Texto
base:
Resumo
da obra “Cultura: Um Conceito Antropológico” de Roque de Barros
Laraia.
LARAIA,
Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico, 21º edição.
Zahar: Rio de Janeiro, 2007.
Sumário:
Primeira
Parte - Da Natureza da Cultura ou da Natureza à Cultura
1.
O determinismo biológico
2.
O determinismo geográfico
3.
Antecedentes histórico do conceito de cultura
4.
O Desenvolvimento do conceito de cultura
5.
Ideia sobre o conceito de cultura
6.
Teorias modernas sobre cultura
Segunda
Parte
1.
A Cultura condiciona a visão de mundo do homem
2.
A Cultura interfere no plano biológico
3.
Os indivíduos participam diferentemente de suas culturas
4.
A cultura tem uma lógica própria
5.
A cultura é dinâmica
Anexo
1 - Uma experiência absurda
Anexo
2 - A difusão da cultura
A
Antropologia, principalmente na abordagem dos fenômenos culturais,
tem-se mostrado uma ferramenta importante para o trabalho teológico,
tanto na formulação conceitual da teologia, quanto na práxis
desses conceitos, principalmente quando tratamos da missiologia e a
inserção dessa no contexto transcultural. E quando digo contexto
transcultural penso tanto na vivência missionária em lugares e
culturas distantes e bastante diferentes da nossa, como na missão
feita nos púlpitos, praças e ruas no meio urbano, que pode se
deparar, também, com uma infinita variedade cultural. Por isso, como
um incentivo ao estudo e diálogo da Teologia com a Antropologia,
quero com essa resenha despertar o interesse dos meus leitores pela
abordagem cultural oferecida pela Antropologia e levar, aos que
estudam a Teologia e fazem missão, a enveredarem-se no saboroso e
enriquecedor diálogo interdisciplinar.
O
livro de LARAIA é introdutório e, como todo bom trabalho acadêmico,
não apresenta qualquer juízo de valor. O autor é professor titular
da Universidade de Brasília e domina como ninguém o tema que se
propõem a escrever, tanto que consegue sintetizar em poucas páginas
um arcabouço teórico construído no decorrer de séculos por
inúmeros pensadores e pesquisadores do campo da Antropologia.
A
pequena brochura de LARAIA pretende traçar uma apresentação
introdutória ao conceito antropológico de cultura num texto
didático, claro e simples (p. 07). O tema é tratado no livro em
duas partes. A primeira parte apresenta a herança teórica do
conceito de cultura até os autores contemporâneos. A segunda parte
aborda a influência que a cultura exerce no comportamento social e
como produz, mesmo diante da constatação de unidade biológica, a
diversidade nas sociedades humanas.
Da
natureza da cultura ou da natureza à cultura
Para
iniciar as discussões, Laraia faz um breve histórico sobre o
desenvolvimento do conceito de cultura. Para isso, cita Heródoto,
que considerava os costumes dos lícios diferentes de "todas as
outras nações do mundo", onde este estava tomando como
referência a sua própria sociedade patrilinear, agindo de uma
maneira etnocêntrica, embora ele tenha teoricamente renegado esta
postura.
O
padre José de Anchieta (1534-1597), ao contrário de Heródoto, se
surpreendeu com os costumes patrilineares dos índios Tupinambá e
escreveu aos seus superiores:
“Porque
têm para si que o parentesco verdadeiro vem pela parte dos pais, que
são agentes; e que as mães não são mais que uns sacos, em
respeito dos pais, em que se criam as crianças, e por esta causa os
filhos dos pais, posto que sejam havidos de escravas e contrárias
cativas, são sempre livres e tão estimados como os outros (p12)”.
Laraia
faz referência também a Montaigne (1533-1572), que procurou não se
espantar em demasia com os costumes dos Tupinambás, afirmando não
ver nada de bárbaro ou selvagem no que diziam a respeito deles,
porque na verdade, cada qual considera bárbaro o que não se pratica
em sua terra. E assim comentou a antropofagia dos Tupinambás: “Não
me parece excessivo julgar bárbaros tais atos de crueldade, mas que
o fato de condenar tais defeitos não nos leve à cegueira acerca dos
nossos”.
Assim,
desde a Antiguidade, foram comuns as tentativas de explicar as
diferenças de comportamento entre os homens, a partir das variações
dos ambientes físicos. Como o fez Marcus V. Pollio, arquiteto
romano, quando afirmou enfaticamente que
“os
povos do sul têm uma inteligência aguda, devido à raridade da
atmosfera e ao calor; enquanto os das nações do Norte, tendo se
desenvolvido numa atmosfera densa e esfriados pelos vapores dos ares
carregados, têm uma inteligência preguiçosas”.).
Contudo,
explicações deste gênero não foram suficientes para resolver o
dilema proposto, tanto é que D'Holbach replicava em 1774: “Será
que o sol que brilhou para os livres gregos e romanos emite hoje
raios diferentes sobre os seus degenerados descendentes?”.
A
isso Laraia responde dizendo que para constatar a existência dessas
diferenças não é necessário retornar ao passado, nem mesmo
empreender uma difícil viagem a um grupo indígena, localizado nos
confins da floresta amazônica ou em uma distante ilha do Pacifico.
Basta comparar os costumes de nossos contemporâneos que vivem no
chamado mundo civilizado.
Enfim,
conclui Laraia, as diferenças de comportamento entre os homens não
podem ser explicadas através das diversidades somatológicas ou
mesológicas. Tanto o determinismo geográfico como o determinismo
biológico, foram incapazes de resolver o dilema proposto, a
conciliação da unidade biológica e a grande diversidade cultural
da espécie humana.
PRIMEIRA
PARTE
No
princípio da primeira parte, o autor mostra a preocupação de
estudiosos em relação a outros povos e compara as várias visões
desses pesquisadores de diferentes épocas, embora introduza a
premissa de que são insuficientes as explicações do determinismo
biológico e geográfico para elucidar o comportamento de tais povos,
como afirmavam alguns desses estudiosos.
A
discussão sobre as perspectivas do determinismo biológico como
fator preponderante na formação e concepção da diversidade
cultural. O autor apresenta razões que levam a conclusão de que
essa perspectiva é equivocada, uma vez que, mesmo havendo diferenças
determinadas biologicamente, como a de sexo, por exemplo, a
antropologia tem comprovado que atividades atribuídas à mulher em
uma dada cultura podem ser atribuídas ao homem em outra (p. 19).
Portanto, o comportamento de uma pessoa pode ser atribuído ao seu
aprendizado, que o autor chama de um processo de endoculturação.
1.
O Determinismo Biológico
Para
Laraia, são velhas e persistentes as teorias que atribuem
capacidades específicas inatas a "raças" ou a outros
grupos humanos. Contudo, os antropólogos estão totalmente
convencidos de que as diferenças genéticas não são determinantes
das diferenças culturais. Segundo Felix Keesing,
"não
existe correlação significativa entre a distribuição dos
caracteres genéticos e a distribuição dos comportamentos
culturais. Qualquer criança humana normal pode ser educada em
qualquer cultura, se for colocada desde o início em situação
conveniente de aprendizado".
Nesse
sentido, enfatiza Laraia, o comportamento dos indivíduos depende de
um aprendizado, de um processo que chamamos de endoculturação. Um
menino e uma menina agem diferentemente não em função de seus
hormônios, mas em decorrência de uma educação diferenciada.
No
primeiro capítulo, o autor deixa claro que compartilha do pensamento
de que as diferenças genéticas/somáticas não determinam
diferenças culturais, isto é, que o determinismo biológico não
influencia o aprendizado e o engendramento de determinada cultura,
processo denominado pelo autor como endoculturação.
2.
O Determinismo Geográfico
O
determinismo geográfico considera que as diferenças do ambiente
físico condicionam a diversidade cultural. Estas teorias, que foram
desenvolvidas principalmente por geógrafos no final do século XIX e
no início do século XX, ganharam uma grande popularidade. Como
Huntington, em seu livro Civilization and Climate (1915), no qual
formula uma relação entre a latitude e os centros de civilização,
considerando o clima como um fator importante na dinâmica do
progresso.
A
partir de 1920, antropólogos como Boas, Wissler, Kroeber, entre
outros, refutaram este tipo de determinismo e demonstraram que existe
uma limitação na influência geográfica sobre os fatores
culturais. E mais: que é possível e comum existir uma grande
diversidade cultural localizada em um mesmo tipo de ambiente físico.
Nesse
sentido, Laraia diz que não é possível admitir a idéia do
determinismo geográfico, ou seja, a admissão da "ação
mecânica das forças naturais sobre uma humanidade puramente
receptiva". A posição da moderna antropologia é que a
"cultura age seletivamente", e não casualmente, sobre seu
meio ambiente, "explorando determinadas possibilidades e limites
ao desenvolvimento, para o qual as forças decisivas estão na
própria cultura e na história da cultura".
Por
conseguinte, continua Laraia, as diferenças existentes entre os
homens não podem ser explicadas em termos das limitações que lhes
são impostas pelo seu aparato biológico ou pelo seu meio ambiente.
A grande qualidade da espécie humana foi a de romper com suas
próprias limitações.
A
mesma linha de refutação é encontrada no segundo capítulo em
relação ao determinismo geográfico, que hipoteticamente
influenciaria a cultura dos povos, por se encontrarem em espaços
físicos diferentes. O autor defende que a cultura age seletivamente
e não casualmente e que através de centenas de estudos sobre vários
povos, foi possível constatar que mesmo nos mesmos ambientes, haviam
culturas diferentes e que existiam culturas bastante semelhantes em
espaços físicos diferentes.
3.
Antecedentes históricos do conceito de cultura
O
conceito de Cultura - todo complexo que inclui conhecimentos,
crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou
hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade - foi
definido pela primeira vez por Edward Tylor (1832-1917).
Já
em 1690, John Locke (1632-1704), ao escrever Ensaio acerca do
entendimento humano, procurou demonstrar que a mente humana não é
mais do que uma caixa vazia por ocasião do nascimento, dotada apenas
da capacidade ilimitada de obter conhecimento, através de um
processo que hoje chamamos de endoculturação.
Em
referência a John Locke, Laraia cita o antropólogo americano Marvin
Harris (1969) que expressa bem as implicações da obra de Locke para
a época: “nenhuma ordem social é baseada em verdades inatas, uma
mudança no ambiente resulta numa mudança no comportamento”.
Para
Jacques Turgot (1727-1781), o homem é capaz de assegurar a retenção
de suas idéias eruditas, comunicá-las para outros homens e
transmiti-las para os seus descendentes como uma herança sempre
crescente.
Jean
Jacques Rousseau (1712-1778), seguiu os passos de Locke e de Turgot
ao atribuir um grande papel à educação, chegando mesmo ao exagero
de acreditar que esse processo teria a possibilidade de completar a
transição entre os grandes macacos (chimpanzé, gorila e
orangotango) e os homens.
Em
1950 Kroeber escreveu que "a maior realização da Antropologia
na primeira metade do século XX foi a ampliação e a clarificação
do conceito de cultura".
Laraia
faz a ressalva, no entanto, de que as centenas de definições
formuladas após Tylor serviram mais para estabelecer uma confusão
do que ampliar os limites do conceito. Tanto é que, em 1973, Geertz
escreveu que o tema mais importante da moderna teoria antropológica
era o de "diminuir a amplitude do conceito e transformá-lo num
instrumento mais especializado e mais poderoso teoricamente".
Nesse
sentido, continua Laraia, no período que decorreu entre Tylor e a
afirmação de Kroeber, em 1950, o monumento teórico que se
destacava pela sua excessiva simplicidade, construído a partir de
uma visão da natureza humana, elaborada no período iluminista, foi
destruído pelas tentativas posteriores de clarificação do
conceito. Por conseguinte, a reconstrução deste momento conceitual,
a partir de uma diversidade de fragmentos teóricos, é uma das
tarefas primordiais da antropologia moderna.
Já
no terceiro capítulo da obra, o autor começa a discorrer da
historicidade do conceito de cultura, dando continuidade após ter se
referido a mesma no final do segundo capítulo como fator de
diferenciação da espécie humana em relação às demais. O autor
recorre, como ponto crucial, à definição de cultura proposta por
Edward Tylor como sendo o “complexo que inclui conhecimentos,
crenças, arte, moral, leis, costumes e quaisquer outros hábitos
adquiridos pelo homem como membro da sociedade” , (LARAIA, 2001,
Pág. 25), aludindo que tal conceito é uma síntese de vários
pensamentos com a mesma linha ideológica, os quais se desenvolveram
em vários estudos como os de John Locke, Turgot, Rousseau, autores
que tentavam quebrar o raciocínio da relação entre natural e
cultural, como domínios que se interagem diretamente. Em seguida, o
autor trata das tentativas posteriores de clarificar o conceito de
cultura proposto por Tylor, bem como a definição dos limites desse
conceito, o que chegou paradoxalmente a provocar uma confusão da
conceituação e a sua desconstrução.
4.
O desenvolvimento do conceito de cultura
Ao
falar sobre os conceitos de cultura, Laraia, diz que para entender
Tylor, é necessário compreender a época em que viveu e
conseqüentemente o seu fundo intelectual. Pois o livro de Tylor foi
produzido nos anos em que a Europa sofria o impacto da Origem das
Espécies, de Charles Darwin, e que a nascente antropologia foi
dominada pela estreita perspectiva do evolucionismo unilinear.
Por
detrás de cada um destes estudos predominava, então, a ideia de que
a cultura desenvolve-se de maneira uniforme, de tal forma que era de
se esperar que cada sociedade percorresse as etapas que já tinham
sido percorridas pelas "sociedades mais avançadas". Desta
maneira era fácil estabelecer uma escala evolutiva que não deixava
de ser um processo discriminatório, através do qual as diferentes
sociedades humanas eram classificadas hierarquicamente, com nítida
vantagem para as culturas europeias. Etnocentrismo e ciência
marchavam então de mãos juntas.
A
principal reação a essa corrente evolucionista, então denominada
método comparativo, inicia-se com Franz Boas (1858-1949). Ele
propôs, em lugar do método comparativo puro e simples, a comparação
dos resultados obtidos através dos estudos históricos das culturas
simples e da compreensão dos efeitos das condições psicológicas e
dos meios ambientes. Em outras palavras, Boas desenvolveu o
particularismo histórico (ou a chamada Escola Cultural Americana),
segundo a qual cada cultura segue os seus próprios caminhos em
função dos diferentes eventos históricos que enfrentou. A partir
daí a explicação evolucionista da cultura só tem sentido quando
ocorre em termos de uma abordagem multilinear.
Continuando
as discussões, Laraia cita as principais contribuições de Alfred
Kroeber (1876-1960), para a ampliação do conceito de cultura,
dizendo que a cultura, mais do que a herança genética, determina o
comportamento do homem e justifica as suas realizações. Nesse
sentido, o homem age de acordo com os seus padrões culturais. Além
disso, o homem consegue adaptar-se aos ambientes biológicos, por
isso foi capaz de romper as barreiras das diferenças ambientais e
transformar toda a terra em seu habitat. Assim, a cultura é um
processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica
das gerações anteriores. Este processo limita ou estimula a ação
criativa do indivíduo.
Assim
sendo, conclui Laraia, ao referir-se ao instinto humano, a
comunicação é um processo cultural. Mais explicitamente, a
linguagem humana é um produto da cultura, mas não existiria cultura
se o homem não tivesse a possibilidade de desenvolver um sistema
articulado de comunicação oral.
No
quarto capítulo, o autor expõe a visão de Tylor sobre o campo da
Antropologia Cultural equiparado às ciências naturais, isto é,
segundo ele, de acordo com o estudo das culturas, pode-se verificar
que esta também possui leis e características de ordem natural,
organizadas e embasadas em alicerces elementares, como por exemplo, a
"unidade psíquica da humanidade". Nesse contexto, Tylor
defende que a Antropologia Cultural tem um objeto de estudo
científico, assim como as demais ciências. A grande diversidade de
culturas então seria explicada pelo grau desigual do processo de
evolução, mas que mesmo assim apresentariam semelhantes
características essenciais. Tais conclusões seriam descobertas
através de uma análise comparativa histórica, levando-se em
consideração os efeitos das condições psicológicas e meios
ambientes, método mais tarde chamado de "particularismo
histórico" por Boas.
Ainda
no mesmo capítulo, o autor expõe as idéias de Kroeber e sua visão
do ser humano como único ser capaz de criar seu próprio processo
evolutivo, ao "superar o orgânico". Segundo Krober, ao
invés de mudar o aparato biológico, a cultura é que seria adaptada
aos diferentes ambientes ecológicos. Desse modo, o ser humano foi
capaz de perpertuar a espécie ao longo dos anos e transformar todo o
planeta Terra em seu habitat. Através da endoculturação, o homem
aprende a romper as barreiras das diferenças ambientais e a dar
vazão à criação. Assim, cada cultura tem o "gênio" que
é capaz de produzir de acordo com suas possibilidades e
necessidades. Nessa conjuntura, o autor então passa a refutar temas
como os instintos humanos e supervaloriza o processo de comunicação
como base para o desenvolvimento da cultura.
5.
Ideia sobre a origem da cultura
Laraia
apresenta o pensamento de diversos autores sobre a origem da cultura,
explicações de natureza física e social. Como Claude Lévi-Strauss,
que considera que a cultura surgiu no momento em que o homem
convencionou a primeira regra, a primeira norma.
Para
alguns pensadores católicos, preocupados com a conciliação entre a
doutrina e a ciência, o homem adquiriu cultura no momento em que
recebeu do Criador uma alma imortal. E esta somente foi atribuída ao
primata no momento em que a Divindade considerou que o corpo do mesmo
tinha evoluído organicamente o suficiente para tornar-se digno de
uma alma e, conseqüentemente, de cultura.
Por
fim, Laraia conclui dizendo que a cultura desenvolveu-se
simultaneamente com o próprio equipamento biológico e é, por isso
mesmo, compreendida como uma das características da espécie, ao
lado do bipedismo e de um adequado volume cerebral. Em outras
palavras, a cultura desenvolveu-se simultaneamente com o equipamento
fisiológico do homem.
Já
no quinto capítulo da obra, o autor começa a problematizar a origem
da cultura como parte unicamente do ser humano. Nesse ponto, expõe
algumas teorias, como a de Leackey e Lewin e o desenvolvimento da
visão eteroscópia, bem como a capacidade de pegar os objetos com as
mãos (fatores resultantes de uma vida arborícola); a de Pilebam e o
bipedismo; Oakley e o desenvolvimento de um cérebro mais volumoso e
complexo; Lévi-Strauss e a teoria da invenção da primeira norma;
White e a elaboração dos símbolos; Ao final, o autor critica que
tais teorias induzem a um aparecimento espontâneo do início da
cultura, sendo partidário de que o aparecimento da cultura se deu
contínua e lentamente, juntamente com o próprio equipamento
biológico.
6.
Teorias modernas sobre cultura
Laraia
procura sintetizar os principais esforços da antropologia moderna na
reconstrução do conceito de cultura. Para isso, utiliza o esquema
elaborado pelo antropólogo Roger Keesing em seu artigo "Theories
of Culture", no qual classifica as tentativas modernas de obter
uma precisão conceitual.
Keesing
refere-se, inicialmente, às teorias que consideram a cultura como um
sistema adaptativo. Difundida por neo-evolucionistas como Leslie
White. Em segundo lugar, faz referência às teorias idealistas de
cultura, que subdivide em três diferentes abordagens. A primeira
delas é a dos que consideram cultura como sistema cognitivo, produto
dos chamados "novos etnógrafos".
A
segunda abordagem é aquela que considera cultura como sistemas
estruturais, ou seja, a perspectiva desenvolvida por Claude
Lévi-Strauss, "que define cultura como um sistema simbólico
que é uma criação acumulativa da mente humana. A última das três
abordagens, entre as teorias idealistas, é a que considera cultura
como sistemas simbólicos. Esta posição foi desenvolvida nos
Estados Unidos principalmente por dois antropólogos: o já conhecido
Clifford Geertz e David Schneider.
Para
Geertz, todos os homens são geneticamente aptos para receber um
programa, e este programa é o que chamamos de cultura. Geertz
considera ainda que a antropologia busca interpretações. Com isto,
ele abandona o otimismo de Goodenough que pretende captar o código
cultural em uma gramática; ou a pretensão de Lévi-Strauss em
decodificá-lo.
Laraia,
parafraseando Murdock (1932) conclui: "Os antropólogos sabem de
fato o que é cultura, mas divergem na maneira de exteriorizar este
conhecimento".
As
teorias modernas com a missão de restabelecer o conceito de cultura
são explanadas no sexto capítulo da obra. O autor se vale do
esquema proposto por Keesing, que divide as teorias em dois grandes
grupos: as que tratam da cultura como sistema adaptativo (cultura
como sistemas de padrões de comportamento socialmente transmitidos,
analogia entre mudança cultural e seleção natural, tecnologia e
economia de subsistência como bases e reguladores da cultura); e as
teorias idealistas de cultura (cultura como sistema cognitivo, como
sistemas estruturais, como sistemas simbólicos). O autor finaliza
com a idéia de que delimitar o conceito de cultura é conhecer a
própria natureza humana, revelando, pois, uma tarefa de perene
reflexão humana.
SEGUNDA
PARTE
Como
opera a cultura
1.
A cultura condiciona a visão de mundo do homem
Laraia
salienta o fato de que quando o homem vê o mundo através de sua
cultura tem como conseqüência a propensão em considerar o seu modo
de vida como o mais correto e o mais natural. Tal tendência,
denominada etnocentrismo, é responsável em seus casos extremos pela
ocorrência de numerosos conflitos sociais.
Assim,
continua Laraia, a dicotomia "nós e os outros" expressa em
níveis diferentes essa tendência. Dentro de uma mesma sociedade, a
divisão ocorre sob a forma de parentes e não-parentes. Os primeiros
são melhores por definição e recebem um tratamento diferenciado. A
projeção desta dicotomia para o plano extragrupal resulta nas
manifestações nacionalistas ou formas mais extremadas de xenofobia.
O
capítulo inicial da segunda parte traz diversos exemplos de como o
ser humano, em decorrência da cultura, pode ter comportamentos
diferentes, possuindo o mesmo aparato biológico. A princípio,
alguns comportamentos fisiológicos básicos deveriam ser iguais por
questões somáticas, como acontecem com os outros seres vivos, mas
apresentam grandes diferenças em determinadas culturas, em
decorrência do próprio processo de endoculturação, como por
exemplo o riso, a sexualidade, o parto, o modo de comer, a própria
comida e a visão do espaço.
2.
A cultura interfere no plano biológico
Na
discussão sobre a atuação da cultura sobre o biológico, Laraia
refere-se ao campo das doenças psicossomáticas, dizendo que estas
são fortemente influenciadas pelos padrões culturais. Muitos
brasileiros, por exemplo, dizem padecer de doenças do fígado,
embora grande parte dos mesmos ignorem até a localização do órgão.
Entre nós são também comuns os sintomas de mal-estar provocados
pela ingestão combinada de alimentos. Quem acredita que o leite e a
manga constituem uma combinação perigosa, certamente sentirá um
forte incômodo estomacal se ingerir simultaneamente esses alimentos.
Assim,
Laraia, diz que a cultura também é capaz de provocar curas de
doenças, reais ou imaginárias. Estas curas ocorrem quando existe a
fé do doente na eficácia do remédio ou no poder dos agentes
culturais.
O
segundo capítulo abrange a influência da cultura em questões
biológicas mais complexas, determinantes de saúde e de
sobrevivência. Exemplos como perda de referências culturais
(apatia), crenças, saudades e outros fatores podem interferir no
plano biológico dos seres humanos e comprometer seu funcionamento
somático equilibrado, levando-os muitas vezes à morte. Já em
outros casos, as crenças e hábitos podem ser capazes de curar,
restabelecendo o bom funcionamento biológico dos seres humanos.
Talvez este seja o capítulo mais interessante da obra, pois revela
como determinada cultura é capaz de transpassar barreiras somáticas
através do processamento psicológico e solucionar problemas
biológicos que em outras culturas pode não ser eficaz.
3.
Os indivíduos participam diferentemente de sua cultura
Laraia
começa por afirmar que a participação do indivíduo em sua cultura
é sempre limitada; nenhuma pessoa é capaz de participar de todos os
elementos de sua cultura.
Ainda
segundo o autor, qualquer que seja a sociedade, não existe a
possibilidade de um indivíduo dominar todos os aspectos de sua
cultura. Isto porque, como afirmou Marion Levy Jr., "nenhum
sistema de socialização é idealmente perfeito, em nenhuma
sociedade são todos os indivíduos igualmente bem socializados, e
ninguém é perfeitamente socializado. Um indivíduo não pode ser
igualmente familiarizado com todos os aspectos de sua sociedade; pelo
contrário, ele pode permanecer completamente ignorante a respeito de
alguns aspectos".
Assim,
conclui Laraia, o importante, porém, é que deve existir um mínimo
de participação do indivíduo na pauta de conhecimento da cultura a
fim de permitir a sua articulação com os demais membros da
sociedade.
No
capítulo seguinte, o autor demonstra que a participação de um
indivíduo em sua cultura é limitada e diversa. Tanto as limitações
como as participações do indivíduo em sua própria cultura podem
ser determinadas por diferentes fatores como por exemplo o sexo, a
idade e costumes. Mais do que isso, esses fatores também podem
diversificar e limitar papéis de maneira diferente em outras
culturas, isto é, papéis desempenhados por determinados indivíduos
de uma cultura podem ser desempenhados por outros em outra cultura. O
autor ainda acrescenta que nenhum indivíduo é capaz e compreender o
seu sistema cultural, mas que é necessário conhecer e englobar para
si o essencial do mesmo para que se identifique e possa viver em
harmonia consigo e com os demais.
4.
A cultura tem uma lógica própria
Segundo
o autor, todo sistema cultural tem a sua própria lógica e não
passa de um ato primário de etnocentrismo tentar transferir a lógica
de um sistema para outro. Infelizmente, a tendência mais comum é de
considerar lógico apenas o próprio sistema e atribuir aos demais um
alto grau de irracionalismo. Nesse sentido, a coerência de um hábito
cultural somente pode ser analisada a partir do sistema a que
pertence. Consequentemente, as explicações encontradas pelos
membros das diversas sociedades humanas, portanto, são lógicas e
encontram a sua coerência dentro do próprio sistema.
Por
conseguinte, conclui Laraia, entender a lógica de um sistema
cultural depende da compreensão das categorias constituídas pelo
mesmo. Como categorias entendemos, como Mauss, "esses princípios
de juízos e raciocínios constantemente presentes na linguagem, sem
que estejam necessariamente explícitas, elas existem ordinariamente,
sobretudo sob a forma de hábitos diretrizes da consciência, elas
próprias inconscientes”.
O
quarto capítulo dedica-se a explicar os princípios de juízos e
raciocínios de cada cultura como sendo lógicos, por mais que
pareçam ilógicos para as outras culturas. Acaba por tratar de que
todas as culturas possuem a sua lógica Isto porque, nas palavras do
autor, “Muito do que supomos ser uma ordem
inerente da natureza não passa, na verdade, de uma ordenação que é
fruto de um procedimento cultural, mas que nada tem a ver com uma
ordem objetiva.” (LARAIA, 2001, Pág. 89). Assim, a compreensão do
mundo em cada cultura é lógica.
5.
A cultura é dinâmica
Para
Laraia existem dois tipos de mudança cultural: uma que é interna,
resultante da dinâmica do próprio sistema cultural, e uma segunda
que é o resultado do contato de um sistema cultural com um outro.
No
primeiro caso, a mudança pode ser lenta, quase impercebível para o
observador que não tenha o suporte de bons dados diacrônicos. O
ritmo, porém, pode ser alterado por eventos históricos tais como
uma catástrofe, uma grande inovação tecnológica ou uma dramática
situação de contato. O segundo caso pode ser mais rápido e brusco.
Para
Laraia, como a cultura tem um caráter dinâmico, este segundo tipo
de mudança, além de ser o mais estudado, é o mais atuante na maior
parte das sociedades humanas. Pois é praticamente impossível
imaginar a existência de um sistema cultural que seja afetado apenas
pela mudança interna.
Assim,
conclui Laraia, cada sistema cultural está sempre em mudança.
Entender esta dinâmica é importante para atenuar o choque entre as
gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma
que é fundamental para a humanidade a compreensão das diferenças
entre povos de culturas diferentes, é necessário saber entender as
diferenças que ocorrem dentro do mesmo sistema. Este é o único
procedimento que prepara o homem para enfrentar serenamente este
constante e admirável mundo novo do porvir.
A
característica do dinamismo da cultura é tratada no capítulo
quinto, tendo como causa principal a capacidade que tem o ser humano
de questionar os seus próprios hábitos e modificá-los. Em outras
palavras, a cultura é sempre alterada de forma mais rápida ou mais
lenta, dependendo de cada cultura, isto porque o ser humano é capaz
de rever SUS princípios e sempre busca uma forma de aperfeiçoá-los
ou transformá-los. O autor ainda alude a dois tipos de mudança
cultural: a interna ( resultante de uma catástrofe, inovação
tecnológica ou uma dramática situação de contato); e a resultante
do contato de um sistema cultural com um outro.
Ao
afirmar que todas as culturas estão sempre em constante mudança, o
autor demonstra a importância de se entender tal processo, já que
se poderá ser mais tolerável aos novos comportamentos e, além
disso, com os comportamentos de outras culturas.
Cultura:
um conceito antropológico, de Roque Laraia mostra ao leitor de forma
clara e simples as discussões sobre a construção do conceito de
cultura.
O
livro divide-se me duas partes: a primeira, que se refere ao
desenvolvimento do conceito de cultura a partir das manifestações
iluministas até os autores modernos; a segunda demonstra como a
cultura influencia no comportamento social e diversifica a
humanidade, apesar de sua comprovada unidade biológica.
Onde
o autor faz citações de Confúcio e Heródoto, que muitos séculos
antes de Cristo já se preocupavam com os modos de comportamentos
existentes entre os povos. Que o autor procura explicar dando-nos
exemplos de várias sociedades e cada uma delas com diferentes
comportamentos entre os homens que não podem ser explicados através
das diversidades somalógicas e mesológicas.
Para
Laraia, nem o determinismo geográfico, nem o biológico foram
capazes de solucionar os problemas com as diferenças entre os
homens. O que mostra que qualquer criança pode ser educada em
qualquer cultura, desde que seja colocada em situação conveniente
de aprendizado. E fala também, que pode existir uma grande
diversidade cultural dentro de uma mesma cultura.
Segundo
Laraia, Edward Tylor será o primeiro a definir cultura a partir de
um ponto de vista antropológico. Entretanto, as definições
formuladas após Tylon serviram mais para estabelecer confusão do
que esclarecer limites de conceitos.
Na
epistemologia da cultura Laraia busca interpretar em diversos
autores, como Lévi-Straus, que convencionou a primeira regra, a
primeira norma como o início da cultura; e White, que diz que a
passagem do estado animal para o humano ocorreu quando o cérebro foi
capaz de gerar símbolos.
O
autor discorre como os indivíduos de culturas diferentes vêem o
mundo de maneira diferente. Fazendo ressalvas para a tendência
denominada de etnocentrismo, que é responsável por inúmeros
conflitos por uma cultura pensar que é melhor que a outra. Por fim,
Laraia diz que se viver em qualquer cultura é necessário conhecer o
mínimo dela.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A
obra refuta veemente as correntes do determinismo biológico e
geográfico como determinantes da cultura de um povo, e convence
através de estudos empíricos e análises históricas (método
defendido pelo autor) de que a cultura pode se desenvolver das mais
variadas (e semelhantes) formas possíveis em qualquer lugar do
mundo, sejam eles próximos ou longínquos .
A
cultura é então vista como algo intrínseco ao ser humano, tendo
vista que é um ser social. Não existe ser humano sem cultura,
e todos eles são capazes de aprender qualquer cultura, não
importando sua raça ou origem. A cultura é tida como diretriz e
formadora da visão de mundo de um indivíduo, que sem ela adoece,
morre, como quando acometido de uma doença ou quando um órgão
essencial para de funcionar adequadamente. E através dela que muitas
vezes se curam e ‘e em nome dela que vivem, que se organizam e que
buscam.
Não
existe cultura superior à outra, nem mais desenvolvida, nem mais
lógica. Todas elas possuem seus princípios válidos para seus
respectivos indivíduos. Antes de tudo, todas as culturas têm o
mesmo valor. As culturas são responsáveis pelo o homem
ser capaz de transpassar os anos, sem a necessidade de modificarem-se
somaticamente para resistirem às mudanças ecológicas. E por mais
diversas que possam ser, todas obedecem regras elementares e
genéricas, que podem ser estudadas com seriedade e cientificidade,
para que se possa compreender a maior característica do ser humano,
numa tentativa de se conviver pacifica e harmoniosamente.
Resumo
Geral
O
livro de Laraia é dividido em duas partes. A primeira delas trata
sobre o desenvolvimento do conceito de cultura, enquanto a segunda,
sobre as formas pelas quais a cultura influencia o comportamento
social e diversifica a humanidade.
Logo no início do texto,
Laraia aponta dois dos maiores equívocos que rondavam – e,
poder-se-ia dizer, ainda rondam – o conceito de cultura em
Antropologia: os determinismos geográficos e biológicos. Tais
teses, hoje abandonadas pela grande maioria dos antropólogos e
cientistas sociais, sustentam que as características geográficas ou
biológicas – leia-se raciais ou étnicas – seriam responsáveis
pelas diferenças culturais entre os diversos povos. Laraia apresenta
uma série de colocações que desmentem tais teses, como por
exemplo, o argumento de que existem diferenças culturais
significativas em relação a povos estabelecidos em condições
geográficas similares. Um exemplo de concepção pautada no
determinismo geográfico é aquela que considera o clima como um
elemento determinante do progresso de um povo – enquanto povos
residentes em climas frios seriam mais suscetíveis ao progresso,
aqueles residentes em climas quentes estariam em condição
desfavorável em função do calor que os tornaria preguiçosos e
passionais. O raciocínio do determinismo biológico funciona da
mesma maneira: as diferenças culturais seriam explicadas em função
da genética de cada povo. Neste sentido, Laraia cita muito
pertinentemente uma declaração da Unesco, datada de 1950 - e
portanto, após o genocídio praticado pelo nazismo em direção
àqueles que seriam considerados geneticamente inferiores – a fim
de sustentar que as diferenças entre os povos se deve á história
cultural de cada grupo, e não da sua genética. Daí que “o
comportamento dos indivíduos depende de um aprendizado, de um
processo de chamamos de endoculturação” . A endoculturação
seria o processo de diferenciação entre os povos, incorrendo na
formação de culturas diferentes.
A
seguir, o autor mostra como foi surgindo e sendo delineado o conceito
de cultura – desde os antecedentes históricos da definição do
conceito, como Locke que postulava a mente humana como “tabula
rasa”, passando pela definição clássica de Tylor, a primeira
definição de cultura do ponto de vista antropológico, ainda com
uma perspectiva evolucionista segundo a qual haveria uma “escala de
civilização” de onde se definiria o progresso cultural. Tal
perspectiva foi reproduzida na Antropologia com grande ênfase,
graças à influência dos estudos de Charles Darwin, em A origem das
espécies. O evolucionismo começa a ser superado a partir dos
estudos do alemão Franz Boas, que, radicado nos EUA, desenvolve o
Particularismo Histórico (ou Escola Cultural Americana), “segundo
a qual cada cultura segue os seus próprios caminhos em função dos
diferentes eventos históricos que enfrentou” . O antropólogo
americano Kroeber complementa esta definição, afirmando que cada
cultura é o meio de adaptação do homem em relação aos diversos
ambientes ecológicos, de modo que não é o aparato biológico que
determina a cultura; ao contrário, a adaptação é que exige
mudanças em seu “equipamento superorgânico”. Laraia volta a
este ponto mais à frente, quando trata da questão de como a cultura
influencia o aparato biológico humano.
O autor também chama
atenção para o fato de que o surgimento da cultura depende de um
sistema articulado de comunicação, sem o qual seria impossível a
transmissão cultural, considerando que a cultura é um processo de
acúmulo de experiências diversas transmitidas pela comunicação.
A
seguir, o autor discorre sobre as origens da cultura, apresentando
algumas breves explicações de paleontologia humana, que destacam o
desenvolvimento do bipedismo, o da habilidade manual e do cérebro
como condições sine qua non para o surgimento da cultura. Também
ganham enlevo as teses do antropólogo francês Lévi-Strauss, para
quem a cultura surge com a primeira norma – a proibição do
incesto – e do americano Leslie White, que associa a cultura à
capacidade especificamente humana de gerar símbolos. Laraia também
chama a atenção para o fato de que algumas destas teorias parecem
supor que a cultura teria surgido de forma súbita, o que constitui
um ponto de crítica para o autor, pois “a natureza não age por
saltos” , o que leva Laraia a concluir, em seu texto, que a cultura
se desenvolve gradual e ao mesmo tempo simultaneamente ao
desenvolvimento do equipamento biológico.
Ao fim da primeira
parte do livro, Laraia expõe algumas das mais importantes teorias
modernas sobre a cultura, com base no artigo Theories of Culture, do
antropólogo americano Roger Keesing. Este artigo divide as
concepções de cultura em dois grupos: as que a consideram como um
sistema adaptativo (linha evolucionista), e as teorias idealistas
sobre a cultura, divididas em três outros grupos. O primeiro deles é
aquele que considera a cultura como um sistema cognitivo
(antropologia cognitiva); o segundo como um sistema estruturalista
(caso de Lévi-Estrauss) e o terceiro, como um sistema simbólico
(tendência esta desenvolvida nos EUA, especialmente por Geertz e
Schneider).]
Na segunda parte do livro, Laraia se dispõe a
mostrar, de início, como a cultura condiciona a visão do mundo do
homem. Para o autor, “o modo de ver o mundo, as apreciações de
ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e
mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança
cultural, ou seja, o resultado de uma ação de uma determinada
cultura” . Laraia nos fornece um exemplo simples, mas muito eficaz,
para ilustrar esta perspectiva – o riso. Sujeitos de diferentes
culturas riem de coisas distintas e por razões distintas. Um índio
Kaapor pode rir de susto; os japoneses por vezes riem por etiqueta;
os americanos riem de comédia pastelão etc. Da mesma forma que o
riso, o uso que se faz do corpo também depende da cultura, como
sugere o autor ao citar o artigo de Marcel Mauss, Noção de Técnica
Corporal. Dentre os exemplos, destaca-se a diversidade gastronômica
humana, de onde decorre que alimentos considerados saborosos e
requintados em uma cultura podem despertar repulsa em outras. A
partir desta idéia de “repulsa ao que soa estranho”, o autor
chama a atenção par uma tendência etnocêntrica, a qual consiste,
em termos gerais, em considerar cada um o modo de viver da sua
cultura como superior aos demais.
Em seguida, Laraia retoma o tema
das influências da cultura sobre o biológico, usando como exemplo
os índios Kaapor, que crêem que a visão de um fantasma é um sinal
de morte – e o crêem de forma tão veemente que os índios chegam
a morrer. A influência da cultura sobre o organismo também se
evidencia no surgimento de doenças psicossomáticas, ou na eficácia
do conhecido “efeito placebo”.
Laraia
coloca a seguir que os indivíduos participam diferentemente de cada
cultura. O grau de participação de cada um numa cultura depende de
inúmeros fatores, como idade, sexo, posição social etc. O autor
fornece vários destes casos, como por exemplo, o estabelecimento de
uma idade mínima para o voto ou para o casamento. Neste sentido,
destaca também a importância de cada um conhecer minimamente o
sistema cultural no qual está inserido. È a partir destes sistemas
que as pessoas sabem como agir, o que é lícito fazer ou não etc,
de modo a se enquadrarem socialmente.
Laraia
enfatiza também que toda cultura possui uma lógica própria, ou
seja, não é possível deslocar a lógica de um dado sistema
cultural para outro, do mesmo modo que um fato cultural apreende seu
sentido apenas na configuração que lhe é própria, pois “a
coerência de um hábito cultural somente pode ser analisada a partir
do sistema a que pertence” . Assim, a análise de uma outra cultura
requer um distanciamento da “cultura própria”, a fim de que as
referências da última não sirvam de critério para as
primeiras.
Ao fim do livro, Laraia expõe um último ponto: a
cultura é dinâmica, de modo que nenhuma sociedade é estática –
mesmo que o ritma de mudança de determinadas sociedades seja menos
acelerado que de outras. Existiriam também dois padrões de mudanças
– o da dinâmica que se efetua a partir do próprio sistema
cultural e o que resulta do contato com uma outra cultura. Este
último é o que se dá de forma mais atuante na maior parte das
sociedades, recebendo maior atenção da Antropologia. Entender a
dinâmica de um sistema cultural “é importante para atenuar o
choque entre gerações e evitar comportamentos preconceituosos ”.
Finda
a leitura deste ótimo livro, nota-se que ele cumpre com louvor a
proposta do autor, que é a de iniciar os interessados ao estudo da
cultura. O texto de Laraia é de linguagem simples, acessível, mas
nem por isso deixa de ser sofisticado e completo, em função não
somente da riqueza de exemplos e citações, mas também por abordar
algumas das questões mais significativas em torno da problemática
sobre a cultura com grande eficácia e sensibilidade. Leitura
recomendada não apenas aos estudantes de Ciências Sociais, mas para
qualquer pessoa interessada em avançar seus conhecimentos sobre este
objeto de estudo tão rico e complexo, que é a cultura.
Referências:
CULTURA:
UM CONCEITO ANTROPOLÓGICO. Regis Augusto Domingues Resenha. Revista
Antropos – Volume 3, Ano 2, Dezembro de 2009 ISSN 1982-1050
Resenha
crítica do livro Cultura – um conceito Antropológico, de Roque de
Barros Laraia. Rio de Janeiro, Editora Jorge Zahar, 1988
Arquivo
em PDF Edição 14ª:
Audiolivro
- Roque Laraia - Cultura: um conceito antropológico - 1