terça-feira, 25 de julho de 2017

As Estruturas Elementares do Parentesco

As Estruturas Elementares do Parentesco

As estruturas elementares do parentesco (em francês Les structures élémentaires de la parenté) é uma obra do antropólogo e filósofo Claude Lévi-Strauss editado pela primeira vez em 1949, nela o autor trata o tema do parentesco de forma a desmentir questões muito discutidas no contexto Cultural.
No primeiro capítulo, o autor desenvolve a ideia de que a cultura não é justa ou superposta à vida. "Existe um comportamento estranho da espécia ao qual o indivíduo possa voltar diante essas coisas." Não há um caráter pré-cultural do homem. A ausência de regra parece ser um bom critério de diferenciação entre natureza e cultura, porém, constância e regularidade existem nas duas. Nesse sentido, o autor define que o caráter da norma pertence à outra pessoa, enquanto que o caráter universal pertence à natureza. Não Existe um mecanismo de articulação ente natureza e cultura. A proibição do incesto é regra (caráter normativo da instituição indica o campo da cultura) de caráter universal (do campo da natureza).
No segundo capítulo, o autor diz que a proibição do incesto é uma regra pré-social, pois...
a. é estrangeira;
b. pelo tipo de relação que impõe sua norma (o instinto universal: é o único instinto que necessita do mesmo, portanto, sugere relacionamento de indivíduos).

A proibição do incesto é a própria cultura

Distintos intelectuais desenvolveram explicações para a proibição do incesto, explicações das quais pode-se dividir em três tipos:
O primeiro tipo procura manter a dualidade do caráter da proibição (separando natureza e cultura). A proibição seria uma forma de proteger os homens do caráter nefasto do casamento consanguíneo. Mas é prova científica que do ponto de vista da hereditariedade, "as proibições de casamento não parecem justificadas." Esta é uma visão instrumental: a cultura seria entendida como uma solução da sociedade para os problemas da natureza.
O segundo tipo de explicação elimina o termo cultura e explica a proibição pelo seu caráter natural: o homem teria horror instintivo ao incesto. A crítica a esta explicação reside no fato de que se isso fosse realmente instintivo, não haveria necessidade da proibição. Mas a proibição é uma regra social, embora universal.
As explicações do terceiro tipo também eliminam um termo, a natureza. A proibição seria uma regra social, puramente, e o caráter fisiológico seria apenas um aspecto acidental. Articulando o incesto ao totemismo, a proibição seria assim um vestígio da regra da exogamia. Levi-Strauss afirma que uma explicação histórica não esgota o problema. Portanto, o terceiro tipo de explicação é vago.
O problema do incesto não reside em provar quais configurações históricas levaram a tais ou quais modos de instituições de sociedades em particular, mas sim que causa profunda faz com que todas as sociedades em todos os lugares e tempos regulem as relações entre os sexos (este é um olhar sincrônico sobre o problema). A proibição do incesto é a única regra que assegura o domínio da cultura sobre a natureza. É ao mesmo tempo "o passo dado da natureza e da cultura. A proibição do incesto é o vínculo que une as duas. Sem ela a cultura ainda não está dada; com ela a natureza deixa de existir como um reino soberano."
No capítulo três, destaca-se que a proibição do incesto exprime a passagem dos fato natural da consanguinidade ao fato cultural da aliança. A cultura se inclina diante da fatalidade da herança biológica. Mas a cultura torna-se consciente de seus direitos diante do fenômeno da aliança. A partir de então a natureza não vai mais a diante. A natureza tem indiferença na modalidade das relações entre os sexos. A natureza impõe a aliança sem determiná-la. A cultura recebe este fato e imediatamente define a modalidade - a natureza deixa a aliança ao acaso, a cultura dá as regras.

A cultura preenche uma universalidade vaga com a regra

A cultura faz uma intervenção, que é substituir o acaso pela organização. A base da aliança está no equilíbrio necessário entre dar e receber. As mulheres seriam um bem escasso, cuja distribuição necessita de uma intervenção coletiva. Isso está baseado na ideia de que a poligamia faz com que o número de mulheres não seja o suficiente. Mesmo se não for essa a modalidade, o problema é que as mulheres desejáveis são uma minoria, portanto o problema da escassez é inevitável. A demanda de mulheres está sempre virtual ou realmente em estado de tensão.
O casamento possui não só uma importância erótica, mas também econômica, na divisão de trabalho entre os sexos.


Lévi-Strauss é o principal expoente da corrente estruturalista na Antropologia. Para fundá-la, Lévi-Strauss buscou elementos das ciências que, no seu entender, haviam feito avanços significativos no desenvolvimento de um pensamento propriamente objetivo. Sua maior inspiração foi a Lingüística Estruturalista da qual faz constante referência, por exemplo, a Jakobson.
Ao apropriar-se do pensamento estruturalista para aplicá-lo à antropologia, Lévi-Strauss pretende chegar ao modus operandi do espírito humano. Deve haver, no seu entender, elementos universais na atividade do espírito humano entendidos como partes irredutíveis e suspensas em relação ao tempo que perpassariam todo modo de pensar dos seres humanos.
Nesta linha de pensamento, Lévi-Strauss chega ao par de oposições como elemento fundamental do espírito: todo pensamento humano opera através de pares de oposição. Para defender esta sua tese, Lévi-Strauss analisa milhares de mitos nas mais variadas sociedades humanas encontrando nelas modos de construção análogas em todas.
Para fundamentar o debate teórico, Lévi-Strauss recorre a duas fontes principais: a corrente psicológica criada por Wilhelm Wundt e o trabalho realizado no campo da linguistica, por Ferdinand de Saussure, denominado Estruturalismo. Influenciaram-no, ainda, Durkheim, Jakobson (teoria linguística), Kant (idealismo) e principalmente Marcel Mauss.
Para a Antropologia estrutural as culturas definem-se como sistemas de signos partilhados e estruturados por princípios que estabelecem o funcionamento do intelecto. Em 1949 Lévi-Strauss publica "As estruturas elementares de parentesco", obra em que analisa, entre outros povos, os aborígenes australianos e, em particular, os seus sistemas de matrimônio e parentesco. Nesta análise, Lévi-Strauss demonstra que as alianças são mais importantes para a estrutura social que os laços de sangue. Termos como exogamia, endogamia, aliança, consanguinidade passam a fazer parte das preocupações etnográficas.


CAPÍTULO - Da Natureza à Cultura
Estado de natureza e estado de sociedade. O problema da passagem de um ao outro. As "crianças selvagens". As formas superiores da vida animal. O critério da universalidade. A proibição do incesto como regra universal
O limite entre Natureza e Cultura sempre foi, sem dúvida, um dos debates mais calorosos, senão dentro da Antropologia, entre a Antropologia e as outras ciências. A importância da determinação daquilo que é natural e daquilo que é cultural é justamente o debate daquilo que pode ser determinado ou não pela ordem biológica.
"Onde acaba a natureza? Onde começa a cultura?" [Levi-Strauss:1976, p. 42].
Para o autor, esta questão é fundamental para a própria disciplina da Antropologia, e negar essa questão seria negar a possibilidade de se estudar a própria cultura humana, uma vez que não seria possível saber o que é cultural e o que é determinado biologicamente.
Lévi-Strauss então, no Capítulo I d'As Estruturas Elementares do Parentesco, faz justamente o esforço de buscar uma maneira de identificar em que momento seria possível determinar como o fim do biológico e o início do cultural, o início do social. Para isso ele vai tratar de alguns métodos possíveis de se descobrir o limite entre o biológico e o cultural.
Para ele:
O método mais simples consistiria em isolar uma criança recém-nascida e observar suas reações a diferentes excitações durante as primeiras horas ou os primeiros dias depois do nascimento. Poder-se-ia então supor que as respostas fornecidas nessas condições são de origem psicobiológicas, e não dependem de sínteses culturais ulteriores [Levi-Strauss:1976, p. 42].
Mas hoje podemos perceber o quanto essa hipótese é absurda. Os estudos de Desenvolvimento da Criança nos mostram que só é possível pensar o desenvolvimento do ser humano a partir dos estímulos que ele recebe, e que ao contrário da afirmação de que "a criança anda espontaneamente desde que organicamente for capaz de fazê-lo" [Levi-Strauss:1976, p. 42], se a criança não receber os estímulos sociais ela não irá se desenvolver. Desta forma, com aquilo que conhecemos hoje, é impossível pensar o desenvolvimento humano separado do meio social, o próprio desenvolvimento motor e intelectual está intimamente ligado ao meio social, de forma que não é possível fazer a cisão do momento que a criança trabalha somente a partir dos instintos para quando ela começa a aprender. Hoje se afirma que a criança começa a aprender mesmo dentro do útero materno.
O próprio autor, após analisar casos de crianças perdidas na mata (os "meninos-lobo") percebe a limitação desta abordagem: A outra opção passa a ser a de procurar justamente na comparação entre o comportamento humano e o comportamento animal, colocando o comportamento humano como cultural e o animal como biológico. A utilização da "antinomia entre a cultura e a natureza" representada na relação entre homem e animal parte de um pressuposto pouco discutido de que o homem é o único animal que cria cultura. Este pressuposto, como eu disse, é pouco discutido, mas cada vez mais estão surgindo experiências que colocam isso em questão.
A opção passa a ser a de "reconhecer o esboço, os sinais precursores da cultura" nos macacos antropóides. E é a partir da análise da "promiscuidade" da forma como se dão as relações sexuais nesses grupos, que o autor chega à conclusão de que esta ausência de regra parece oferecer o critério mais seguro que permita distinguir um processo natural de um proceseso cultural[Levi-Strauss:1976, p. 46].]
Então se a ausência de regras é o que define essa distinção, para se determinar o limite entre natureza e cultura é preciso buscar a regra que está presente em todas as culturas, pois assim estaríamos chegando àquilo que define o início do processo de formação cultural. E esta regra, segundo o autor, é a da proibição do incesto.
Porque a proibição do incesto apresenta, sem o menor equívoco e indissoluvelmente reunidos, os dois caracteres nos quais reconhecemos os atributos contraditórios de duas ordens exclusivas, isto é, constituem uma regra, mas uma regra que, única entre todas as regrgas sociais, possui ao mesmo tempo caráter de universalidade [Levi-Strauss:1976, p. 47].
A característica universal da proibição do incesto se dá, segundo o autor, pelo caráter limiar da própria questão, uma vez que essa envolve algo reconhecidamente natural (o ato sexual), mas envolve também algo reconhecidamente social (a regra). Para Lévi-Strauss, a regra é o elemento fundamental na caracterizaçåo da cultura.
A proibição do incesto possui ao mesmo tempo a universalidade das tendências e dos instintos e o caráter coercitivo das leis e das instituições [Levi-Strauss:1976, p. 49].
A partir da proibição do incesto, o autor explica o surgimento de instituições como o matrimônio: “a proibição do incesto obriga-os a estabelecer uma série de normas através das quais se possa determinar a forma pela qual será feita a distribuição das mulheres, que estão imobilizadas no seio do grupo familiar” [Lobato:1999].
A noção de Estrutura
Para Lévi-Strauss, a cultura é um sistema onde todas as coisas estão relacionadas de forma que a alteração de um desses elementos resultaria na alteração de todo o sistema.
O que há em comum a todos esses sistemas, presentes em diferentes culturas é a estrutura. O estruturalismo de Lévi-Strauss tem, neste sentido, uma intenção de universalidade, pois ele pretende mapear aquilo que há em comum a qualquer cultura, como uma estrutura fundamental da própria condição humana.
Como qualquer proposta metodológica que tenha intenção de universalidade, o Estruturalismo também sofre do mal de ausência de critérios. Fica a cargo da competência do antropólogo chegar ou não à essas estruturas. Um bom antropólogo conseguirá perceber os elementos estruturais de uma cultura, se algo não é respondido por essa estrutura, significa que o trabalho não foi bem feito e que ocorreu algum erro de análise.
Em O Feiticeiro e a sua Magia, a proposta metodológica é apresentada de forma bastante clara. Lévi-Strauss ao tomar uma intenção parecido com a de Kant na Crítica a Razão Pura, utiliza um artifício razoavelmente semelhante, ao colocar a ciência ocidental como capaz de explicar os acontecimentos de qualquer outra cultura. O autor monta um esquema no qual a eficiência do feiticeiro está diretamente ligada ao grau de crença da sociedade na própria eficiência do feiticeiro, de forma que o mal ou o bem produzido por este seriam fruto apenas da forma como o próprio indivíduo e a sociedade agem depois da ação do feiticeiro.
Assim como Kant foi criticado por tentar fundamentar a possibilidade da ciência utilizando os resultados da própria ciência, Lévi-Strauss merece a crítica de colocar a ciência ocidental (no caso, a psicologia), acima de qualquer suspeita. Aquilo que seria uma característica do funcionamento particular daquela cultura, o autor explica através de processos de "auto-indução" criados pela ciência ocidental. Isso, apesar de representar um problema metodológico, é um dos pilares do estruturalismo, que conta que o indivíduo de uma sociedade não se dá conta das estruturas, e apenas o antropólogo (o bom antropólogo, é claro) poderá analisar aquela sociedade como uma totalidade e perceber as estruturas. No caso que estou colocando aqui, a sociedade que acredita em feitiçaria não tem consciência sobre as estruturas que as regem, e o antropólogo é quem tem como dar conta disso. No caso em questão, as "estruturas fundamentais" daquela cultura são explicadas pela ciência ocidental.
A questão que talvez não tenha ficado tão clara ao se explicar isso tudo, é que a proposta colocada por Lévi-Strauss carrega um nível complicado de etnocentrismo, a partir do momento em que ele tenta explicar o funcionamento de uma cultura através de elementos de outra, que na verdade é a própria proposta do estruturalismo.
É claro que precisamos perceber também que, mesmo que ignoremos o problema do etnocentrismo, ainda teremos o problema da ausência de critérios para se estabelecer o universal, restando apenas o método indutivo que não cabe neste trabalho criticar. Mas sem dúvida não podemos ignorar a influência deste autor ao propor um método de análise rigorosa do trabalho etnográfico, pensando a sociedade em partes que formam um todo estrutural, mas sem dúvida, os problemas apontados não são despresíveis, uma vez que o estruturalismo foi abandonado quase que totalmente pela academia a partir da década de 1990, dando lugar ao pós-estruturalismo, que como o próprio nome já diz, só pode existir depois do estruturalismo.
Mas existe, atrás da atitude que discutimos, uma confusão infinitamente mais grave. Se o horror do incesto resultasse de tendências fisiológicas ou psicológicas congênitas, por que se exprimiria em forma de uma proibição ao mesmo tempo tão solene e tão essencial que é encontrada em todas as sociedades humanas aureolada pelo mesmo prestígio sagrado?As explicações do terceiro tipo têm em comum com a que acaba de ser discutida o fato de pretenderem, também elas, eliminar um dos termos da antinomia. Neste sentido, ambas se opõem às explicações do primeiro tipo, que conservam os dois termos, embora tentando dissociá-los.(...) Vê na proibição do incesto uma regra de origem puramente social, cuja expressão em termos biológicos é um aspecto acidental e secundário. (...) Considerada como instituição social, a proibição do incesto aparece sob dois aspectos diferentes. Ora achamo-nos somente em presença da proibição da união sexual entre consangüíneos ou colaterais próximos, ora esta forma de proibição, fundada sobre um critério biológico definido, é apenas um aspecto de um sistema mais amplo, do qual parece estar ausente qualquer base biológica. Em numerosas sociedades a regra da exogamia) proíbe o casamento entre categorias sociais que incluem os parentes próximos. mas, juntamente com eles, um número considerável de indivíduos entre os quais não é possível estabelecer nenhuma relação de consangüinidade ou de colateralidade, ou, em todo caso, só relações muito distantes. Neste último caso, é o capricho aparente da nomenclatura que equipara os indivíduos feridos pelo interdito a parentes biológicos. (…)
Fichamento deste capítulo.:
1. Repúdio a distinção entre estado de natureza e sociedade: As mais antigas das organizações sociais já tinham uma cultura, portanto, o problema está nas várias propostas de distinção
2. Trata-se de uma distinção lógica, na falta de uma significação histórica aceitável, utilizada pela sociologia como instrumento metodológico. Enquanto o fator biológico relaciona-se com a natureza, o indivíduo enquanto social relaciona-se com a condição.Um estímulo físico-biológico e outros psicossocial podem gerar relações do mesmo tipo, sendo que, na maioria dos casos, há uma integração entre ambos: "a cultura não pode ser considerada nem simplesmente justaposta nem simplesmente superposta á vida".
3. A dificuldade se inicia, portanto, na análise: Qual fator é biológico e qual é cultural? " Por que mecanismos atitudes de origem cultural podem enxertar-se em comportamentos que são de natureza biológica, e conseguir integra-los a si?". Ou seja, os problemas das passagens entre as duas ordens.
4. Problemática cíclica em se estudar tal dicotomia por meio da separação de um bebe do convívio social.
5. Meninos selvagens encontrados no Século XVIII serviriam ao caso sem as problemáticas do artifício, mas a razão para o abandono era muitas vezes um problema mental ou congênito da criança.
6. Muitas dessas crianças, por seus afastamentos com a cultura, foram chamadas de idiotas congênitos
7. Pela imprescindível necessidade humana de sociabilidade, seria problemático o experimento, "dado que não há um comportamento natural senão o doméstico". O homem é doméstico pois é domesticado por outros homens.
8. Portanto, inexiste a possibilidade em se ver no homem uma ilustração de comportamento de caráter pré-cultural, e se estudarmos nos animais mais evoluídos um esboço do que seria a cultura, um estudo voltado aos mamíferos superiores, macacos antropóides? Um esboço do "modelo cultural universal": linguagem, valores estéticos, morais ou religiosos.
9. Pode até haver tais elementos, mas são muito pobres. Se o macaco tem a possibilidade de utilizar a linguagem quando forçado para tanto, porque não o faz naturalmente?
10. Impossibilidade de conclusões pela experiência. "Vida social dos macacos não se presta à formulação de nenhuma norma". Não há regularidade no comportamento nem do individuo, nem do contexto. A solução aos problemas é dada por meio de erros e acertos, e a relação de dominação entre animais é irregular.
11. Macacos antropóides: Mais gostos do que outros animais, na vida sexual, um comportamento semelhante ao homem, tanto no que se chama de normal como no que de anormal (contra as convenções sociais). Portanto, individualização do comportamento assemelham-no ao homem. Há um erro, assim, em Malinowski, de que o comportamento sexual dos machos antropóides são comuns na mesma espécie.
12. Não há nem um domínio normativo instintivo como nos mamíferos inferiores, nem normativo cultural como no homem.
13. Assim, a ausência de regra surge como a mais segura distinção de um processo natural do cultural. Impossível observar um fenômeno sendo exclusivamente cultural ou natural. Cultura: "instauração no [...] grupo dificilmente pode ser concebida sem linguagem.
14. Presença da regra, critério mais valido para ver onde há cultura: "Que tudo quanto é universal no homem depende da ordem da natureza e se caracteriza pela espontaneidade, e que tudo quanto esta ligado a uma norma pertence a cultura e apresenta os atributos do relativo e do particular". Proibição do incesto: Regra universal entre os grupos sociais.
15. Relatividade da questão da exceção.
16. Casamentos pode ser proibido de maneiras diferentes nas diferentes sociedades. O incesto sendo permitido (exceção) poderia ser restrito a uma certa categoria social
17. Ou o incesto, como no Egito, sua permissão (exceção) permitida aos primogênitos. Portanto, é universal e normativo, uma vez que sua proibição tem como sanção desde a morte, ate um ritual místico ou uma aversão moral.
18. Proibição do incesto: caráter universal (portanto natural) e normativo (portanto cultural)
19. Lévy-Bruhl: " questão do incesto [...] não admite solução nenhuma [...] É inútil perguntar por que razoes o incesto é proibido. Esta proibição não existe [...] ninguém pensa em proibi-la. É alguma coisa que não acontece. Ou se, por impossível isso acontecesse, seria alguma coisa inaudita, um monstrum, uma transgressão que espalha o horror e o pavor. As sociedades primitivas conhecem a proibição da autofagia ou do fratricídio? Essas sociedades não tem mais nem menos razão para proibir o incesto".
20.Lévi-Strauss critica a repugnância e timidez de sociólogos e antropologos como Lévy-Bruhl.
CAPÍTULO II - O Problema do Incesto.
As antinomias do problema do incesto.

O problema da proibição do Incesto apresenta-se à reflexão com toda a ambiguidade que, num plano diferente, explica sem dúvida o caráter sagrado da proibição enquanto tal. Esta regra, social por sua natureza de regra, é ao mesmo tempo pré-social por dois motivos, a saber, primeiramente pela universalidade, e em seguida pelo tipo de relações a que impõe sua norma. (...) vida sexual é duplamente exterior ao grupo. Exprime no mais alto grau a natureza animal do homem, e atesta, no próprio seio da humanidade, a sobrevivência mais característica dos instintos. Em segundo lugar, seus fins são transcendentes, novamente de duas maneiras, pois visam a satisfazer ou desejos Individuais, que se sabe suficientemente constarem entre os menos respeitosos das convenções sociais, ou tendências específicas que ultrapassam igualmente, embora em outro sentido, os fins próprios da sociedade, (...) o Instinto sexual é o único que para se definir tem necessidade do estímulo "de" outrem. (...) A proibição do incesto está ao mesmo tempo no limiar da cultura, na cultura, e em certo sentido - conforme tentaremos mostrar - é a própria cultura. (...) O primeiro tipo de explicação - que aliás segue a crença popular em vigor em numerosas sociedades. inclusive a nossa - procura manter a dualidade de caráter da proibição, mesmo dividindo-a em duas fases distintas, a origem da proibição do incesto é realmente ao mesmo tempo natural e social, mas no ,sentido de resultar de uma reflexão social sobre um fenômeno natural. (...) medida de proteção, tendo por finalidade defender a espécie dos resultados nefastos dos casamentos consanguíneos. (...) Um segundo tipo de explicação tende a eliminar um dos termos da antinomia entre os caracteres, natural e social, da instituição. (...) a proibição do incesto é apenas a projeção ou o reflexo no plano social de sentimentos ou tendências que a natureza do homem basta inteiramente para explicar. (...) com relação ao incesto explica-se pelo papel negativo dos hábitos cotidianos sobre a excitabilidade erótica. (...) Seria possível objetar a esses autores que confundem dois tipos de hábitos: o que se desenvolve entre dois indivíduos sexualmente unidos, sendo sabido que, tal hábito acarreta geralmente o enfraquecimento do desejo - a ponto, declara um biologista contemporâneo, "de introduzir um elemento de desordem em todo sistema social'" 3; e o que reina entre parentes próximos, ao qual se atribui o mesmo resultado, embora o costume sexual, que desempenha o papel determinante no primeiro caso, esteja manifestamente ausente no segundo. A interpretação proposta reduz-se pois a uma petição de princípio, isto é, na ausência de qualquer verificação experimental é impossível saber se a suposta observação sobre a qual nos apoiamos - a menor freqüência dos desejos sexuais entre parentes próximos - explica-se pelo hábito físico ou psico lógico, ou como conseqüência dos tabus que constituem a própria proibição. Mas existe, atrás da atitude que discutimos, uma confusão infinitamente mais grave. Se o horror do incesto resultasse de tendências fisiológicas ou psicológicas congênitas, por que se exprimiria em forma de uma proibição ao mesmo tempo tão solene e tão essencial que é encontrada em todas as sociedades humanas aureolada pelo mesmo prestígio sagrado? As explicações do terceiro tipo têm em comum com a que acaba de ser discutida o fato de pretenderem, também elas, eliminar um dos termos da antinomia. Neste sentido, ambas se opõem às explicações do primeiro tipo, que conservam os dois termos, embora tentando dissociá-los.(...) Vê na proibição do incesto uma regra de origem puramente social, cuja expressão em termos biológicos é um aspecto acidental e secundário. (...) Considerada como instituição social, a proibição do incesto aparece sob dois aspectos diferentes. Ora achamo-nos somente em presença da proibição da união sexual entre consanguíneos ou colaterais próximos, ora esta forma de proibição, fundada sobre um critério biológico definido, é apenas um aspecto de um sistema mais amplo, do qual parece estar ausente qualquer base biológica. Em numerosas sociedades a regra da exogamia) proíbe o casamento entre categorias sociais que incluem os parentes próximos. mas, juntamente com eles, um número considerável de indivíduos entre os quais não é possível estabelecer nenhuma relação de consanguinidade ou de colateralidade, ou, em todo caso, só relações muito distantes. Neste último caso, é o capricho aparente da nomenclatura que equipara os indivíduos feridos pelo interdito a parentes biológicos. (...) É verdade que, pelo caráter de universalidade, a proibição do incesto toca a natureza, isto é, a biologia ou a psicologia, ou ainda uma e outra, mas não é menos certo que, enquanto regra, constitui um fenômeno social e pertence ao universo das regras, isto é, da cultura, e por conseguinte à sociologia que tem por objeto o estudo da cultura. Mostramos que os antigos teóricos que se dedicaram ao problema da proibição do incesto colocaram-se em um dos três pontos de vista seguintes: alguns invocaram o duplo caráter, natural e cultural, da regra, mas se limitaram a estabelecer entre um e outro uma conexão extrínseca, constituída por uma atitude racional do pensamento. Outros, ou quiseram explicar a proibição do incesto, exclusivamente ou de maneira predominante, por causas naturais, ou então viram nela, exclusivamente ou de maneira predominante, um fenômeno de cultura. Verificamos que cada uma dessas três perspectivas conduz a impossibilidades ou a contradições. Por conseguinte, só resta aberto um único caminho, o que fará passar da análise estática à síntese dinâmica a proibição do incesto não é nem puramente de origem cultural nem puramente de origem natural, e também não é uma dosagem de elementos variados tomados de empréstimo parcialmente à natureza e parcialmente à cultura. Constitui o passo fundamental graças ao qual, pelo qual, mas sobretudo no qual se realiza a passagem da natureza à cultura. Em certo sentido pertence à natureza, porque é uma condição geral da cultura, e por conseguinte não devemos nos espantar em vê-la conservar da natureza seu caráter formal, isto é, a universalidade. Mas em outro sentido também já é a cultura, agindo e impondo sua regra no interior de fenômenos que não dependem primeiramente dela. Fomos levados a colocar o problema do incesto a propósito da relação entre a existência biológica e a existência social do homem, e logo verificamos que a proibição não depende exatamente nem de uma nem de outra. Propomo-nos neste trabalho fornecer a solução dessa anomalia, mostrando que a proibição do incesto constitui justamente o vinculo que as une uma à outra. (...) nem estática nem arbitrária, e desde que se estabelece a situação total aparece completamente modificada. Com efeito, é menos uma união do que uma transformação ou passagem. A proibição do incesto é o processo pelo qual a natureza se ultrapassa a si mesma. Acende a faisca sob a ação da qual forma-se uma estrutura de novo tipo, mais complexa, -e se superpõe, integrando-as, às estruturas mais simples da vida psíquica, assim como estas se superpõem, integrando-as, às estruturas, mais simples que elas próprias da vida animal. Realiza, e constitui por si mesma, o advento de uma nova ordem.

CAPÍTULO III - O Universo das Regras
Consanguinidade e aliança. A proibição do incesto, "regra como regra", O regime do produto escasso: regras de distribuição alimentar. Passagem às regras matrimoniais: casamento e celibato.

"Se a raiz da proibição do incesto está na natureza, entretanto é apenas por seu termo, isto é, como regra social, que podemos apreendê-la."

A proibição confunde-.se, então, com a regra da exogamia. As vezes também subsistem conjuntamente. Conforme foi muitas. vezes observado, a exogamia por si mesma não bastaria para proibir a aliança de uma mãe com seu filho, em uma sociedade de regime patrilinear, ou do pai com a filha, em uma sociedade matrilinear. Mas em muitos casos é a regra de exogamia ou o sistema de parentesco que decidem, sem levar em conta as conexões reais, postas de lado as do primeiro grau.”

O mesmo sistema, e também outros, vê na aliança do tio materno com a sobrinha, e mais raramente da tia materna com o sobrinho, tipos de casamentos muito recomendáveis e às vezes prescritos, ao passo que uma pretensão análoga da parte do tio paterno ou da tia materna suscitaria o mesmo horror que o incesto com os pais, aos quais estes colaterais são igualados."

"A proibição do Incesto por conseguinte não se exprime sempre em função das regras de parentesco real, mas têm por Objeto sempre os individuos que se dirigem uns aos outros empregandO certos termos. Isto continua verdadeiro, mesmo nos sistemas da Oceãnia que permitem o casamento com uma "irmã" por classificação, mas distinguem imediatamente entre /cave maori ou "irmã verdadeira" e kave kasese, I<irmã diferente", kave fa/catafatafa, "irmã posta de lado'~, /cave i take yayae, "irmã de um outro lugar"

Considerada do ponto de vista mais geral, a proibição do incesto exprime a passagem do fato natural da consangüinidade ao fato cultuo ral da aliança.”

O dominio da natureza caracteriza·se pelo fato de nele só se dar o que se recebe. O fenômeno da hereditariedade exprime esta permanência e continuidade. No domínio da cultura, ao contrário, o indivíduo recebe sempre mais do que dá, e ao mesmo tempo dá mais do que recebe.”

Considerado desse ponto de vista, o problema da passagem da natureza à cultura reduz,se, portanto, ao problema da Introdução de processos de acumulação no 'Interior de processos de repetição.”

O fato da regra, considerado de maneira inteiramente independente de suas modalidades, constitui, com efeito, a própria essência da proibição do incesto. Porque se a natureza abandona a aliança ao acaso e ao arbitráriõ, é impossível à cultura não introduzir uma ordem, de qual· quer espécie que seja, onde não existe nenhuma. O papel primordial da cultura está em garantir a existência do grupo como grupo, e portanto em substituir, neste domInio como em todos os outros, a organização ao acaso.' A proibição do incesto constitui uma certa forma - e mesmo formaS muito diversas - de intervenção. Mas, antes de tudo, é intervenção, ou, mais exatamente ainda, é a Intervenção.”

O caçador Esquimó da baia de Hudson que abate uma -morsa recebe os dentes e um membro anterior. O que ajudou o primeiro tem direito ao outro membro anterior, o pescoço e a cabeça são dados ao seguinte, o ventre ao terceiro e cada um dos dois últimos recebe um dos membros posteriores. Mas, em período de escassez, todos os direi· tos de distribuição ficam suspensos, e a presa é considerada como bem comum da comunidade inteira.”

A distribuição organizada dos produtos alimenticios aplicava·se sem dúvida outrora, entre os cafres, aos alimentos vegetais e ao leite. Assim como à carne. Mas ainda hoje "o ato de retalhar um boi na praça central da aldeia, ou as presas mortas na caçada, dá às crianças uma dramática demonstração do papel das relações de parentesco e da série de obrigações recíprocas que acarretam"." Os Thonga atribuem um quarto traseiro ao irmão mais velho. um quarto dianteiro ao innão mais moço, os dois outros membros aos filhos mais velhos, o coração e os rins às mulheres, o rabo e as ancas aos aliados, e um pedaço do filé ao tio
matemo.
Para admitir a equiparação das mulheres aos bens, de um lado es· cassos e de outro essenciais à vida do grupo, não é preciSO evocar o vocabulário matrimonial da Grande Rússia, onde o noivo é chamado "o negociante" e a noiva "a mercadoria",1T A comparação parece menos chocante se tivermos presentes no espírito as análises de A. Richards, que põem em evidência os sistemas de equivalências psicofislológicas do peno samento indígena: "O alimento é a fonte das emoções mais intensas, fornece a base de algumas das noções mais abstratas e das metáforas do pensamento religioso... para o primitivo, o alimento pode tornar·se o símbolo das experiências espirituais mais altas e a expressão das relações sociais mais essenciais".

A experiência primitiva afirma, aliás, a continuidade entre as sensações orgânicas e as experiências espirituais. O alimento está inteiramente impregnado de sinais e de perigos. O sentimento de "calor" pode ser um denominador comum de estados para nós tão diferentes quanto a cólera, o amor ou o empanturramento. Este último, por sua vez, Impede as comunicações com o mundo sobrenatural.”

'Examinemos primeiramente o caráter de escassez.Existe um equilíbrio biológico entre os nascimentos masculinos e femininos. Exceto nas sociedades nas quais este equilíbrio é modificado pela intervenção dos costumes, todo indivíduo macho deve portanto ter uma possibilidade, que se aproxima de uma probabilidade multo alta, de encontrar uma esposa . .será...possível, nessas condições, falar das mulheres como de um bem es· cassa,.cuja .distribuição exige a intervenção coletiva?”

A pureza de alma, no sentido da Escola de Viena, nada tem a ver por conseguinte com o que chamaríamos de bom grado, em vez de monogamia, uma forma de poligamia abortada. Porque, tanto nessas sociedades quanto nas que sancionam favoravelmente as uniões polígamas e quanto na nossa própria, a tendência é no sentido da multiplicação das esposas.”

Terminemos pelo Oriente esta visão geral: "Para um homem sem mulher não há paraíso no céu nem paraíso na terra... Se a mulher não tivesse sido criada não haveria nem sol nem lua, não haveria agricultura nem fogo". Tal como os Judeus orientais e os antigos Babilônios, os Mandeano consideram o celibato um pecado. Os solteiros de um e outro sexo (especialmente os monges e as monjas) são entregues sem defesa ao comércio com os demônios, de que nascem os maus espíritos e os gênios maléficos que perseguem a espécie humana. Já os índios Navaho participam da mesma teoria, segundo a qual mesmo nos três primeiros dos quatro mundos inferiores subsistem a distinção dos sexos e suas relações, tão grande é a dificuldade que os indígenas têm de imaginar uma forma de existência. mesmo a mais baixa e miserável. Onde não haja o benefício dessa distinção". Mas os sexos são separados no quarto mundo, e os monstros são fruto da masturbação a que cada sexo se acha reduzido.”

CAPÍTULO IV - Endogamia e Exogamia.
A poligamia. forma especial de reciprocidade. Endogamia verdadeira e endogamia funcional. Os limites do grupo social. O caso dos Apinagé. Exogamia e proibição do incesto.
O Ensaio Sobre a dádiva. A troca nas sociedades primitivas e nas sociedades contemporâneas. Extensão às leis do casamento. A noção de arcaismo e suas implicações. Da troca dos bens à troca das mulheres.
Caracteres gerais das organizações dualistas. Distribuição. Natureza: clãs e classes. A organização dualista como instituição e como princípio. Discussão de três exemplos: Nova Guiné, Assam, Califórnia. Conclusão: a organização dualista reduz-se a um método para a solução de certos problemas da vida social.
"Ao estabelecer uma regra de obediência geral - qualquer que seja essa regra - o grupo afirma seu direito de controle sobre o que considera legitimamente um valor essencial. Recusa-se a sancionar a desigualdade natural da distribuição do sexo nas famílias e estabelece, com base no único fundamento possível, a liberdade de acesso às mulheres do grupo, reconhecida a todos os indivíduos. Este fundamento, em suma, é o seguinte: nem estado de fraternidade nem o de paternidade podem ser invocados para reivindicar uma esposa, mas esta reivindicação vale somente enquanto direito pelo qual todos os homens são iguais na competição por todas as mulheres, com suas relações respectivas definidas em termos de grupo e não de família.
Origem da noção de reciprocidade. Dados da psicologia infantil. Sua interpretação. A criança e o primitivo segundo Freud e segundo· Piaget. Critica de S. Isaacs. O pensamento da criança representa uma experiência mais geral que a do adulto. O princípio de reciprocidade no pensamento infantil. A ampliação da experiência psicológica e social.


Endogamia e Exogamia
Ao estabelecer uma regra de obediência geral - qualquer que seja essa regra - o grupo afirma seu direito de controle sobre o que considera legitimamente um valor essencial. Recusa-se a sancionar a desigualdade natural da distribuição do sexo nas famílias e estabelece, com base no único fundamento possível, a liberdade de acesso às mulheres do grupo, reconhecida a todos os indivíduos. Este fundamento, em suma, é o seguinte: nem estado de fraternidade nem o de paternidade podem ser invocados para reivindicar uma esposa, mas esta reivindicação vale somente enquanto direito pelo qual todos os homens são iguais na competição por todas as mulheres, com suas relações respectivas definidas em termos de grupo e não de família.
A troca se apresenta nas sociedades primitivas menos em forma de transações que de dons recíprocos, e em seguida que estes dons recíprocos ocupam um lugar muito mais importante nessas sociedades que na nossa. Finalmente, que esta forma primitiva das trocas não tem somente, nem essencialmente, caráter econômico, mas coloca-nos em face do que chama, numa expressão feliz, "um fato social total", isto é, dotado de significação simultaneamente social e religiosa, mágica e econômica, utilitária e sentimental, jurídica e moral. (...) esta atitude do pensamento primitivo a respeito da transmissão dos bens não se exprime somente em instituições nitidamente definidas e localizadas. Impregna todas as operações, rituais ou profanas, no curso das quais são dados ou recebidos objetos e produtos. Por toda parte encontramos a dupla suposição, implícita ou explícita, que os presentes recíprocos constituem um modo, normal ou privilegiado conforme o grupo de transmissão dos bens, ou de certos bens, e que estes presentes não são oferecidos principalmente, ou em todo o caso essencialmente, com a finalidade de obter um benefício ou vantagens de natureza econômica. [sobre a sociedade moderna e a reciprocidade presente nas trocas](...) pleno domínio da reciprocidade. Tudo se passa, em nossa sociedade, como se certos bens, de valor de consumo não essencial, mas aos quais ligamos grande apreço psicológico, estético ou sensual, como as flores, os bombons, e os "artigos de luxo", fossem considerados como devendo convenientemente ser adquiridos em forma de dons recíprocos, e não em forma de troca ou de consumo individual.(...) Festas e cerimônias regulam também entre nós o retorno periódico e o estilo tradicional de vastas operações de troca. (...) Embora tenham a idéia da propriedade individual, o que cada um possui é tão banal e fácil de obter que todos emprestam e tomam emprestado, sem se preocuparem demasiado em restituir". Os Yakut recusavam-se a crer que em algum lugar do mundo se pudesse morrer de fome, quando é tão fácil ir participar da refeição de um vizinho. Os requintes da divisão ou da distribuição aparecem, portanto, com a urgência ou a ausência da necessidade. [sobre rituais e reciprocidade] (...) o ritual das trocas não está somente presente nas refeições de cerimônia. A polidez exige que se ofereça o sal, a manteiga, o pão, e que se apresente o prato ao vizinho, antes da pessoa servir-se. (...) Como a exogamia, a proibição do incesto é uma regra de reciprocidade, porque não renuncio à minha filha ou à minha irmã senão com a condição que meu vizinho também renuncie. A violenta reação da comunidade em face do incesto é a reação de uma comunidade lesada. A troca pode não ser - diferentemente da exogamia - nem explícita nem imediata. Mas o fato de que posso obter uma mulher é em última análise conseqüência do fato de um irmão ou um pai terem renunciado a ela. Apenas, a regra não diz em proveito de quem é feita a renúncia. O beneficiário, ou em todo caso a classe beneficiária, é ao contrário delimitada no caso da exogamia. A única diferença consiste portanto em que na exogamia exprime-se a crença de que é preciso definir as classes para que se possa estabelecer uma relação entre as classes, enquanto na proibição do incesto basta a relação unicamente para definir, em cada instante da vida social, uma multiplicidade complexa e continuamente renovada de termos direta ou indiretamente solidários. (...) Finalmente, é preciso notar que "a compensação" (te malai), que inaugura as trocas matrimoniais, representa uma indenização pela abdução da noiva Mesmo o casamento por captura não contradiz a regra da reciprocidade, sendo antes um dos meios jurídicos possíveis para pô-la em prática. A abdução da noiva exprime de maneira dramática a obrigação em que está todo grupo possuidor de moças de cedê-las. Torna manifesta a disponibilidade delas. Seria, portanto, falso dizer que se trocam ou que se dão presentes, ao mesmo tempo que se trocam ou se dão mulheres.

CAPITULO V - O Princípio da Reciprocidade.

A troca se apresenta nas sociedades primitivas menos em forma de transações que de dons recíprocos, e em seguida que estes dons recíprocos ocupam um lugar muito mais importante nessas sociedades que na nossa. Finalmente, que esta forma primitiva das trocas não tem somente, nem essencialmente, caráter econômico, mas coloca-nos em face do que chama, numa expressão feliz, "um fato social total", isto é, dotado de significação simultaneamente social e religiosa, mágica e econômica, utilitária e sentimental, jurídica e moral. (...) esta atitude do pensamento primitivo a respeito da transmissão dos bens não se exprime somente em instituições nitidamente definidas e localizadas. Impregna todas as operações, rituais ou profanas, no curso das quais são dados ou recebidos objetos e produtos. Por toda parte encontramos a dupla suposição, implícita ou explícita, que os presentes recíprocos constituem um modo, normal ou privilegiado conforme o grupo de transmissão dos bens, ou de certos bens, e que estes presentes não são oferecidos principalmente, ou em todo o caso essencialmente, com a finalidade de obter um benefício ou vantagens de natureza econômica.

[sobre a sociedade moderna e a reciprocidade presente nas trocas]

(...) pleno domínio da reciprocidade. Tudo se passa, em nossa sociedade, como se certos bens, de valor de consumo não essencial, mas aos quais ligamos grande apreço psicológico, estético ou sensual, como as flores, os bombons, e os "artigos de luxo", fossem considerados como devendo convenientemente ser adquiridos em forma de dons recíprocos, e não em forma de troca ou de consumo individual.(...) Festas e cerimônias regulam também entre nós o retorno periódico e o estilo tradicional de vastas operações de troca. (...) Embora tenham a idéia da propriedade individual, o que cada um possui é tão banal e fácil de obter que todos emprestam e tomam emprestado, sem se preocuparem demasiado em restituir". Os Yakut recusavam-se a crer que em algum lugar do mundo se pudesse morrer de fome, quando é tão fácil ir participar da refeição de um vizinho. Os requintes da divisão ou da distribuição aparecem, portanto, com a urgência ou a ausência da necessidade.

[sobre rituais e reciprocidade]

(...) o ritual das trocas não está somente presente nas refeições de cerimônia. A polidez exige que se ofereça o sal, a manteiga, o pão, e que se apresente o prato ao vizinho, antes da pessoa servir-se. (…)

Como a exogamia, a proibição do incesto é uma regra de reciprocidade, porque não renuncio à minha filha ou à minha irmã senão com a condição que meu vizinho também renuncie. A violenta reação da comunidade em face do incesto é a reação de uma comunidade lesada. A troca pode não ser - diferentemente da exogamia - nem explícita nem imediata. Mas o fato de que posso obter uma mulher é em última análise conseqüência do fato de um irmão ou um pai terem renunciado a ela. Apenas, a regra não diz em proveito de quem é feita a renúncia. O beneficiário, ou em todo caso a classe beneficiária, é ao contrário delimitada no caso da exogamia. A única diferença consiste portanto em que na exogamia exprime-se a crença de que é preciso definir as classes para que se possa estabelecer uma relação entre as classes, enquanto na proibição do incesto basta a relação unicamente para definir, em cada instante da vida social, uma multiplicidade complexa e continuamente renovada de termos direta ou indiretamente solidários.

(...) Finalmente, é preciso notar que "a compensação" (te malai), que inaugura as trocas matrimoniais, representa uma indenização pela abdução da noiva Mesmo o casamento por captura não contradiz a regra da reciprocidade, sendo antes um dos meios jurídicos possíveis para pô-la em prática. A abdução da noiva exprime de maneira dramática a obrigação em que está todo grupo possuidor de moças de cedê-las. Torna manifesta a disponibilidade delas. Seria, portanto, falso dizer que se trocam ou que se dão presentes, ao mesmo tempo que se trocam ou se dão mulheres.

CAPÍTULO XXIX - Os Princípios do Parentesco.

Assim, é sempre um sistema de troca que encontramos na origem das regras do casamento, mesmo daquelas cuja aparente singularidade parece poder justificar-se somente por uma interpretação simultaneamente especial e arbitrária. Em todo este trabalho vimos a noção de troca complicar-se e diversificar-se. Apareceu-nos constantemente em outras formas. Ora a troca apresentou-se como direta (é o caso do casamento com a prima bilateral), ora como indireta (e neste caso pode corresponder a duas fórmulas, contínua e descontínua, referentes a duas regras distintas de casamento com a prima unilateral). Ora a troca funciona em um sistema global (é o caráter, teoricamente comum, do casamento bilateral e do casamento matrilateral), ora provoca a formação de um número ilimitado de sistemas especiais e de ciclos estreitos, sem relação entre si (e, nessa forma; ameaça, como risco permanente, os sistemas de metades, e ataca, como inevitável fraqueza, os sistemas patrilaterais). Ora a troca aparece como uma operação à vista, ou a curto prazo (com a troca é explícita e, ora implícita (conforme vimos no exemplo uma operação a prazo mais dilatado (como nos casos em que os graus proibidos englobam os primos em primeiro grau e às vezes em segundo grau), ora, a troca das irmãs e das filhas, e o casamento avuncular), ora, como do pretenso casamento por compra). Ora a troca é fechada (quando o casamento deve satisfazer a uma regra especial de aliança entre classes matrimoniais ou de observância de graus preferenciais), ora é aberta (quando a regra da exogamia reduz-se a um conjunto de estipulações negativas, deixando a escolha livre além dos graus proibidos). Ora é caucionada por uma espécie de hipoteca sobre categorias reservadas (classes ou graus), ora (como no caso da proibição do incesto simples, como é encontrada em nossa sociedade) repousa sobre uma garantia mais larga e de caráter financeiro, a saber, a liberdade teórica de pretender qualquer mulher do grupo, mediante a renúncia a certas mulheres determinadas do circulo da família, liberdade assegurada pela extensão a todos os homens de uma proibição semelhante à que afeta cada um deles em particular. Mas, seja em forma direta ou indireta, seja em forma global ou especial, mediata ou postergada, explícita ou implícita, fechada ou aberta, concreta ou simbólica, é a troca, sempre a troca, que aparece como base fundamental e comum de todas as modalidades da instituição matrimonial. Se estas modalidades podem ser reunidas sob a designação geral de exogamia (porque, assim como vimos na primeira parte deste trabalho, a endogamia não se opõe à exogamía, mas a supõe), é com a condição de perceber, atrás da expressão superficialmente negativa da regra da exogamia, a finalidade que tende a garantir, pela proibição do casamento nos graus interditos, a circulação total e continua desses bens do grupo por excelência que são as mulheres e suas filhas. O valor funcional da exogamia, definida em sentido mais amplo, foi com efeito sendo determinado e afirmado nos capítulos anteriores. Este valor é a princípio negativo. A exogamia fornece o único meio de manter o grupo como grupo, de evitar o fracionamento e a divisão indefinidos que seriam o resultado da prática dos casamentos consanguíneos.














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