quarta-feira, 5 de abril de 2017

Análise de Os Narradores de Javé - SND


Texto Base - RESENHA CRÍTICA - FILME: NARRADORES DE JAVÉ


Obviamente o filme que nos ajuda a refletir sobre o problema da sustentabilidade e o impacto de grandes empreendimentos no interior do Brasil sobre comunidades tradicionais locais e principalmente sobre os movimentos ambientalistas, que na prática não barram quase nada os grandes empreendimentos, principalmente em nosso estado, que o diga a soja.
O bom é saber que o filme foi rodado com os R$ 400 mil recebidos no concurso promovido pelo BNDES, a produção captou R$ 1,8 milhão, valor-limite previsto no certificado emitido pelo Ministério da Cultura.
Assim como na vida real, somente uma ameaça à própria existência pode mudar a rotina dos habitantes do pequeno vilarejo de Javé. É aí que eles se deparam com o anúncio de que a cidade pode desaparecer sob as águas de uma enorme usina hidrelétrica. Em resposta à notícia devastadora, a comunidade adota uma ousada estratégia: decide preparar um documento contando todos os grandes acontecimentos heroicos de sua história, para que Javé possa escapar da destruição.  
O filme ainda nos faz pensar em algumas outras questões:
- Memória e Patrimônio Histórico, o que são? Para que servem? 
- Lincando o filme com questões atuais, como a polêmica da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Que impactos ambientais e socioculturais atingem populações expostas a esse tipo de empreendimento?
- Desenvolvimento Sustentável: a produção de energia gera muitas vezes impactos fortes em regiões que não necessariamente irão usufruir desse progresso. (Centros produtores e centros consumidores).
Narradores de Javé, um filme brasileiro de 2003, do gênero drama, dirigido por Eliane Caffé, conta a história dos moradores do vilarejo do Vale de Javé e o temor destes: uma represa que precisa ser construída e com isso a cidade de Javé será alagada. E para impedir tal fato, a única chance que eles têm é a de provar que a cidade possui um valor histórico a ser preservado. Para isso, precisam colocar por escrito os fatos que só são contados de boca a boca, de pai para filho.
Como a maioria dos moradores são analfabetos, para preparar um documento contando todos os grandes acontecimentos heroicos de sua história, então, recorrem ao ex-carteiro da cidade. Um homem banido por todos, que para evitar que o posto de correios do lugar seja fechado começa a escrever cartas para pessoas de outras cidades e conhecidos seus, contando mentiras e calúnias dos habitantes da cidade, para poder assim gerar movimento na agência, e evitar o fechamento da mesma (e assim, preservar o seu emprego). Assim, o malandro Antonio Biá é convocado pelo povoado do Vale de Javé a pôr na escrita as histórias, contadas há anos pelos moradores, sobre a fundação da cidade, os personagens grandiosos e cheios de virtude que habitavam suas lembranças. Neste caminho, Biá vai conhecendo a fundo as fantasias, as memórias e as lembranças do povo de Javé. Mas a escrita destas histórias, tão diferentes umas das outras, não estava fácil. Biá, por mais talentoso que fosse na "regras da escritura" teve muitas dificuldades para pôr no papel as histórias de grandeza daquele povo, as quais não obtiveram registro oficial.
Nesse contexto, o filme aborda diversos temas como, a formação cultural de um povo; heranças históricas; crenças; valores; oposição entre memória, história, verdade e invenção; importância da oralidade na construção científica; dimensão da escrita e da fala; confronto entre o progresso e as tradições do vilarejo.
O drama do filme se inicia com a iminente construção de uma hidrelétrica pelo Governo que deixará a pequena cidade submersa em pouco tempo. A única esperança para sua sobrevivência seria se ficasse comprovada sua condição de patrimônio histórico e cultural que isso ficasse atestado com base na criação de um documento de "valor científico". Fica estabelecido através de uma assembleia dos moradores que a história de fundação da cidade será escrita, documentada. Dessa maneira ficaria comprovado o valor histórico de Javé. 
Uma questão que perpasse o longa metragem é a preservação do patrimônio histórico, cultura e ambiental em fase do avanço da sociedade industrial e tecnológica.
A permanência representa a continuidade dos acontecimentos políticos, sociais, culturais, artísticos, das narrativas de populações inteiras. Assim, no filme Narradores de Javé, percebe-se o quanto a escrita é importante para vida de uma sociedade. Os moradores do vilarejo de Javé, assustados pela invasão da represa buscam soluções para o problema.O problema é que a posse ancestral da terra está baseada em narrativas contadas de pai para filho e não em documentos, é óbvio que aqui também se pode traçar um paralelo com as terras indígenas.
Para dar início a escrita do documento, o mesmo procura ter conhecimento dos acontecimentos existentes a respeito da cidade, mas acontece que cada morador conta uma historia diferente e sempre defendendo os seus interesses, uns dos principais fatores abordados na obra, que é a verdade e a invenção, associados a um dos ditados populares: “Existem três verdades: a minha, a sua e a que de fato é.” Pode-se dizer que outro objetivo do filme é mostrar como os personagens se sentiam importantes em registrar sua história naquele livro, em lutar para mostrar e tentar preservar seus valores históricos, sua identidade, seus antepassados, suas crenças cultura, de tal forma que nos faz refletir sobre esses fatores que muitas vezes nos passam despercebidos. A primeira comparação que me vem a mente é o movimento ambientalista, é muito teatro para pouca prática, o desmatamento desenfreado continua. 
Os relatos em tom de fábula dos moradores, que não conseguem se entender entre suas versões, os casos contados, a verdadeira fundação de Javé, o papel e a forma da morte de Indalécio, seu fundador, e da participação de Mariadina, tornam-se perceptível no decorrer das cenas do filme que, as lendas e os contos contribuem para a formação cultural de um povo na medida em que edificam uma maneira de viver de determinadas pessoas na sua moral ou na sua forma de agir através dos hábitos, costumes e pela linguagem pitoresca da região.
É comum ouvirmos as célebres frases "Quem conta um conto aumenta um ponto", "Existem três verdades: a minha, a sua e a que de fato é", "O povo aumenta, mas não inventa". Enfim, são verdades populares que estão na boca do povo e que é o elemento-chave do filme, levando a um confronto entre verdade – invenção, memória – história. AS narrativas tem a intenção de autoconhecimento e da reinclusão das cultura, como sendo, metaforicamente, um pertencente a outra, como na narrativa dos negros que vêm o Brasil como sendo uma parte da África, uma grande aldeia dentro da África. Nessa narrativa contada por pai Cariá, de forma musicalizada,  Indalécio se torna Indaleu. Como nas narrativas contadas pelos remanescentes quilombolas se conta uma narrativa onde Indaleu possuía uma mulher-entidade, Oxum, desposada quando a comunidade acha uma manancial de água.
Em toda a história da humanidade, o povo sempre viveu na oralidade, as crenças, as histórias, as lendas eram passadas de pai para filho, resgatando apenas a memória do passado. Assim como no filme os moradores de Javé buscam construir um documento científico com a história de cidadezinha, é importante destacar que as escrituras que hoje temos acesso surgiram da oralidade histórica de um povo, como por exemplo, a Bíblia, os acontecimentos históricos do Brasil e do mundo, entre outros. Deste modo, a tradição oral vinculada a escrita fortalece as relações entre as pessoas, criando uma rede de transmissão de conhecimentos e modo de vida. As palavras são transformadas em ação, neste ato de contar estabelece-se uma relação de cumplicidade, além de serem repassados conhecimentos.
O filme é interessante justamente pelo fato de criticar a realidade das pessoas pobres, que não tendo voz para tentar defender seus direitos, vivem no mundo da exclusão, preconceito e sofrimento. Num determinado instantes elas têm impressão que se tornarão heróis, mas com em Dom. Quixote, não passam de marionetes, no estilo Pinóquio. Ele nos propõe uma reflexão imediata em relação ao desenvolvimento de forma sustentável, nos estudos ressaltou-se importância do desenvolvimento ser pautado no tripé da sustentabilidade, ou seja, levando em consideração a questão econômica, ambiental e social.
Ao final do filme, o livro com a grande história de Javé não foi escrito. O progresso ostenta o espaço, a represa é construída, e por fim, a cidade é inundada e seus moradores desterrados. Narradores de Javé, embora tenha buscado o registro para que suas memórias não ficassem submersas, evidencia uma sociedade que se desvanece, em sua cultura, história e tradição em detrimento do progresso, do avanço tecnológico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário