As Estruturas Elementares do Parentesco
As
estruturas elementares do parentesco
(em
francês
Les
structures élémentaires de la parenté)
é uma obra do antropólogo
e filósofo
Claude
Lévi-Strauss
editado pela primeira vez em 1949,
nela o autor trata o tema do parentesco de forma a desmentir questões
muito discutidas no contexto Cultural.
No
primeiro capítulo, o autor desenvolve a ideia de que a cultura não
é justa ou superposta à vida. "Existe um comportamento
estranho da espécia ao qual o indivíduo possa voltar diante essas
coisas." Não há um caráter pré-cultural do homem.
A ausência de regra parece ser um bom critério de diferenciação
entre natureza
e cultura, porém, constância e regularidade existem nas duas. Nesse
sentido, o autor define que o caráter da norma pertence à outra
pessoa, enquanto que o caráter universal pertence à natureza. Não
Existe um mecanismo de articulação ente natureza e cultura. A
proibição do incesto é regra (caráter normativo da instituição
indica o campo da cultura) de caráter universal (do campo da
natureza).
No
segundo capítulo, o autor diz que a proibição do incesto é uma
regra pré-social, pois...
a.
é estrangeira;
b.
pelo tipo de relação que impõe sua norma (o instinto
universal: é o único instinto que necessita do mesmo, portanto,
sugere relacionamento de indivíduos).
A proibição do incesto é a própria cultura
Distintos
intelectuais desenvolveram explicações para a proibição do
incesto, explicações das quais pode-se dividir em três tipos:
O
primeiro tipo procura manter a dualidade do caráter da proibição
(separando natureza e cultura). A proibição seria uma forma de
proteger os homens do caráter nefasto do casamento
consanguíneo. Mas é prova científica que do ponto de vista da
hereditariedade, "as proibições de casamento não parecem
justificadas." Esta é uma visão instrumental: a cultura seria
entendida como uma solução da sociedade para os problemas da
natureza.
O
segundo tipo de explicação elimina o termo cultura e explica a
proibição pelo seu caráter natural: o homem teria horror
instintivo ao incesto. A crítica a esta explicação reside no fato
de que se isso fosse realmente instintivo, não haveria necessidade
da proibição. Mas a proibição é uma regra social, embora
universal.
As
explicações do terceiro tipo também eliminam um termo, a natureza.
A proibição seria uma regra social, puramente, e o caráter
fisiológico
seria apenas um aspecto acidental. Articulando o incesto ao
totemismo, a proibição seria assim um vestígio da regra da
exogamia. Levi-Strauss afirma que uma explicação histórica não
esgota o problema. Portanto, o terceiro tipo de explicação é vago.
O
problema do incesto não reside em provar quais configurações
históricas
levaram a tais ou quais modos de instituições
de sociedades
em particular, mas sim que causa profunda faz com que todas as
sociedades em todos os lugares e tempos regulem as relações entre
os sexos (este é um olhar sincrônico sobre o problema). A proibição
do incesto é a única regra que assegura o domínio da cultura sobre
a natureza. É ao mesmo tempo "o passo dado da natureza e da
cultura. A proibição do incesto é o vínculo que une as duas. Sem
ela a cultura ainda não está dada; com ela a natureza deixa de
existir como um reino soberano."
No
capítulo três, destaca-se que a
proibição do incesto exprime a passagem dos fato natural da
consanguinidade ao fato cultural da aliança.
A cultura se inclina diante da fatalidade da herança
biológica.
Mas a cultura torna-se consciente
de seus direitos diante do fenômeno da aliança. A partir de então
a natureza não vai mais a diante. A natureza tem indiferença na
modalidade das relações entre os sexos.
A natureza impõe a aliança sem determiná-la. A cultura recebe este
fato e imediatamente define a modalidade - a natureza deixa a aliança
ao acaso, a cultura dá as regras.
A cultura preenche uma universalidade vaga com a regra
A
cultura faz uma intervenção, que é substituir o acaso pela
organização. A base da aliança está no equilíbrio necessário
entre dar e receber. As mulheres seriam um bem escasso, cuja
distribuição necessita de uma intervenção coletiva. Isso está
baseado na ideia de que a poligamia faz com que o número de mulheres
não seja o suficiente. Mesmo se não for essa a modalidade, o
problema é que as mulheres desejáveis são uma minoria, portanto o
problema da escassez é inevitável. A demanda de mulheres está
sempre virtual ou realmente em estado de tensão.
O
casamento possui não só uma importância erótica, mas também
econômica, na divisão de trabalho
entre os sexos.
Lévi-Strauss
é o principal expoente da corrente estruturalista na Antropologia.
Para fundá-la, Lévi-Strauss buscou elementos das ciências que, no
seu entender, haviam feito avanços significativos no desenvolvimento
de um pensamento propriamente objetivo. Sua maior inspiração foi a
Lingüística
Estruturalista
da
qual faz constante referência, por exemplo, a Jakobson.
Ao
apropriar-se do pensamento estruturalista para aplicá-lo à
antropologia, Lévi-Strauss pretende chegar ao modus operandi do
espírito humano. Deve haver, no seu entender, elementos universais
na atividade do espírito humano entendidos como partes irredutíveis
e suspensas em relação ao tempo que perpassariam todo modo de
pensar dos seres humanos.
Nesta
linha de pensamento, Lévi-Strauss chega ao par de oposições como
elemento fundamental do espírito: todo pensamento humano opera
através de pares de oposição. Para defender esta sua tese,
Lévi-Strauss analisa milhares de mitos nas mais variadas sociedades
humanas encontrando nelas modos de construção análogas em todas.
Para
fundamentar o debate teórico, Lévi-Strauss
recorre a duas fontes principais: a corrente psicológica criada por
Wilhelm
Wundt
e o trabalho realizado no campo da linguistica,
por Ferdinand
de Saussure,
denominado Estruturalismo.
Influenciaram-no, ainda, Durkheim,
Jakobson
(teoria linguística), Kant
(idealismo) e principalmente Marcel
Mauss.
Para
a Antropologia estrutural as culturas definem-se como sistemas de
signos partilhados e estruturados por princípios que estabelecem o
funcionamento do intelecto. Em 1949 Lévi-Strauss publica "As
estruturas elementares de parentesco", obra em que analisa,
entre outros povos, os aborígenes australianos e, em particular, os
seus sistemas de matrimônio e parentesco. Nesta análise,
Lévi-Strauss demonstra que as alianças são mais importantes para a
estrutura social que os laços de sangue. Termos como exogamia,
endogamia, aliança, consanguinidade passam a fazer parte das
preocupações etnográficas.
CAPÍTULO
- Da Natureza à Cultura
Estado
de natureza e estado de sociedade. O problema da passagem de um ao
outro. As "crianças selvagens". As formas superiores da
vida animal. O critério da universalidade. A proibição do incesto
como regra universal
O
limite entre Natureza e Cultura sempre foi, sem dúvida, um dos
debates mais calorosos, senão dentro da Antropologia, entre a
Antropologia e as outras ciências. A importância da determinação
daquilo que é natural e daquilo que é cultural é justamente o
debate daquilo que pode ser determinado ou não pela ordem biológica.
"Onde
acaba a natureza? Onde começa a cultura?" [Levi-Strauss:1976,
p. 42].
Para
o autor, esta questão é fundamental para a própria disciplina da
Antropologia, e negar essa questão seria negar a possibilidade de se
estudar a própria cultura humana, uma vez que não seria possível
saber o que é cultural e o que é determinado biologicamente.
Lévi-Strauss
então, no Capítulo I d'As Estruturas Elementares do Parentesco, faz
justamente o esforço de buscar uma maneira de identificar em que
momento seria possível determinar como o fim do biológico e o
início do cultural, o início do social. Para isso ele vai tratar de
alguns métodos possíveis de se descobrir o limite entre o biológico
e o cultural.
Para
ele:
O
método mais simples consistiria em isolar uma criança recém-nascida
e observar suas reações a diferentes excitações durante as
primeiras horas ou os primeiros dias depois do nascimento.
Poder-se-ia então supor que as respostas fornecidas nessas condições
são de origem psicobiológicas, e não dependem de sínteses
culturais ulteriores [Levi-Strauss:1976, p. 42].
Mas
hoje podemos perceber o quanto essa hipótese é absurda. Os estudos
de Desenvolvimento da Criança nos mostram que só é possível
pensar o desenvolvimento do ser humano a partir dos estímulos que
ele recebe, e que ao contrário da afirmação de que "a criança
anda espontaneamente desde que organicamente for capaz de fazê-lo"
[Levi-Strauss:1976, p. 42], se a criança não receber os estímulos
sociais ela não irá se desenvolver. Desta forma, com aquilo que
conhecemos hoje, é impossível pensar o desenvolvimento humano
separado do meio social, o próprio desenvolvimento motor e
intelectual está intimamente ligado ao meio social, de forma que não
é possível fazer a cisão do momento que a criança trabalha
somente a partir dos instintos para quando ela começa a aprender.
Hoje se afirma que a criança começa a aprender mesmo dentro do
útero materno.
O
próprio autor, após analisar casos de crianças perdidas na mata
(os "meninos-lobo") percebe a limitação desta abordagem:
A outra opção passa a ser a de procurar justamente na comparação
entre o comportamento humano e o comportamento animal, colocando o
comportamento humano como cultural e o animal como biológico. A
utilização da "antinomia entre a cultura e a natureza"
representada na relação entre homem e animal parte de um
pressuposto pouco discutido de que o homem é o único animal que
cria cultura. Este pressuposto, como eu disse, é pouco discutido,
mas cada vez mais estão surgindo experiências que colocam isso em
questão.
A
opção passa a ser a de "reconhecer o esboço, os sinais
precursores da cultura" nos macacos antropóides. E é a partir
da análise da "promiscuidade" da forma como se dão as
relações sexuais nesses grupos, que o autor chega à conclusão de
que esta ausência de regra parece oferecer o critério mais seguro
que permita distinguir um processo natural de um proceseso
cultural[Levi-Strauss:1976, p. 46].]
Então
se a ausência de regras é o que define essa distinção, para se
determinar o limite entre natureza e cultura é preciso buscar a
regra que está presente em todas as culturas, pois assim estaríamos
chegando àquilo que define o início do processo de formação
cultural. E esta regra, segundo o autor, é a da proibição do
incesto.
Porque
a proibição do incesto apresenta, sem o menor equívoco e
indissoluvelmente reunidos, os dois caracteres nos quais reconhecemos
os atributos contraditórios de duas ordens exclusivas, isto é,
constituem uma regra, mas uma regra que, única entre todas as
regrgas sociais, possui ao mesmo tempo caráter de universalidade
[Levi-Strauss:1976, p. 47].
A
característica universal da proibição do incesto se dá, segundo o
autor, pelo caráter limiar da própria questão, uma vez que essa
envolve algo reconhecidamente natural (o ato sexual), mas envolve
também algo reconhecidamente social (a regra). Para Lévi-Strauss, a
regra é o elemento fundamental na caracterizaçåo da cultura.
A
proibição do incesto possui ao mesmo tempo a universalidade das
tendências e dos instintos e o caráter coercitivo das leis e das
instituições [Levi-Strauss:1976, p. 49].
A
partir da proibição do incesto, o autor explica o surgimento de
instituições como o matrimônio: “a proibição do incesto
obriga-os a estabelecer uma série de normas através das quais se
possa determinar a forma pela qual será feita a distribuição das
mulheres, que estão imobilizadas no seio do grupo familiar”
[Lobato:1999].
A
noção de Estrutura
Para
Lévi-Strauss, a cultura é um sistema onde todas as coisas estão
relacionadas de forma que a alteração de um desses elementos
resultaria na alteração de todo o sistema.
O
que há em comum a todos esses sistemas, presentes em diferentes
culturas é a estrutura. O estruturalismo de Lévi-Strauss tem, neste
sentido, uma intenção de universalidade, pois ele pretende mapear
aquilo que há em comum a qualquer cultura, como uma estrutura
fundamental da própria condição humana.
Como
qualquer proposta metodológica que tenha intenção de
universalidade, o Estruturalismo também sofre do mal de ausência de
critérios. Fica a cargo da competência do antropólogo chegar ou
não à essas estruturas. Um bom antropólogo conseguirá perceber os
elementos estruturais de uma cultura, se algo não é respondido por
essa estrutura, significa que o trabalho não foi bem feito e que
ocorreu algum erro de análise.
Em
O Feiticeiro e a sua Magia, a proposta metodológica é apresentada
de forma bastante clara. Lévi-Strauss ao tomar uma intenção
parecido com a de Kant na Crítica a Razão Pura, utiliza um
artifício razoavelmente semelhante, ao colocar a ciência ocidental
como capaz de explicar os acontecimentos de qualquer outra cultura. O
autor monta um esquema no qual a eficiência do feiticeiro está
diretamente ligada ao grau de crença da sociedade na própria
eficiência do feiticeiro, de forma que o mal ou o bem produzido por
este seriam fruto apenas da forma como o próprio indivíduo e a
sociedade agem depois da ação do feiticeiro.
Assim
como Kant foi criticado por tentar fundamentar a possibilidade da
ciência utilizando os resultados da própria ciência, Lévi-Strauss
merece a crítica de colocar a ciência ocidental (no caso, a
psicologia), acima de qualquer suspeita. Aquilo que seria uma
característica do funcionamento particular daquela cultura, o autor
explica através de processos de "auto-indução" criados
pela ciência ocidental. Isso, apesar de representar um problema
metodológico, é um dos pilares do estruturalismo, que conta que o
indivíduo de uma sociedade não se dá conta das estruturas, e
apenas o antropólogo (o bom antropólogo, é claro) poderá analisar
aquela sociedade como uma totalidade e perceber as estruturas. No
caso que estou colocando aqui, a sociedade que acredita em feitiçaria
não tem consciência sobre as estruturas que as regem, e o
antropólogo é quem tem como dar conta disso. No caso em questão,
as "estruturas fundamentais" daquela cultura são
explicadas pela ciência ocidental.
A
questão que talvez não tenha ficado tão clara ao se explicar isso
tudo, é que a proposta colocada por Lévi-Strauss carrega um nível
complicado de etnocentrismo, a partir do momento em que ele tenta
explicar o funcionamento de uma cultura através de elementos de
outra, que na verdade é a própria proposta do estruturalismo.
É
claro que precisamos perceber também que, mesmo que ignoremos o
problema do etnocentrismo, ainda teremos o problema da ausência de
critérios para se estabelecer o universal, restando apenas o método
indutivo que não cabe neste trabalho criticar. Mas sem dúvida não
podemos ignorar a influência deste autor ao propor um método de
análise rigorosa do trabalho etnográfico, pensando a sociedade em
partes que formam um todo estrutural, mas sem dúvida, os problemas
apontados não são despresíveis, uma vez que o estruturalismo foi
abandonado quase que totalmente pela academia a partir da década de
1990, dando lugar ao pós-estruturalismo, que como o próprio nome já
diz, só pode existir depois do estruturalismo.
Mas
existe, atrás da atitude que discutimos, uma confusão infinitamente
mais grave. Se o horror do incesto resultasse de tendências
fisiológicas ou psicológicas congênitas, por que se exprimiria em
forma de uma proibição ao mesmo tempo tão solene e tão essencial
que é encontrada em todas as sociedades humanas aureolada pelo mesmo
prestígio sagrado?As explicações do terceiro tipo têm em comum
com a que acaba de ser discutida o fato de pretenderem, também elas,
eliminar um dos termos da antinomia. Neste sentido, ambas se opõem
às explicações do primeiro tipo, que conservam os dois termos,
embora tentando dissociá-los.(...) Vê na proibição do incesto uma
regra de origem puramente social, cuja expressão em termos
biológicos é um aspecto acidental e secundário. (...) Considerada
como instituição social, a proibição do incesto aparece sob dois
aspectos diferentes. Ora achamo-nos somente em presença da proibição
da união sexual entre consangüíneos ou colaterais próximos, ora
esta forma de proibição, fundada sobre um critério biológico
definido, é apenas um aspecto de um sistema mais amplo, do qual
parece estar ausente qualquer base biológica. Em numerosas
sociedades a regra da exogamia) proíbe o casamento entre categorias
sociais que incluem os parentes próximos. mas, juntamente com eles,
um número considerável de indivíduos entre os quais não é
possível estabelecer nenhuma relação de consangüinidade ou de
colateralidade, ou, em todo caso, só relações muito distantes.
Neste último caso, é o capricho aparente da nomenclatura que
equipara os indivíduos feridos pelo interdito a parentes biológicos.
(…)
Fichamento
deste capítulo.:
1.
Repúdio a distinção entre estado de natureza e sociedade: As mais
antigas das organizações sociais já tinham uma cultura, portanto,
o problema está nas várias propostas de distinção
2.
Trata-se de uma distinção lógica, na falta de uma significação
histórica aceitável, utilizada pela sociologia como instrumento
metodológico. Enquanto o fator biológico relaciona-se com a
natureza, o indivíduo enquanto social relaciona-se com a condição.Um
estímulo físico-biológico e outros psicossocial podem gerar
relações do mesmo tipo, sendo que, na maioria dos casos, há uma
integração entre ambos: "a cultura não pode ser considerada
nem simplesmente justaposta nem simplesmente superposta á vida".
3.
A dificuldade se inicia, portanto, na análise: Qual fator é
biológico e qual é cultural? " Por que mecanismos atitudes de
origem cultural podem enxertar-se em comportamentos que são de
natureza biológica, e conseguir integra-los a si?". Ou seja, os
problemas das passagens entre as duas ordens.
4.
Problemática cíclica em se estudar tal dicotomia por meio da
separação de um bebe do convívio social.
5.
Meninos selvagens encontrados no Século XVIII serviriam ao caso sem
as problemáticas do artifício, mas a razão para o abandono era
muitas vezes um problema mental ou congênito da criança.
6.
Muitas dessas crianças, por seus afastamentos com a cultura, foram
chamadas de idiotas congênitos
7.
Pela imprescindível necessidade humana de sociabilidade, seria
problemático o experimento, "dado que não há um comportamento
natural senão o doméstico". O homem é doméstico pois é
domesticado por outros homens.
8.
Portanto, inexiste a possibilidade em se ver no homem uma ilustração
de comportamento de caráter pré-cultural, e se estudarmos nos
animais mais evoluídos um esboço do que seria a cultura, um estudo
voltado aos mamíferos superiores, macacos antropóides? Um esboço
do "modelo cultural universal": linguagem, valores
estéticos, morais ou religiosos.
9.
Pode até haver tais elementos, mas são muito pobres. Se o macaco
tem a possibilidade de utilizar a linguagem quando forçado para
tanto, porque não o faz naturalmente?
10.
Impossibilidade de conclusões pela experiência. "Vida social
dos macacos não se presta à formulação de nenhuma norma".
Não há regularidade no comportamento nem do individuo, nem do
contexto. A solução aos problemas é dada por meio de erros e
acertos, e a relação de dominação entre animais é irregular.
11.
Macacos antropóides: Mais gostos do que outros animais, na vida
sexual, um comportamento semelhante ao homem, tanto no que se chama
de normal como no que de anormal (contra as convenções sociais).
Portanto, individualização do comportamento assemelham-no ao homem.
Há um erro, assim, em Malinowski, de que o comportamento sexual dos
machos antropóides são comuns na mesma espécie.
12.
Não há nem um domínio normativo instintivo como nos mamíferos
inferiores, nem normativo cultural como no homem.
13.
Assim, a ausência de regra surge como a mais segura distinção de
um processo natural do cultural. Impossível observar um fenômeno
sendo exclusivamente cultural ou natural. Cultura: "instauração
no [...] grupo dificilmente pode ser concebida sem linguagem.
14.
Presença da regra, critério mais valido para ver onde há cultura:
"Que tudo quanto é universal no homem depende da ordem da
natureza e se caracteriza pela espontaneidade, e que tudo quanto esta
ligado a uma norma pertence a cultura e apresenta os atributos do
relativo e do particular". Proibição do incesto: Regra
universal entre os grupos sociais.
15.
Relatividade da questão da exceção.
16.
Casamentos pode ser proibido de maneiras diferentes nas diferentes
sociedades. O incesto sendo permitido (exceção) poderia ser
restrito a uma certa categoria social
17.
Ou o incesto, como no Egito, sua permissão (exceção) permitida aos
primogênitos. Portanto, é universal e normativo, uma vez que sua
proibição tem como sanção desde a morte, ate um ritual místico
ou uma aversão moral.
18.
Proibição do incesto: caráter universal (portanto natural) e
normativo (portanto cultural)
19.
Lévy-Bruhl: " questão do incesto [...] não admite solução
nenhuma [...] É inútil perguntar por que razoes o incesto é
proibido. Esta proibição não existe [...] ninguém pensa em
proibi-la. É alguma coisa que não acontece. Ou se, por impossível
isso acontecesse, seria alguma coisa inaudita, um monstrum, uma
transgressão que espalha o horror e o pavor. As sociedades
primitivas conhecem a proibição da autofagia ou do fratricídio?
Essas sociedades não tem mais nem menos razão para proibir o
incesto".
20.Lévi-Strauss
critica a repugnância e timidez de sociólogos e antropologos como
Lévy-Bruhl.
CAPÍTULO
II - O Problema do Incesto.
As
antinomias do problema do incesto.
O
problema da proibição do Incesto apresenta-se à reflexão com toda
a ambiguidade que, num plano diferente, explica sem dúvida o caráter
sagrado da proibição enquanto tal. Esta regra, social por sua
natureza de regra, é ao mesmo tempo pré-social por dois motivos, a
saber, primeiramente pela universalidade, e em seguida pelo tipo de
relações a que impõe sua norma. (...) vida sexual é duplamente
exterior ao grupo. Exprime no mais alto grau a natureza animal do
homem, e atesta, no próprio seio da humanidade, a sobrevivência
mais característica dos instintos. Em segundo lugar, seus fins são
transcendentes, novamente de duas maneiras, pois visam a satisfazer
ou desejos Individuais, que se sabe suficientemente constarem entre
os menos respeitosos das convenções sociais, ou tendências
específicas que ultrapassam igualmente, embora em outro sentido, os
fins próprios da sociedade, (...) o Instinto sexual é o único que
para se definir tem necessidade do estímulo "de" outrem.
(...) A proibição do incesto está ao mesmo tempo no limiar da
cultura, na cultura, e em certo sentido - conforme tentaremos mostrar
- é a própria cultura. (...) O primeiro tipo de explicação - que
aliás segue a crença popular em vigor em numerosas sociedades.
inclusive a nossa - procura manter a dualidade de caráter da
proibição, mesmo dividindo-a em duas fases distintas, a origem da
proibição do incesto é realmente ao mesmo tempo natural e social,
mas no ,sentido de resultar de uma reflexão social sobre um fenômeno
natural. (...) medida de proteção, tendo por finalidade defender a
espécie dos resultados nefastos dos casamentos consanguíneos. (...)
Um segundo tipo de explicação tende a eliminar um dos termos da
antinomia entre os caracteres, natural e social, da instituição.
(...) a proibição do incesto é apenas a projeção ou o reflexo no
plano social de sentimentos ou tendências que a natureza do homem
basta inteiramente para explicar. (...) com relação ao incesto
explica-se pelo papel negativo dos hábitos cotidianos sobre a
excitabilidade erótica. (...) Seria possível objetar a esses
autores que confundem dois tipos de hábitos: o que se desenvolve
entre dois indivíduos sexualmente unidos, sendo sabido que, tal
hábito acarreta geralmente o enfraquecimento do desejo - a ponto,
declara um biologista contemporâneo, "de introduzir um elemento
de desordem em todo sistema social'" 3; e o que reina entre
parentes próximos, ao qual se atribui o mesmo resultado, embora o
costume sexual, que desempenha o papel determinante no primeiro caso,
esteja manifestamente ausente no segundo. A interpretação proposta
reduz-se pois a uma petição de princípio, isto é, na ausência de
qualquer verificação experimental é impossível saber se a
suposta observação sobre a qual nos apoiamos - a menor freqüência
dos desejos sexuais entre parentes próximos - explica-se pelo hábito
físico ou psico lógico, ou como conseqüência dos tabus que
constituem a própria proibição. Mas existe, atrás da atitude que
discutimos, uma confusão infinitamente mais grave. Se o horror do
incesto resultasse de tendências fisiológicas ou psicológicas
congênitas, por que se exprimiria em forma de uma proibição ao
mesmo tempo tão solene e tão essencial que é encontrada em todas
as sociedades humanas aureolada pelo mesmo prestígio sagrado? As
explicações do terceiro tipo têm em comum com a que acaba de ser
discutida o fato de pretenderem, também elas, eliminar um dos termos
da antinomia. Neste sentido, ambas se opõem às explicações do
primeiro tipo, que conservam os dois termos, embora tentando
dissociá-los.(...) Vê na proibição do incesto uma regra de origem
puramente social, cuja expressão em termos biológicos é um aspecto
acidental e secundário. (...) Considerada como instituição social,
a proibição do incesto aparece sob dois aspectos diferentes. Ora
achamo-nos somente em presença da proibição da união sexual entre
consanguíneos ou colaterais próximos, ora esta forma de proibição,
fundada sobre um critério biológico definido, é apenas um aspecto
de um sistema mais amplo, do qual parece estar ausente qualquer base
biológica. Em numerosas sociedades a regra da exogamia) proíbe o
casamento entre categorias sociais que incluem os parentes próximos.
mas, juntamente com eles, um número considerável de indivíduos
entre os quais não é possível estabelecer nenhuma relação de
consanguinidade ou de colateralidade, ou, em todo caso, só relações
muito distantes. Neste último caso, é o capricho aparente da
nomenclatura que equipara os indivíduos feridos pelo interdito a
parentes biológicos. (...) É verdade que, pelo caráter de
universalidade, a proibição do incesto toca a natureza, isto é, a
biologia ou a psicologia, ou ainda uma e outra, mas não é menos
certo que, enquanto regra, constitui um fenômeno social e pertence
ao universo das regras, isto é, da cultura, e por conseguinte à
sociologia que tem por objeto o estudo da cultura. Mostramos que os
antigos teóricos que se dedicaram ao problema da proibição do
incesto colocaram-se em um dos três pontos de vista seguintes:
alguns invocaram o duplo caráter, natural e cultural, da regra, mas
se limitaram a estabelecer entre um e outro uma conexão extrínseca,
constituída por uma atitude racional do pensamento. Outros, ou
quiseram explicar a proibição do incesto, exclusivamente ou de
maneira predominante, por causas naturais, ou então viram nela,
exclusivamente ou de maneira predominante, um fenômeno de cultura.
Verificamos que cada uma dessas três perspectivas conduz a
impossibilidades ou a contradições. Por conseguinte, só resta
aberto um único caminho, o que fará passar da análise estática à
síntese dinâmica a proibição do incesto não é nem puramente de
origem cultural nem puramente de origem natural, e também não é
uma dosagem de elementos variados tomados de empréstimo parcialmente
à natureza e parcialmente à cultura. Constitui o passo fundamental
graças ao qual, pelo qual, mas sobretudo no qual se realiza a
passagem da natureza à cultura. Em certo sentido pertence à
natureza, porque é uma condição geral da cultura, e por
conseguinte não devemos nos espantar em vê-la conservar da natureza
seu caráter formal, isto é, a universalidade. Mas em outro sentido
também já é a cultura, agindo e impondo sua regra no interior de
fenômenos que não dependem primeiramente dela. Fomos levados a
colocar o problema do incesto a propósito da relação entre a
existência biológica e a existência social do homem, e logo
verificamos que a proibição não depende exatamente nem de uma nem
de outra. Propomo-nos neste trabalho fornecer a solução dessa
anomalia, mostrando que a proibição do incesto constitui justamente
o vinculo que as une uma à outra. (...) nem estática nem
arbitrária, e desde que se estabelece a situação total aparece
completamente modificada. Com efeito, é menos uma união do que uma
transformação ou passagem. A proibição do incesto é o processo
pelo qual a natureza se ultrapassa a si mesma. Acende a faisca sob a
ação da qual forma-se uma estrutura de novo tipo, mais complexa, -e
se superpõe, integrando-as, às estruturas mais simples da vida
psíquica, assim como estas se superpõem, integrando-as, às
estruturas, mais simples que elas próprias da vida animal. Realiza,
e constitui por si mesma, o advento de uma nova ordem.
CAPÍTULO
III - O Universo das Regras
Consanguinidade
e aliança. A proibição do incesto, "regra como regra", O
regime do produto escasso: regras de distribuição alimentar.
Passagem às regras matrimoniais: casamento e celibato.
"Se
a raiz da proibição do incesto está na natureza, entretanto é
apenas por seu termo, isto é, como regra social, que podemos
apreendê-la."
“A
proibição confunde-.se, então, com a regra da exogamia. As vezes
também subsistem conjuntamente. Conforme foi muitas. vezes
observado, a exogamia por si mesma não bastaria para proibir a
aliança de uma mãe com seu filho, em uma sociedade de regime
patrilinear, ou do pai com a filha, em uma sociedade matrilinear. Mas
em muitos casos é a regra de exogamia ou o sistema de parentesco que
decidem, sem levar em conta as conexões reais, postas de lado as do
primeiro grau.”
“O
mesmo sistema, e também outros, vê na aliança do tio materno
com a sobrinha, e mais raramente da tia materna com o sobrinho, tipos
de casamentos muito recomendáveis e às vezes prescritos, ao passo
que uma pretensão análoga da parte do tio paterno ou da tia materna
suscitaria o mesmo horror que o incesto com os pais, aos quais estes
colaterais são igualados."
"A
proibição do Incesto por conseguinte não se exprime sempre em
função das regras de parentesco real, mas têm por Objeto sempre os
individuos que se dirigem uns aos outros empregandO certos termos.
Isto continua verdadeiro, mesmo nos sistemas da Oceãnia que permitem
o casamento com uma "irmã" por classificação, mas
distinguem imediatamente entre /cave maori ou "irmã
verdadeira" e kave kasese, I<irmã diferente",
kave fa/catafatafa, "irmã posta de lado'~, /cave i
take yayae, "irmã de um outro lugar"
“Considerada
do ponto de vista mais geral, a proibição do incesto exprime a
passagem do fato natural da consangüinidade ao fato cultuo ral da
aliança.”
“O
dominio da natureza caracteriza·se pelo fato de nele só se dar o
que se recebe. O fenômeno da hereditariedade exprime esta
permanência e continuidade. No domínio da cultura, ao contrário, o
indivíduo recebe sempre mais do que dá, e ao mesmo tempo dá mais
do que recebe.”
“Considerado
desse ponto de vista, o problema da passagem da natureza à cultura
reduz,se, portanto, ao problema da Introdução de processos de
acumulação no 'Interior de processos de repetição.”
“O
fato da regra, considerado de maneira inteiramente
independente de suas modalidades, constitui, com efeito, a própria
essência da proibição do incesto. Porque se a natureza abandona a
aliança ao acaso e ao arbitráriõ, é impossível à cultura não
introduzir uma ordem, de qual· quer espécie que seja, onde não
existe nenhuma. O papel primordial da cultura está em garantir a
existência do grupo como grupo, e portanto em substituir, neste
domInio como em todos os outros, a organização ao acaso.' A
proibição do incesto constitui uma certa forma - e mesmo formaS
muito diversas - de intervenção. Mas, antes de tudo, é
intervenção, ou, mais exatamente ainda, é a Intervenção.”
“O
caçador Esquimó da baia de Hudson que abate uma -morsa recebe os
dentes e um membro anterior. O que ajudou o primeiro tem direito ao
outro membro anterior, o pescoço e a cabeça são dados ao seguinte,
o ventre ao terceiro e cada um dos dois últimos recebe um dos
membros posteriores. Mas, em período de escassez, todos os direi·
tos de distribuição ficam suspensos, e a presa é considerada como
bem comum da comunidade inteira.”
“A
distribuição organizada dos produtos alimenticios aplicava·se sem
dúvida outrora, entre os cafres, aos alimentos vegetais e ao leite.
Assim como à carne. Mas ainda hoje "o ato de retalhar um boi na
praça central da aldeia, ou as presas mortas na caçada, dá às
crianças uma dramática demonstração do papel das relações de
parentesco e da série de obrigações recíprocas que acarretam"."
Os Thonga atribuem um quarto traseiro ao irmão mais velho. um quarto
dianteiro ao innão mais moço, os dois outros membros aos filhos
mais velhos, o coração e os rins às mulheres, o rabo e as ancas
aos aliados, e um pedaço do filé ao tio
matemo.
“Para
admitir a equiparação das mulheres aos bens, de um lado es· cassos
e de outro essenciais à vida do grupo, não é preciSO evocar o
vocabulário matrimonial da Grande Rússia, onde o noivo é chamado
"o negociante" e a noiva "a mercadoria",1T A
comparação parece menos chocante se tivermos presentes no espírito
as análises de A. Richards, que põem em evidência os sistemas de
equivalências psicofislológicas do peno samento indígena: "O
alimento é a fonte das emoções mais intensas, fornece a base de
algumas das noções mais abstratas e das metáforas do pensamento
religioso... para o primitivo, o alimento pode tornar·se o símbolo
das experiências espirituais mais altas e a expressão das relações
sociais mais essenciais".
“A
experiência primitiva afirma, aliás, a continuidade entre as
sensações orgânicas e as experiências espirituais. O alimento
está inteiramente impregnado de sinais e de perigos. O sentimento de
"calor" pode ser um denominador comum de estados para nós
tão diferentes quanto a cólera, o amor ou o empanturramento. Este
último, por sua vez, Impede as comunicações com o mundo
sobrenatural.”
'Examinemos
primeiramente o caráter de escassez.Existe um equilíbrio biológico
entre os nascimentos masculinos e femininos. Exceto nas sociedades
nas quais este equilíbrio é modificado pela intervenção dos
costumes, todo indivíduo macho deve portanto ter uma possibilidade,
que se aproxima de uma probabilidade multo alta, de encontrar uma
esposa . .será...possível, nessas condições, falar das mulheres
como de um bem es· cassa,.cuja .distribuição exige a intervenção
coletiva?”
“A
pureza de alma, no sentido da Escola de Viena, nada tem a ver por
conseguinte com o que chamaríamos
de bom grado, em vez de monogamia, uma forma de poligamia abortada.
Porque, tanto nessas sociedades quanto nas que sancionam
favoravelmente as uniões polígamas
e quanto na nossa própria, a tendência é no sentido da
multiplicação das esposas.”
“Terminemos
pelo Oriente esta visão geral: "Para um homem sem mulher não
há paraíso no céu nem paraíso na terra... Se a mulher não
tivesse sido criada não haveria nem sol nem lua, não haveria
agricultura nem fogo". Tal como os Judeus orientais e os antigos
Babilônios, os Mandeano consideram o celibato um pecado. Os
solteiros de um e outro sexo (especialmente os monges e as monjas)
são entregues sem defesa ao comércio com os demônios, de que
nascem os maus espíritos e os gênios
maléficos que perseguem a espécie humana. Já
os
índios Navaho participam da mesma teoria, segundo a qual mesmo nos
três primeiros dos quatro mundos inferiores subsistem a distinção
dos sexos e suas relações, tão grande é a dificuldade que os
indígenas têm de imaginar uma forma de existência. mesmo a mais
baixa e miserável. Onde não haja o benefício dessa distinção".
Mas os sexos são separados no quarto mundo, e os monstros são fruto
da masturbação a que cada sexo se acha reduzido.”
CAPÍTULO
IV - Endogamia e Exogamia.
A
poligamia. forma especial de reciprocidade. Endogamia verdadeira e
endogamia funcional. Os limites do grupo social.
O caso dos Apinagé. Exogamia e proibição do incesto.
O
Ensaio Sobre a dádiva. A troca nas sociedades primitivas e
nas sociedades contemporâneas. Extensão às leis do casamento. A
noção de arcaismo e suas implicações. Da troca dos bens à troca
das mulheres.
Caracteres
gerais das organizações dualistas. Distribuição. Natureza: clãs
e classes. A organização dualista como instituição e como
princípio. Discussão de três exemplos: Nova Guiné, Assam,
Califórnia. Conclusão: a organização dualista reduz-se a um
método para a solução de certos problemas da vida social.
"Ao
estabelecer uma regra de obediência geral - qualquer que seja essa
regra - o grupo afirma seu direito de controle sobre o que considera
legitimamente um valor essencial. Recusa-se a sancionar a
desigualdade natural da distribuição do sexo nas famílias e
estabelece, com base no único fundamento possível, a liberdade de
acesso às mulheres do grupo, reconhecida a todos os indivíduos.
Este fundamento, em suma, é o seguinte: nem estado de fraternidade
nem o de paternidade podem ser invocados para reivindicar uma esposa,
mas esta reivindicação vale somente enquanto direito pelo qual
todos os homens são iguais na competição por todas as mulheres,
com suas relações respectivas definidas em termos de grupo e não
de família.
Origem
da noção de reciprocidade. Dados da psicologia infantil. Sua
interpretação. A criança e o primitivo segundo Freud e segundo·
Piaget. Critica de S. Isaacs. O pensamento da criança representa uma
experiência mais geral que a do adulto. O princípio de
reciprocidade no pensamento infantil. A ampliação da experiência
psicológica e social.
Endogamia
e Exogamia
Ao
estabelecer uma regra de obediência geral - qualquer que seja essa
regra - o grupo afirma seu direito de controle sobre o que considera
legitimamente um valor essencial. Recusa-se a sancionar a
desigualdade natural da distribuição do sexo nas famílias e
estabelece, com base no único fundamento possível, a liberdade de
acesso às mulheres do grupo, reconhecida a todos os indivíduos.
Este fundamento, em suma, é o seguinte: nem estado de fraternidade
nem o de paternidade
podem ser invocados para reivindicar uma esposa, mas esta
reivindicação vale somente enquanto direito pelo qual todos os
homens são iguais na competição por todas as mulheres,
com suas relações respectivas definidas em termos de grupo e não
de família.
A
troca se apresenta nas sociedades primitivas menos em forma de
transações que de dons recíprocos, e em seguida que estes dons
recíprocos ocupam um lugar muito mais importante nessas sociedades
que na nossa. Finalmente, que esta forma primitiva das trocas não
tem somente, nem essencialmente, caráter econômico, mas coloca-nos
em face do que chama, numa expressão feliz, "um fato social
total", isto é, dotado de significação simultaneamente
social e religiosa, mágica e econômica, utilitária e sentimental,
jurídica e moral. (...) esta atitude do pensamento primitivo a
respeito da transmissão dos bens não se exprime somente em
instituições nitidamente definidas e localizadas. Impregna todas
as operações, rituais ou profanas, no curso das quais são dados ou
recebidos objetos e produtos. Por toda parte encontramos a dupla
suposição, implícita ou explícita, que os presentes recíprocos
constituem um modo, normal ou privilegiado conforme o grupo de
transmissão dos bens, ou de certos bens, e que estes presentes não
são oferecidos principalmente, ou em todo o caso essencialmente, com
a finalidade de obter um benefício ou vantagens de natureza
econômica. [sobre a sociedade moderna e a reciprocidade presente nas
trocas](...) pleno domínio da reciprocidade. Tudo se passa, em nossa
sociedade, como se certos bens, de valor de consumo não essencial,
mas aos quais ligamos grande apreço psicológico, estético ou
sensual, como as flores, os bombons, e os "artigos de luxo",
fossem considerados como devendo convenientemente ser adquiridos em
forma de dons recíprocos, e não em forma de troca ou de consumo
individual.(...) Festas e cerimônias regulam também entre nós o
retorno periódico e o estilo tradicional de vastas operações de
troca. (...) Embora tenham a idéia da propriedade individual, o que
cada um possui é tão banal e fácil de obter que todos emprestam e
tomam emprestado, sem se preocuparem demasiado em restituir". Os
Yakut recusavam-se a crer que em algum lugar do mundo se pudesse
morrer de fome, quando é tão fácil ir participar da refeição de
um vizinho. Os requintes da divisão ou da distribuição aparecem,
portanto, com a urgência ou a ausência da necessidade. [sobre
rituais e reciprocidade] (...) o ritual das trocas não está somente
presente nas refeições de cerimônia. A polidez exige que se
ofereça o sal, a manteiga, o pão, e que se apresente o prato ao
vizinho, antes da pessoa servir-se. (...) Como a exogamia, a
proibição do incesto é uma regra de reciprocidade, porque não
renuncio à minha filha ou à minha irmã senão com a condição
que meu vizinho também renuncie. A violenta reação da comunidade
em face do incesto é a reação de uma comunidade lesada. A troca
pode não ser - diferentemente da exogamia - nem explícita nem
imediata. Mas o fato de que posso obter uma mulher é em última
análise conseqüência do fato de um irmão ou um pai terem
renunciado a ela. Apenas, a regra não diz em proveito de quem é
feita a renúncia. O beneficiário, ou em todo caso a classe
beneficiária, é ao contrário delimitada no caso da exogamia. A
única diferença consiste portanto em que na exogamia exprime-se a
crença de que é preciso definir as classes para que se possa
estabelecer uma relação entre as classes, enquanto na proibição
do incesto basta a relação unicamente para definir, em cada
instante da vida social, uma multiplicidade complexa e continuamente
renovada de termos direta ou indiretamente solidários. (...)
Finalmente, é preciso notar que "a compensação" (te
malai), que inaugura as trocas matrimoniais, representa uma
indenização pela abdução da noiva Mesmo o casamento por captura
não contradiz a regra da reciprocidade, sendo antes um dos meios
jurídicos possíveis para pô-la em prática. A abdução da noiva
exprime de maneira dramática a obrigação em que está todo grupo
possuidor de moças de cedê-las. Torna manifesta a disponibilidade
delas. Seria, portanto, falso dizer que se trocam ou que se dão
presentes, ao mesmo tempo que se trocam ou se dão mulheres.
CAPITULO
V - O Princípio da Reciprocidade.
A
troca se apresenta nas sociedades primitivas menos em forma de
transações que de dons recíprocos, e em seguida que estes dons
recíprocos ocupam um lugar muito mais importante nessas sociedades
que na nossa. Finalmente, que esta forma primitiva das trocas não
tem somente, nem essencialmente, caráter econômico, mas coloca-nos
em face do que chama, numa expressão feliz, "um fato social
total", isto é, dotado de significação simultaneamente
social e religiosa, mágica e econômica, utilitária e sentimental,
jurídica e moral. (...) esta atitude do pensamento primitivo a
respeito da transmissão dos bens não se exprime somente em
instituições nitidamente definidas e localizadas. Impregna todas
as operações, rituais ou profanas, no curso das quais são dados ou
recebidos objetos e produtos. Por toda parte encontramos a dupla
suposição, implícita ou explícita, que os presentes recíprocos
constituem um modo, normal ou privilegiado conforme o grupo de
transmissão dos bens, ou de certos bens, e que estes presentes não
são oferecidos principalmente, ou em todo o caso essencialmente, com
a finalidade de obter um benefício ou vantagens de natureza
econômica.
[sobre
a sociedade moderna e a reciprocidade presente nas trocas]
(...)
pleno domínio da reciprocidade. Tudo se passa, em nossa sociedade,
como se certos bens, de valor de consumo não
essencial, mas aos quais ligamos grande apreço psicológico,
estético ou sensual, como as
flores, os bombons, e os "artigos de luxo", fossem
considerados como devendo convenientemente ser adquiridos em forma de
dons recíprocos, e não em forma de troca ou de consumo
individual.(...) Festas e cerimônias regulam também entre nós o
retorno periódico e o estilo tradicional de vastas operações de
troca. (...) Embora tenham a idéia da propriedade individual,
o que cada um possui é tão banal e fácil de obter que todos
emprestam e tomam emprestado, sem se preocuparem demasiado em
restituir". Os Yakut recusavam-se a crer que em algum
lugar do mundo se pudesse morrer de fome, quando é tão fácil ir
participar da refeição de um vizinho. Os requintes da divisão ou
da distribuição aparecem, portanto, com a urgência ou a ausência
da necessidade.
[sobre
rituais e reciprocidade]
(...)
o ritual das trocas não está somente presente nas refeições de
cerimônia. A polidez exige que se ofereça o sal, a manteiga, o pão,
e que se apresente o prato ao vizinho, antes da pessoa servir-se. (…)
Como
a exogamia, a proibição do incesto é uma regra de reciprocidade,
porque não renuncio à minha filha ou à minha irmã senão com a
condição que meu vizinho também renuncie. A violenta reação da
comunidade em face do incesto é a reação de uma comunidade lesada.
A troca pode não ser - diferentemente da exogamia - nem explícita
nem imediata. Mas o fato de que posso obter uma mulher é em última
análise conseqüência do fato de um irmão ou um pai terem
renunciado a ela. Apenas, a regra não diz em proveito de quem é
feita a renúncia. O beneficiário, ou em todo caso a classe
beneficiária, é ao contrário delimitada no caso da exogamia. A
única diferença consiste portanto em que na exogamia exprime-se a
crença de que é preciso definir as classes para que se possa
estabelecer uma relação entre as classes, enquanto na proibição
do incesto basta a relação unicamente para definir, em cada
instante da vida social, uma multiplicidade complexa e continuamente
renovada de termos direta ou indiretamente solidários.
(...)
Finalmente, é preciso notar que "a compensação" (te
malai), que inaugura as trocas matrimoniais, representa uma
indenização pela abdução da noiva Mesmo o casamento por captura
não contradiz a regra da reciprocidade, sendo antes um dos meios
jurídicos possíveis para pô-la em prática. A abdução da noiva
exprime de maneira dramática a obrigação em que está todo grupo
possuidor de moças de cedê-las. Torna manifesta a disponibilidade
delas. Seria, portanto, falso
dizer que se trocam ou que se dão presentes, ao mesmo tempo que se
trocam ou se dão mulheres.
CAPÍTULO
XXIX - Os
Princípios do Parentesco.
Assim,
é sempre um sistema de troca que encontramos na origem das regras do
casamento, mesmo daquelas cuja aparente singularidade parece poder
justificar-se somente por uma interpretação simultaneamente
especial e arbitrária. Em todo este trabalho vimos a noção de
troca complicar-se e diversificar-se. Apareceu-nos constantemente em
outras formas. Ora a troca apresentou-se como direta (é o caso do
casamento com a prima bilateral), ora como indireta (e neste caso
pode corresponder a duas fórmulas, contínua e descontínua,
referentes a duas regras distintas de casamento com a prima
unilateral). Ora a troca funciona em um sistema global (é o caráter,
teoricamente comum, do casamento bilateral e do casamento
matrilateral), ora provoca a formação de um número ilimitado de
sistemas especiais e de ciclos estreitos, sem relação entre si (e,
nessa forma; ameaça, como risco permanente, os sistemas de metades,
e ataca, como inevitável fraqueza, os sistemas patrilaterais). Ora a
troca aparece como uma operação à vista, ou a curto prazo (com a
troca é explícita e, ora implícita (conforme vimos no exemplo uma
operação a prazo mais dilatado (como nos casos em que os graus
proibidos englobam os primos em primeiro grau e às vezes em segundo
grau), ora, a troca das irmãs e das filhas, e o casamento
avuncular), ora, como do pretenso casamento por compra). Ora a troca
é fechada (quando o casamento deve satisfazer a uma regra especial
de aliança entre classes matrimoniais ou de observância de graus
preferenciais), ora é aberta (quando a regra da exogamia reduz-se a
um conjunto de estipulações negativas, deixando a escolha livre
além dos graus proibidos). Ora é caucionada por uma espécie de
hipoteca sobre categorias reservadas (classes ou graus), ora (como no
caso da proibição do incesto simples, como é encontrada em nossa
sociedade) repousa sobre uma garantia mais larga e de caráter
financeiro, a saber, a liberdade teórica de pretender qualquer
mulher do grupo, mediante a renúncia a certas mulheres determinadas
do circulo da família, liberdade assegurada pela extensão a todos
os homens de uma proibição semelhante à que afeta cada um deles em
particular. Mas, seja em forma direta ou indireta, seja em forma
global ou especial, mediata ou postergada, explícita ou implícita,
fechada ou aberta, concreta ou simbólica, é a troca, sempre a
troca, que aparece como base fundamental e comum de todas as
modalidades da instituição matrimonial. Se estas modalidades podem
ser reunidas sob a designação geral de exogamia (porque, assim como
vimos na primeira parte deste trabalho, a endogamia não se opõe à
exogamía, mas a supõe), é com a condição de perceber, atrás da
expressão superficialmente negativa da regra da exogamia, a
finalidade que tende a garantir, pela proibição do casamento nos
graus interditos, a circulação total e continua desses bens do
grupo por excelência que são as mulheres e suas filhas. O valor
funcional da exogamia, definida em sentido mais amplo, foi com
efeito sendo determinado e afirmado nos capítulos anteriores. Este
valor é a princípio negativo. A exogamia fornece o único meio de
manter o grupo como grupo, de evitar o fracionamento e a divisão
indefinidos que seriam o resultado da prática dos casamentos
consanguíneos.
CAPÍTULO III - O Universo das Regras
"Se a raiz da proibição do incesto está na natureza, entretanto é apenas por seu termo, isto é, como regra social, que podemos apreendê-la."
Nenhum comentário:
Postar um comentário