Texto in: https://vladimiraras.blog/2018/07/04/o-caso-herzog-vs-brasil/
Conheça a história do jornalista Vladimir Herzog
Entrevista com Vladimir Herzog
O caso Herzog Resumo
Texto original In: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_353_por.pdf
O caso Herzog vs. Brasil
A
Corte Interamericana de Direitos Humanos divulgou esta semana
(4/jul/2018) mais
uma condenação do Brasil por
violação ao Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, também
conhecida como Convenção Americana de Direitos Humanos.
Em
sua Sentença
no
caso
Herzog e outros vs. Brasil, a
Corte determinou que os fatos ocorridos contra o jornalista Vladimir
Herzog devem ser considerados crime
contra a humanidade,
de acordo com a definição do direito internacional.
Para
a Corte IDH, que é um tribunal supranacional da Organização
dos Estados Americanos (OEA), com
sede na Costa Rica, o Brasil não
pode invocar
prescrição ou aplicar o princípio ne
bis in idem,
a Lei de Anistia ou qualquer outra disposição similar do direito
interno para escusar-se de seu dever de investigar e punir os
responsáveis pelos crimes de que foi vítima Vladimir Herzog. Esses
delitos foram “cometidos
em um contexto sistemático e generalizado de ataques à população
civil”.
Na
sentença, a Corte ordenou, por
unanimidade,
várias medidas de reparação, entre elas o dever do Estado
brasileiro de retomar a investigação criminal e de dar início a
ação penal sobre os fatos ocorridos em 25
de outubro de 1975,
com o fim de identificar, processar e, em sendo o caso, punir as
pessoas responsáveis pela tortura
e pelo homicídio do
jornalista Vlado Herzog.
O
Estado brasileio também deverá adotar medidas idôneas “para
que se reconheça, sem exceção, a imprescritibilidade das ações
emergentes de crimes contra a humanidade e internacionais“.
Isto inclui, evidentemente, aprovação de legislação específica,
que altere, no ponto, o art. 109 do Código Penal.
376.
Quanto à
imprescritibilidade
dos crimes contra a humanidade,
a Corte concluiu, no capítulo VII-1, que a
aplicação da figura da prescrição no presente caso representou
uma violação do artigo 2 da Convenção Americana, porquanto foi um
elemento decisivo para manter a impunidade dos fatos verificados.
Do
mesmo modo, a Corte constatou o caráter imprescritível dos delitos
contra a humanidade no direito internacional (par. 214 supra). Além
disso, a Corte recorda que, de acordo com sua jurisprudência
constante, os delitos que impliquem graves violações de direitos
humanos e os crimes contra a humanidade não podem ser objeto de
prescrição
(par.
261 supra). Por conseguinte, Brasil não pode aplicar a prescrição
e as demais excludentes de responsabilidade a este caso e a outros
similares, nos termos dos parágrafos 311 e 312 da presente Sentença.
Em virtude do exposto, a Corte considera que o Brasil deve adotar as
medidas mais idôneas, conforme suas instituições, para que se
reconheça, sem exceção, a imprescritibilidade das ações
resultantes de crimes contra a humanidade e internacionais, em
atenção à presente Sentença e às normas internacionais na
matéria.
Quanto
à falta de tipificação dos crimes contra a humanidade, a Corte
pontuou:
214.
Em complemento à argumentação citada acima, observa-se que a
proibição
dos delitos de direito internacional ou contra a humanidade já era
considerada parte do direito internacional geral pela própria
Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e Contra a
Humanidade, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 26
de novembro de 1968 (doravante
denominada “Convenção de 1968” ou “Convenção sobre
Imprescritibilidade”). Levando em conta a resolução 2338 (XXII)
da Assembleia Geral das Nações Unidas, a interpretação que se
infere do Preâmbulo da Convenção de 1968 é que a
imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade surge da falta de
limitação temporal nos instrumentos que se referem a seu
indiciamento, de tal forma que essa Convenção somente reafirmou
princípios e normas de direito internacional preexistentes. Assim, a
Convenção sobre Imprescritibilidade tem caráter declarativo, ou
seja, acolhe um princípio de direito internacional vigente
anteriormente à sua aprovação.
215.
Essa circunstância tem duas
consequências principais: a)
por um lado, os Estados devem
aplicar seu conteúdo, embora não a tenham ratificado; e
b) por outro lado, quanto a seu âmbito temporal, deveria aplicar-se,
inclusive, aos crimes cometidos anteriormente à entrada em vigor
daquela Convenção, já que o que se estaria aplicando não seria
propriamente a norma convencional, mas uma norma consuetudinária
preexistente.
De
maneira ainda
mais clara, a
Sentença afirma:
230.
Conforme se expôs acima (par. 219 supra),
a
proibição dos crimes contra a humanidade é uma norma imperativa de
direito internacional (jus
cogens),
o
que significa que essa proibição é aceita e reconhecida pela
comunidade internacional de Estados em seu conjunto como norma que
não admite acordo em contrário e que só pode ser modificada por
uma norma ulterior de direito internacional geral que tenha o mesmo
caráter. Concretamente, a primeira obrigação dos Estados é evitar
que essas condutas ocorram. Caso isso não aconteça, o dever do
Estado é assegurar que essas condutas sejam processadas penalmente e
seus autores punidos, de modo a não deixá-las na impunidade.
231.
Mesmo
quando determinadas condutas consideradas crimes contra a humanidade
não estejam tipificadas formalmente no ordenamento jurídico
interno, ou que, inclusive, sejam legais na legislação doméstica,
isso não exime de responsabilidade a pessoa que cometeu o ato, de
acordo com as leis internacionais. Ou seja, a inexistência de normas
de direito interno que estabeleçam e punam os crimes internacionais
não exime, em nenhum caso, seus autores de responsabilidade
internacional e o Estado de punir esses crimes.
Esta
decisão da Corte mostra que os marcos da duração
razoável e
do tempo de investigação, especialmente
em crimes contra bens jurídicos primordiais,
não podem ser fixados sem lei processual, por regras
discricionárias. Relembra também que delitos contra a humanidade
devem ser considerados imprescritíveis.
No
Brasil, apenas o
crime
de racismo e a injúria racial e
a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem
constitucional e o Estado de Direito têm essa natureza, por força
do
art.
5º, incisos XLII e XLIV, da Constituição.
Segundo
a Corte Interamericana, devido à sua natureza, os fatos relativos a
Vlado Herzog não foram atingidos pela prescrição. O jornalista foi
morto no Destacamento de Operações de Informação – Centro de
Operações de Defesa Interna (DOI-Codi)
em
São Paulo, em 1975, durante os anos
de chumbo.
Para
lidar com o caso Herzog, que representa a oitava condenação do
Brasil pela Corte IDH, o Brasil poderia inspirar-se na Argentina e
também no Chile,
cuja
justiça acaba de condenar os responsáveis pela tortura e morte do
cantor Victor
Jara,
ocorridas em 1973 em Santiago, logo após o golpe de 11 de setembro.
Infelizmente,
as condenações impostas ao Estado brasileiro pela Corte IDH não
vêm sendo integralmente cumpridas. Exemplo disso foi o que se passou
nos desdobramentos do caso
Sétimo Garibaldi (STJ,
6ª Turma, RESP
1.351.177/PR,
red. Min. Sebastião Reis Júnior, j. em 15/03/2016).
Nosso
País é parte da Convenção Americana de Direitos humanos, de 1969,
e, desde
2002, submete-se
à jurisdição
obrigatória da
Corte-IDH, para fatos (ações ou omissões) ocorridos após 1998.
As
oito
condenações
do Brasil até agora deram-se nos seguintes casos:
É
de se recordar que:
a)
o crime de tortura só
foi tipificado no Brasil pela Lei 9.455/1997, mais
de vinte anos depois da morte de Herzog;
b)
embora graves crimes contra os direitos humanos sejam previstos na
lei brasileira, como o genocídio, o terrorismo, a tortura e o
tráfico humano, os crimes
contra a humanidade não
estão tipificados como categoria autônoma no Brasil. Tampouco estão
tipificados os crimes previstos no Estatuto de Roma do Tribunal Penal
Interncional;
c)
tanto o crime de tortura quanto o crime de homicídio são
prescritíveis
no
direito brasileiro, extinguindo-se a punibilidade do agente em 20
anos (art. 109, inciso I, do CP); e
Note-se
que um dos seis juízes que votou pela condenação do Brasil é o
professor Eugênio
Raúl Zaffaroni, cuja
sólida carreira doutrinária é marcada por uma opção pelo
garantismo penal.
A
persecução criminal a cargo do Ministério
Público Federal em
São Paulo deverá enfrentar obstáculos quanto à legalidade penal
estrita e à anterioridade da lei penal, à recepção da Lei da
Anistia e quanto ao princípio ne
bis in idem.
Contudo,
o direito internacional e a jurisprudência das cortes internacionais
de direitos humanos oferecem
respostas
a
cada um desses desafios.
As
outras respostas, especialmente a solução do vácuo legislativo no
tocante aos crimes contra a humanidade e sua imprescritibilidade,
cabem ao Congresso Nacional, que pode aproveitar os debates
sobre o novo Código Penal e
ali encerrar esta questão, evitando novas condenações do Brasil
neste item.
Afinal,
a Corte Interamericana deixa claro, no
§261 da Sentença do
caso Herzog que:
261. A prescrição em matéria penal determina a extinção da pretensão punitiva pelo transcurso do tempo e, em geral, limita o poder punitivo do Estado para perseguir a conduta ilícita e punir seus autores. Trata-se de uma garantia que deve ser observada devidamente pelo julgador para todo acusado de um delito. Sem prejuízo do exposto, excepcionalmente, a prescrição da ação penal é inadmissível e inaplicável quanto se trata de graves violações dos direitos humanos nos termos do Direito Internacional, conforme destacou a jurisprudência constante e uniforme da Corte.
Não
deixando dúvida quanto
a este ponto, o julgado menciona posição semelhante da Corte
Europeia de Direitos Humanos:
266. No âmbito regional, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos se referiu à prescrição de casos de graves ou massivas violações de direitos humanos. Nesse sentido, salientou que, em atenção à gravidade dos delitos, a aplicação da prescrição é contrária à obrigação de garantia do direito à vida.
267 Além disso, reconheceu que, apesar do transcurso do tempo, o interesse público em obter o julgamento e punição dos perpetradores estava firmemente estabelecido, em especial no contexto dos crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Esperemos
os próximos capítulos deste caso, que já está nos livros de
História
do
Brasil e que representa um desafio para a Justiça de Transição.
LINHA DIRETA JUSTIÇA - Vladimir Herzog
A pedido do MPF, Corte Interamericana irá analisar caso
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