressupõe sua análise
do tabu do incesto, porque este nela está implícito. Para que haja
o marido e a mulher, algum homem teve que renunciar à sua irmã e
dá-la a outro homem. Tem que haver o irmão. Assim, Lévi-Strauss
(1967) introduz a noção de que o irmão da mãe não é um
“elemento extrínseco”, mas “um dado imediato da estrutura
familial mais simples” (p. 65). Sua inclusão no átomo evidencia a
existência de dois grupos em comunicação, através da aliança.
Segundo a afirmação do autor, “o que é verdadeiramente elementar
não são as famílias, termos isolados, mas a relação entre esses
termos” (p. 69). Para ele, nenhuma outra interpretação pode
explicar a universalidade do tabu do incesto que vem da imposição
da troca como forma de comunicação entre os seres humanos.
A
“clássica demonstração” de Lévi-Strauss do átomo do
parentesco “reformula cientificamente o nosso mito de Adão e Eva,
verdadeiro arquétipo que informava toda a concepção de família e
parentesco desenvolvida no Ocidente. Pois temos um casal original de
onde surge toda a humanidade e todo o parentesco entre os homens,
fórmula perfeita da criação do todo pelas partes individuais”,
comenta Da Matta (1983, p. 28). “Mas o ponto básico, implícito da
demonstração de Lévi-Strauss é que o nosso pensamento sobre a
família (e o parentesco) como uma unidade individualizada e
auto-suficiente é etnocêntrico”
Como
hoje poderíamos conceber que é menos incestuoso manter relações
sexuais com o pai do que com o tio? Logo fica muito óbvio a
proibição do incesto tem mais haver com a lógica e jogo social que
com a consanguinidade.
O
que torna o incesto perigoso para a ordem social?
A
resposta aparece na dualidade da regra. Na interpretação do autor,
o tabu do incesto constitui não apenas uma regra negativa, uma
proibição, mas uma regra, ao mesmo tempo, positiva. O “não”
contém um “sim”. A proibição de casar define, simultaneamente,
regras de obrigações. Um homem não só não pode casar-se com sua
irmã, como tem que dar sua irmã em casamento a outro homem, com
quem cria relações, ao mesmo tempo em que recebe de outro homem, em
troca, sua irmã, criando, a partir daí, relações. A proibição
encerra em si, então, a reciprocidade. Seguindo a formulação de
Marcel Mauss (1974), a proibição constitui, assim, uma regra da
dádiva, porque pressupõe receber em troca e, assim, implica regras
recíprocas. As famílias podem casar entre si, mas não dentro de si
mesmas. A renúncia, diz o autor, abre caminho para a reivindicação.
Um homem renuncia à sua irmã na suposição de que outro homem
também o fará, assim, sucessivamente, segundo Lévi-Strauss (1981).
A cultura preenche uma universalidade vaga com a regra
A
cultura faz uma intervenção, que é substituir o acaso pela
organização. A base da aliança está no equilíbrio necessário
entre dar e receber. As mulheres seriam um bem escasso, cuja
distribuição necessita de uma intervenção coletiva. Isso está
baseado na ideia de que a poligamia faz com que o número de mulheres
não seja o suficiente. Mesmo se não for essa a modalidade, o
problema é que as mulheres desejáveis são uma minoria, portanto o
problema da escassez é inevitável. A demanda de mulheres está
sempre virtual ou realmente em estado de tensão.
O
casamento possui não só uma importância erótica, mas também
econômica, na divisão de trabalho
entre os sexos.
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