quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Eu, um Negro - Jean Rouch Resumo

Eu, um Negro

Data de lançamento 1958 (1h 10min)
Direção: Jean Rouch
Gênero Drama
Nacionalidade França

Sinopse e detalhes

Este filme rodado em 1957 acompanha jovens nigerianos que chegam à capital da Costa do Marfim em busca de trabalho. Afastando-se dos métodos tradicionais, o cineasta pediu que eles improvisassem diante das câmeras. O uso do som também foi totalmente subvertido, na medida em que os diálogos foram regravados em estúdio pelos próprios personagens enquanto assistiam às imagens captadas. A partir da fabulação e da recriação, Rouch reinventa o conceito de "verdade" no cinema. Os jovens nigerianos deixam sua terra natal para procurar trabalho na Costa do Marfim ao chegarem à capital da Costa do Marfim vão busca de trabalho. Desenraizados em meio à civilização moderna, acabam chegando a Treichville, bairro operário de Abdijam.. O herói, que conta sua própria história, se auto-denomina Edward G. Robinson, em honra ao ator americano. Da mesma forma, seus amigos escolhem pseudônimos para simbolizar uma personalidade ideal.

Texto Base


Crítica/"Eu, um Negro" Jean Rouch explora mitologia do cinema - SÉRGIO RIZZO

Edward G. Robinson caminha pelas ruas de Abidjan, capital política da Costa do Marfim, para nos apresentar alguns de seus amigos, como o boxeador Eddie Constantine e a sedutora Dorothy Lamour.
São quase todos imigrantes nigerianos que representam, no jogo proposto a eles pelo cineasta francês Jean Rouch (1917-2004), os personagens que bem entendessem -diante da câmera, improvisando nas filmagens e dublagem.
"Eu, um Negro" (1958) tornou-se um documentário clássico, entre outros aspectos, pela escolha desse método, que combina a abordagem etnográfica, linha condutora da obra de Rouch, com o convite à exploração dos mecanismos de representação do cinema. Os nomes e personalidades que os jovens resolvem assumir, não por acaso, pertencem à mitologia cinematográfica.
Afinal, não era um filme que estrelavam? Logo, nada mais natural do que agir como um ator.
O processo é semelhante ao que vivem (sem que seja preciso pedir a eles) os personagens dos filmes mais recentes de Eduardo Coutinho. O que antes interessa é a investigação quase terapêutica do que os autores dos depoimentos querem fazer acreditar que eles sejam.
Os jovens sorridentes de Rouch circulam pelas ruas de Treichville, a "Chicago da África Negra", na parte mais pobre de Abidjan. Sua rotina é escrutinada de acordo com o andar da semana -primeiro os dias "úteis", depois o sábado e o domingo. A batalha pela sobrevivência ocupa a parte inicial, em que os nigerianos expõem o dilema da juventude sem grandes perspectivas de inserção na economia, na África ou em outro lugar, nos anos 50 ou hoje.
Praia, esporte, música e religião pautam as atividades de lazer, que ocupam o restante do filme. Há um "Bar Esperança" em Treichville, simbólico de uma postura diante da vida que se revela positiva. "Deus é grande", agradece um dos jovens.
É possível conhecer mais sobre Rouch graças aos extras, como o curta "Os Mestres Loucos" (1955), rodado em Acra, capital de Gana, e um ensaio do crítico francês André Bazin em torno desse filme, que classifica de "reportagem científica sobre fenômenos sociológicos contemporâneos da África Ocidental". O próprio cineasta protagoniza outro extra, o média-metragem "Jean Rouch: Subvertendo Fronteiras", em que fala de procedimentos e paixões. A maior talvez fosse a África, onde morreu em um acidente de carro.
Quando os irmãos Lumière inventaram o cinematógrafo, a impressão de imagens tinha uma função científica, tecnológica. O documentário e a ficção não eram gêneros separados, como se procuraram fixar ao longo da história do cinema. Por isso que os filmes que fizeram evoluir a linguagem cinematográfica sempre tenderam à dissolução dos gêneros e das linguagens. Um filme é sempre um documentário de seu estado histórico, de seu tempo-espaço.
Com o advento do Som, em 1929, o cinema sofreu uma das suas grandes viradas tecnológicas. Como arte tecnológica que é, o cinema sempre passou por essas transformações, e, a partir disso, pôde evoluir sua linguagem, seus conceitos. Até então, o cinema, mesmo sonoro, não possuía sincronismo entre a imagem e o som. Os filmes eram apenas dublados e os documentários não possuíam entrevistas o que para muitos cineastas era limitador.
Não para Jean Rouch, cineasta e antropólogo francês, que fez vários filmes na África desde que foi pela primeira vez como engenheiro. Começou a conhecer profundamente o povo africano e procurou, junto a esse povo, criar filmes que pudessem identificar sua cultura, religiões, linguagens. Em 1959, na antiga Costa do Marfim, hoje Gana, Rouch propôs a um grupo de jovens um filme. Eles vinham do Níger, procurando emprego, e Rouch os acompanharia durante um ano para fazer um documentário. Eles perguntaram a Rouch: “Por que não fazemos um filme de verdade?”. “O que é um filme de verdade?”, respondeu Rouch. “Um filme como os filmes americanos”. Nasce aí, um dos filmes mais importantes do cinema. Um filme que libertou outros todos, pois mostrou que da possível não-relação entre a Imagem e o Som, pode nascer um discurso. O cinema não é teatro filmado.
Eu, um negro (1959), portanto, explodiu as fronteiras do documentário e da ficção. E para a área da Antropologia, incutiu o conceito de Rouch, de antropologia compartilhada.
Como a imagem e o som não eram sincronizados, Rouch filmou seqüências dos jovens. A partir daí, eles improvisaram os diálogos sobre as imagens e reinventaram suas performances a partir da dublagem. Eles se chamavam como astros do boxe e do cinema americano. O principal, Edward G. Robinson, chamou-se do nome de um dos maiores atores de filmes de gângsteres do cinema americano. A influência do imaginário do cinema americano transparece. Apesar disso, vemos e ouvimos, toda uma visão de mundo: sua relação com a vida, com o dinheiro, com as mulheres, com os amigos, com o trabalho. Rouch compartilha e respeita, dentro do filme, essa visão. A politização da experiência do personagem principal é evidenciada na sua fala. A sua fala é o filme, enquanto a poesia das imagens ajuda a criar essa relação.
Quando o som irrompeu na história do cinema, inúmeros cineastas e teóricos temiam a morte do cinema. Desde seu nascimento, criou-se todo um conceito de se contar histórias a partir e unicamente das imagens; tanto que alguns cineastas, como Murnau e Eisenstein, refletiram e criaram a partir disso. Eisenstein pensava que o som nunca poderia ser complementar à imagem, porque esta perderia sua potência. Escrevia que o som apenas poderia ser contraponto, pois, a partir daí, uma imagem e um som, não condizentes entre si, esse choque, poderia causar sentidos. Rouch, em outra chave, buscou isso.
Inclassificável, Eu, um negro nos mostra, então, a afirmação de um ser humano em seu estado histórico-social sob um mundo violentado por um sistema político-colonizador. Não é à toa que o país mais poderoso do mundo faz com que vivamos com seus filmes, séries de tevê, costumes, linguagens e ideologias. Este filme é uma luta contra o pressuposto, óbvio, que, neste mundo, colonizar é impor Imagens.

Eu, um negro (Jean Rouch, 1959) - Jean Rouch: uma fissura no cinema - Por Leonardo Barbosa Rossato. Em: http://www.rua.ufscar.br/eu-um-negro-jean-rouch-1959/





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