Texto base:
O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa - Breves palavras sobre o capítulo 8 – fatos e leis em uma perspectiva comparativa – do livro O saber local de autoria de Clifford Geertz, antropólogo americano.
Breves palavras sobre o capítulo 8 –
fatos e leis em uma perspectiva comparativa – do livro O saber local de
autoria de Clifford Geertz, antropólogo americano.
Em sua obra o autor analisa a questão do
direito diante de uma perspectiva antropológica interpretativa e de
fatos sociais que interagem com as leis. Ele aponta que cada sociedade
possui suas leis e se ajustam à crenças e costumes, interferindo na
hermenêutica jurídica. No capítulo em questão o autor analisa o direito
como um fato cultural, ou seja, segundo Geertz o direito é desenvolvido
em uma relação direta com os contextos culturais. A partir da leitura
observamos que o autor desenvolve as seguintes teses:
- uma análise do direito a partir da visão da antropologia interpretativa;
- aborda o direito como um fato cultural em inteira conexão com os contextos culturais nativos;
- há um choque entre antropologia jurídica e antropologia cultural;
- o direito é um saber local, portanto, mais que leis e ainda submisso ao relativismo cultural;
- necessidade de ir e vir hermenêutico entre o direito e o campo da antropologia e etnografia;
- por fim ele demonstra que que o direito precisa de acomodar ao saber local, pela constante necessidade das nações em criar jurisprudência;
No entendimento de Geertz o direito é uma
das maneiras de imaginar o mundo em meio a tantas outras, com a arte e a
religião. Sendo que com o direito há uma representação normativa,
imaginando como devam ser as coisas (leis) e como elas são (fatos),
desenvolvendo um sentido de justiça que é sempre específico, ou seja,
“local”, dependendo de como se relacionam fato e lei nos diferentes
contextos culturais. Para reforçar esse pensamento o autor cita o caso
da Toyota e da Ford diante das leis antipoluição. Uma contratou mais
engenheiros e outra mais advogados.
Assim para reforças ainda mais a sua tese
e chamar a atenção do leitor para a antropologia interpretativa
cultural, como recurso de análise e para facilitar a interação entre o
direito, as leis e a cultura nativa, o autor evoca três termos de
culturas diferentes:
- Haqq – para os Islâmicos quer dizer verdade;
- Dharma – para os Índicos quer dizer dever;
- Adat – para os Malaios que dizer prática;
Após a leitura do capítulo percebemos que
estes três termos possuem outros significados, e que todos culminam com
o sentido de “justiça” do direito Romano. O objetivo do autor ao
abordar esses três termos é demonstrar que o conceito de justiça passa
por várias significações, abrangendo o campo da moral, religião … Por
fim, todos esses conceitos passam pela representação, logo dependem da
visão de mundo desses povos.
Segue o capítulo do livro para aqueles que se interessarem: O saber local fatos e leis numa perspectiva comparativa
RESENHA
Capítulo 8 "O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa"
Jailson Estevão dos Santos[1]
- APRESENTAÇÃO DO AUTOR E DA OBRA
GEERTZ, Clifford
James. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Tradução de Vera Mello Joscelyne. 7 ed. Petrópolis, RJ.
Ed. Vozes, 2009.
*Do autor: USA 23/08/1926 – 30/10/2006). Antropólogo, encerrou sua
carreira de professor em Princeton. Realizou estudos na Indonésia. É
considerado o fundador da Antropologia Hermenêutica (Interpretativa ou Simbólica).
- BREVE SÍNTESE DA OBRA
O autor analisa a questão do direito
a partir do ponto de vista da antropologia interpretativa e dos fatos sociais
que interagem com as leis. Destaca que cada sociedade tem suas leis e estas se ajustam
às crenças e costumes, interferindo na hermenêutica jurídica e, portanto essa
relação deve ser considerada.
No capítulo oito Geertz analisa o
direito como um fato cultural, tal qual a arte e a religião, e considera que o
mesmo é desenvolvido numa relação direta com os contextos culturais. Ao abordar os valores permissivos de uma
cultura em relação às práticas de outras, comenta que nem o direito avançou nas
questões antropológicas, nem a antropologia e etnografia com as questões
jurídicas (p. 250, 251). O autor afirma
que há uma necessidade de um “ir e vir” hermenêutico entre o direito e o campo
da antropologia e etnografia. (p. 253)
Os fatos e sua natureza (φίσις – νόμος – natureza
e lei) tem sido objeto foco da atenção de preocupação jurídica, pois já não
“parecem realidades tão puras”. O foco de atenção gira em torno da “explosão
dos fatos, temor aos fatos e esterilização dos fatos”. (p. 254)
Os fatos sociais que requerem
interação com atos jurídicos indiciam aos juízes de que já não basta conhecer
somente as leis. (p.255). Por outro lado precisa-se ter cuidado com as
jurisprudências, pois essas podem afastar os fatos da discussão, deixando-os ao
juízo dos “guardiões da lei”. (p. 257). Geertz
cita como exemplo o livro Incommon Law, de Alen Patrick Hebert, Londres 1970 p.
350. (p.256), uma sátira ao livro Commom Law (jurisprudência - diferente de
leis criadas por legislação). Afirma
que o que ocorre nos tribunais é o fenômeno que é “a base de toda cultura: isto
é o processo de representação”. (p.259)
Para Geertz, descrever um fato para
que o mesmo se submeta à defesa do advogado, à audição do juiz e à solução dos
jurados, é representá-lo. Considera que o direito muda, conforme a época e o
lugar, então os fatos também se modificam. Para
o direito é norma a representação dos fatos, portanto, (...) o problema fundamental é descobrir como
representar aquela representação. (p. 260). Geertz acha isso difícil e
compreende que talvez “se espere por desenvolvimento na teoria da cultura”. Mas
a sugestão mais viável segundo ele, é considerar a linguagem lógica do “se
então” e “como, portanto” dos casos concretos (p. 260). Por esse ângulo, busca-se diferenciar leis e fatos, e,
então, o direito não é algo como uma lei espiritual, nem uma receita, mas
pode-se imaginá-lo como uma exibição num mercado público: à vista de todos,
accessível a todos, e susceptível ao saber local. (p. 261)
Para lembrar como a prática do
Direito muda de acordo com cada cultura, Geertz
coloca:
1º) Um comentário de que “ao deparar-se com as leis de
antipoluição, a Toyota contratou mil engenheiros e a Ford mil advogados”. (p.
261)
2º) Um caso de um balinês que ele chama de “Regreg” que teve sua
esposa levada por outro homem da aldeia, e que mesmo tentando uma solução
perante o conselho local, não obteve êxito, pois as leis locais não previam
soluções para esse tipo de “problema”. Mais tarde, quando era a sua vez, por
obrigatoriedade, de assumir o cargo de um dos chefes do conselho, ele rejeitou
e como consequência foi completamente abandonado ao extremo. Ainda mais tarde,
o mais importante chefe político da Indonésia, considerado um deus, veio ali
intercedeu por Regreg, argumentou perante os conselheiros mostrando-lhes o
mundo moderno, mas ouviu a resposta: “vá plantar batatas”. (p. 267)
No caso relatado do
“Regreg” a crença popular é mostrada como superior a qualquer coisa.
Apositivamente é lembrado pelo autor que “a teimosia de Regreg nunca chegou a
ser considerada como uma ameaça à ordem pública e sim à etiqueta pública” (p.
270)
Por questões como as
citadas, Geertz tenta despertar a atenção do leitor para o que ele chama de
antropologia interpretativa cultural como um recurso de análise que possa
facilitar a interação entre o direito, as leis e a cultural autóctone.
Considera a “declaração de fé” adaptada por P. H. Guliver e sugerida por Max
Gluckmand nas conferências Storr, de que “são os processos sociais que, em
grande parte, determinam o resultado de uma disputa e não a análise dos
processos de raciocínio através dos quais se dá prosseguimento às negociações”.
(p. 273). Aqui, a base é a fusão ontológica entre o normativo e o real (p.281).
Três termos são evocados pelo autor provenientes de culturas
diferentes: haqq (verdade para os islâmicos), dharma (dever para os índicos), e
adat (prática) para os malaios. Além desses significados esses termos podem
significar muito mais em cada uma das dessas culturas e, que por fim, culminam
com o sentido de “justiça” no direito romano.
Eles são lembrados para mostrar que o conceito de justiça trilha por
várias outras significações que abrangem campos como moral, religião,
ontologia, etc. e todos esses conceitos passam pela representação e, portanto,
subjazem ao relativismo cultural, ou seja, dependem da visão de mundo desses
povos.
O especialista em sânscrito J. Gonda diz que dharma (lei dever e
direito) é intraduzível. (p. 296)
O autor cita um caso de julgamento idêntico ao que Salomão, rei de
Israel, teve que enfrentar – Um caso de ciúme que culmina o estrangulamento de
uma criança – Julgado como um “ato tão adharmico” (p.310). Neste caso, o adat
aplica-se menos pela lei e mais pelo próprio comportamento do indivíduo.
Contudo, o autor deixa claro que a busca da verdade é um exercício
retórico. Em suma, o direito é saber local muito mais que “pretensões
encobertas pela retórica acadêmica”. (p. 324). Então o direito é construtivo,
constitutivo e formacional (p. 329)
A tese de Geertz, de que o direito é saber local, e, portanto,
mais que leis, e ainda submisso ao
relativismo cultural, é expressa no final do capítulo assim:
O
direito, com o seu poder de colocar acontecimentos específicos – um compromisso
aqui, uma injúria acolá – em uma moldura geral de uma maneira tal, que as
normas que regulam um gerenciamento adequado e probo desses acontecimentos
pareçam surgir naturalmente dos elementos essenciais do seu caráter, é um pouco
mais que um reflexo da sabedoria herdada, ou uma técnica para a resolução de
conflitos. Com razão ele atrai para si o mesmo tipo de paixão que aqueles
outros procriadores de significados e propositores de mundos – a religião, a
ideologia, a ciência, a história, a moral e o senso comum – atraem. (...) O que está em risco, portanto, ou
julga-se estar em risco, são as próprias concepções sobre o que é fato e sobre
o que é a lei, e a relação que existe entre elas – a sensação sem a qual os
seres humanos mal podem viver, quanto mais adjudicar seja lá o que for, de que
a verdade, o vício, a mentira e a virtude são coisas reais, distinguíveis e
estão alinhadas em seus devidos lugares”. (p. 349)
- PERSPECTIVA TEÓRICA DO CAPÍTULO ESTUDADO
Teoricamente o autor parte da análise de questões do Direito e da
Antropologia Cultural, entendendo que dentro do Direito cabe uma análise
antropológica hermenêutica. Usa as seguintes bases teóricas: Deve haver um “ir
e vir” entre direito, antropologia, etnografia e hermenêutica jurídica e
cultural. Para tanto dialoga com autores
como, entre outros: O. Holmes Jr.; Blackmum; A. P. Herbert em Incommom Law
(Londres 1970 p. 35) (p. 256).; J. Frank (p. 258); Grant Gilmore (p. 268);
Frank O’Hara citado por afirmar a importância do subjetivismo poético como
incentivo à prática, em relação ao direito. (p. 273); W. C. Smith (2. 282); H.
W. Wolson (p. 284); Jeanett Wakin que trata da “palavra empenhada” como
instituto cultural... (p.286); Wittgeinstein que é como ele mesmo diz o “santo
padroeiro” de sua teoria (p.325).
- PRINCIPAIS TESES DESENVOLVIDAS NA OBRA
a) Análise da questão do direito a partir do ponto de vista da
antropologia interpretativa.
b) Análise do Direito como um fato cultural em inteira conexão com os
contextos culturais autóctones.
c) Há um choque entre a antropologia jurídica e a antropologia
cultural.
d) Necessidade de um “ir e vir” hermenêutico entre o direito e o
campo da antropologia e etnografia.
e) O direito é saber local e, portanto, mais que leis, e ainda
submisso ao relativismo cultural.
f) Uma prova de que o direito precisa se acomodar ao saber local é
que constantemente em todas as nações precisam-se criar jurisprudências.
- REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE A OBRA E IMPLICAÇÕES
Uma crítica é relativa à tradução. Contudo,
há um aspecto positivo, o título que literalmente traduzir-se-ia como
“conhecimento local” é traduzido como “saber local” uma interpretação adequada considerando
que “o conhecimento” sob do ponto de vista epistemológico exige uma análise
científica dos fatos, enquanto “saber” remete a provas demonstrativas mais
práticas e, portanto, ligadas ao senso comum, focando “as coisas como são” e
“porque são”.
Por outro lado algumas construções
sintáticas e longos parágrafos dificultam uma compreensão imediata criando
campos semânticos de amplitude variada.
É um capítulo cuja leitura exige do
leitor uma aguçada atenção, sob a pena de perder o fio conectivo entre um
parágrafo e outro. Especialmente quando o autor faz referência ao significado
das palavras haqq (verdade para os islâmicos), dharma (dever para os índicos),
e adat (prática) para os malaios, quando o mesmo se apresenta bastante prolixo.
Não está objetivada a posição do
autor quanto sua inserção nos “processos sociais” e/ou nos processos de
raciocínio como definidores de jurisprudências. Mas por outro lado, não foi sua
intenção emitir qualquer juízo de valor e sim abordar e discutir a questão da
interferência do “saber local” nas questões jurídicas.
Não é apenas o universo jurídico que
está se expandindo e tendo que se acomodar às convulsões modernas. De modo
geral tudo e todos estão experimentando isso. (p. 325)
De modo geral o texto indica que o
direito ultrapassa as leis.
Clifford Geertz. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Tradução de Vera Mello Joscelyne. Petrópolis, Vozes, 1997, 366 pp.
"Afirmar que Clifford Geertz é um nome conhecido na antropologia
brasileira hoje é reiterar o óbvio. Já na graduação os alunos de
Ciências Sociais entram em contato com os textos deste antropólogo
americano, pioneiro no desenvolvimento da antropologia "interpretativa"
que, em diálogo com a hermenêutica de Hans-Georg Gadamer e Paul Ricoeur,
marcou indelevelmente os rumos da disciplina a partir dos anos 70,
desencadeando direta ou indiretamente o fortalecimento da chamada
"antropologia pós-moderna"."
Referências:
Nenhum comentário:
Postar um comentário