Eu,
um Negro
Data
de lançamento 1958 (1h 10min)
Direção:
Jean
Rouch
Elenco:
Oumarou
Ganda,
Petit
Toure,
Alassane
Maiga
mais
Gênero
Drama
Nacionalidade
França
Sinopse e detalhes
Este
filme rodado em 1957 acompanha jovens nigerianos que chegam à
capital da Costa do Marfim em busca de trabalho. Afastando-se dos
métodos tradicionais, o cineasta pediu que eles improvisassem diante
das câmeras. O uso do som também foi totalmente subvertido, na
medida em que os diálogos foram regravados em estúdio pelos
próprios personagens enquanto assistiam às imagens captadas. A
partir da fabulação e da recriação, Rouch reinventa o conceito de
"verdade" no cinema. Os jovens nigerianos deixam
sua terra natal para procurar trabalho na Costa do Marfim ao chegarem
à capital da Costa do Marfim vão busca de trabalho. Desenraizados
em meio à civilização moderna, acabam chegando a Treichville,
bairro operário de Abdijam..
O herói, que conta sua própria história, se auto-denomina Edward
G. Robinson, em honra ao ator americano. Da mesma forma, seus amigos
escolhem pseudônimos para simbolizar uma personalidade ideal.
Texto
Base
Crítica/"Eu, um Negro" Jean Rouch explora mitologia do cinema - SÉRGIO RIZZO
Edward G. Robinson caminha pelas
ruas de Abidjan, capital política da Costa do Marfim, para nos
apresentar alguns de seus amigos, como o boxeador Eddie Constantine e
a sedutora Dorothy Lamour.
São quase todos imigrantes
nigerianos que representam, no jogo proposto a eles pelo cineasta
francês Jean Rouch (1917-2004), os personagens que bem entendessem
-diante da câmera, improvisando nas filmagens e dublagem.
"Eu, um Negro" (1958)
tornou-se um documentário clássico, entre outros aspectos, pela
escolha desse método, que combina a abordagem etnográfica, linha
condutora da obra de Rouch, com o convite à exploração dos
mecanismos de representação do cinema. Os nomes e personalidades
que os jovens resolvem assumir, não por acaso, pertencem à
mitologia cinematográfica.
Afinal, não era um filme que
estrelavam? Logo, nada mais natural do que agir como um ator.
O processo é semelhante ao que
vivem (sem que seja preciso pedir a eles) os personagens dos filmes
mais recentes de Eduardo Coutinho. O que antes interessa é a
investigação quase terapêutica do que os autores dos depoimentos
querem fazer acreditar que eles sejam.
Os jovens sorridentes de Rouch
circulam pelas ruas de Treichville, a "Chicago da África
Negra", na parte mais pobre de Abidjan. Sua rotina é
escrutinada de acordo com o andar da semana -primeiro os dias
"úteis", depois o sábado e o domingo. A batalha pela
sobrevivência ocupa a parte inicial, em que os nigerianos expõem o
dilema da juventude sem grandes perspectivas de inserção na
economia, na África ou em outro lugar, nos anos 50 ou hoje.
Praia, esporte, música e
religião pautam as atividades de lazer, que ocupam o restante do
filme. Há um "Bar Esperança" em Treichville, simbólico
de uma postura diante da vida que se revela positiva. "Deus é
grande", agradece um dos jovens.
É possível conhecer mais sobre
Rouch graças aos extras, como o curta "Os Mestres Loucos"
(1955), rodado em Acra, capital de Gana, e um ensaio do crítico
francês André Bazin em torno desse filme, que classifica de
"reportagem científica sobre fenômenos sociológicos
contemporâneos da África Ocidental". O próprio cineasta
protagoniza outro extra, o média-metragem "Jean Rouch:
Subvertendo Fronteiras", em que fala de procedimentos e paixões.
A maior talvez fosse a África, onde morreu em um acidente de carro.
Quando os irmãos Lumière
inventaram o cinematógrafo, a impressão de imagens tinha uma função
científica, tecnológica. O documentário e a ficção não eram
gêneros separados, como se procuraram fixar ao longo da história do
cinema. Por isso que os filmes que fizeram evoluir a linguagem
cinematográfica sempre tenderam à dissolução dos gêneros e das
linguagens. Um filme é sempre um documentário de seu estado
histórico, de seu tempo-espaço.
Com o advento do Som, em 1929, o
cinema sofreu uma das suas grandes viradas tecnológicas. Como arte
tecnológica que é, o cinema sempre passou por essas transformações,
e, a partir disso, pôde evoluir sua linguagem, seus conceitos. Até
então, o cinema, mesmo sonoro, não possuía sincronismo entre a
imagem e o som. Os filmes eram apenas dublados e os documentários
não possuíam entrevistas o que para muitos cineastas era limitador.
Não para Jean Rouch, cineasta e
antropólogo francês, que fez vários filmes na África desde que
foi pela primeira vez como engenheiro. Começou a conhecer
profundamente o povo africano e procurou, junto a esse povo, criar
filmes que pudessem identificar sua cultura, religiões, linguagens.
Em 1959, na antiga Costa do Marfim, hoje Gana, Rouch propôs a um
grupo de jovens um filme. Eles vinham do Níger, procurando emprego,
e Rouch os acompanharia durante um ano para fazer um documentário.
Eles perguntaram a Rouch: “Por que não fazemos um filme de
verdade?”. “O que é um filme de verdade?”, respondeu Rouch.
“Um filme como os filmes americanos”. Nasce aí, um dos filmes
mais importantes do cinema. Um filme que libertou outros todos, pois
mostrou que da possível não-relação entre a Imagem e o Som, pode
nascer um discurso. O cinema não é teatro filmado.
Eu, um negro
(1959), portanto, explodiu as fronteiras do documentário e da
ficção. E para a área da Antropologia, incutiu o conceito de
Rouch, de antropologia compartilhada.
Como a imagem e o som não eram
sincronizados, Rouch filmou seqüências dos jovens. A partir daí,
eles improvisaram os diálogos sobre as imagens e reinventaram suas
performances a partir da dublagem. Eles se chamavam como astros do
boxe e do cinema americano. O principal, Edward G. Robinson,
chamou-se do nome de um dos maiores atores de filmes de gângsteres
do cinema americano. A influência do imaginário do cinema americano
transparece. Apesar disso, vemos e ouvimos, toda uma visão de mundo:
sua relação com a vida, com o dinheiro, com as mulheres, com os
amigos, com o trabalho. Rouch compartilha e respeita, dentro do
filme, essa visão. A politização da experiência do personagem
principal é evidenciada na sua fala. A sua fala é o filme, enquanto
a poesia das imagens ajuda a criar essa relação.
Quando o som irrompeu na história
do cinema, inúmeros cineastas e teóricos temiam a morte do cinema.
Desde seu nascimento, criou-se todo um conceito de se contar
histórias a partir e unicamente das imagens; tanto que alguns
cineastas, como Murnau e Eisenstein, refletiram e criaram a partir
disso. Eisenstein pensava que o som nunca poderia ser complementar à
imagem, porque esta perderia sua potência. Escrevia que o som apenas
poderia ser contraponto, pois, a partir daí, uma imagem e um som,
não condizentes entre si, esse choque, poderia causar sentidos.
Rouch, em outra chave, buscou isso.
Inclassificável, Eu,
um negro nos mostra,
então, a afirmação de um ser humano em seu estado histórico-social
sob um mundo violentado por um sistema político-colonizador. Não é
à toa que o país mais poderoso do mundo faz com que vivamos com
seus filmes, séries de tevê, costumes, linguagens e ideologias.
Este filme é uma luta contra o pressuposto, óbvio, que, neste
mundo, colonizar é impor Imagens.
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