Resumo 
Até
 recentemente os estudos sobre os povos e culturas indígenas do Nordeste
 brasileiro não constituíram um objeto mais sistemático de 
investigações, parecendo apenas propiciar uma etnologia secundária e 
menor. Na visão do autor, isso decorreu da dificuldade de aplicação 
àquelas culturas dos pressupostos da antropologia americanista, a qual 
opera com modelos societários que enfatizam a descontinuidade cultural, 
bem como a objetividade e a exterioridade do observado em face do 
pesquisador e de sua sociedade. Dialogando com diferentes perspectivas 
teóricas, o autor delineia ou reelabora algumas noções como, 
respectivamente, as de "territorialização", "situação colonial", 
"diáspora" e "viagem da volta" que lhe permitem realizar uma análise 
compreensiva do processo histórico que veio a transformar tais 
populações nos grupos étnicos atuais. Sugere, ao final, que os estudos 
que vêm sendo realizados no Brasil e em diferentes partes do mundo sobre
 "índios misturados" (isto é, relações interétnicas em áreas de 
colonização muito antiga) podem contribuir para a construção de uma 
antropologia mais articulada com a história. 
Abstract 
Until
 quite recently, indigenous peoples in the Brazilian Northeast were not 
the object of systematic investigation, rather appearing to inspire a 
kind of secondary, lesser ethnology. According to the author, this 
oversight resulted from a difficulty in applying the premises of 
Americanist anthropology to such cultures, since the latter operates 
with societal models emphasizing both cultural discontinuity and the 
objectivity and externality of the observed vis-à-vis the researcher and
 his/her society. By establishing a dialogue with different theoretical 
perspectives, the author delineates or reworks several notions, such as 
"territorialization", "colonial situation", "diaspora", and "return 
journey", allowing him to produce a comprehensive analysis of the 
historical process which turned such populations into the current ethnic
 groups. Finally, he suggests that studies on "mixed Indians" (i.e., 
relations between ethnic groups in areas of very old colonization) in 
Brazil and elsewhere can help construct an anthropology that is better 
articulated with history.
Os povos 
indígenas do Nordeste não foram objeto de especial interesse para os 
etnólogos brasileiros. Nas bibliotecas e no mercado editorial são muito 
raros os trabalhos especializados disponíveis1.
 Apesar da grande expansão do sistema de pós-graduação nos últimos anos 
no Brasil, ainda no início desta década contava-se com poucas teses 
monográficas2 e
 nenhuma interpretação mais abrangente formulada sobre o assunto. Tudo 
levava a crer tratar-se, em definitivo, de um objeto de interesse 
residual, estiolado na contracorrente das problemáticas destacadas pelos
 americanistas europeus, e inteiramente deslocado dos grandes debates 
atuais da antropologia. Uma etnologia menor. 
Na década de 
50, a relação de povos indígenas do Nordeste incluía dez etnias; 
quarenta anos depois, em 1994, essa lista montava a 23. Se lembrarmos da
 conceituação dos povos indígenas nas Américas como "pueblos únicos" 
(Bonfil 1995:10), ou da descrição dos direitos indígenas como 
"originários" (Carneiro da Cunha 1987), estaremos diante de uma 
contradição em termos absolutos: o surgimento recente (duas décadas!) de
 povos que são pensados, e se pensam, como originários. Existem muitas 
outras conceituações similares espalhadas pelo mundo (como a de 
populações aborígines, encontrada na legislação na Austrália e Oceania, 
no Canadá, na Argentina e em outros países da América Latina; "populations autochtones", referência comum utilizada na etnologia francesa, e pelos africanistas em especial; "first nations",
 empregada por organizações indígenas nos Estados Unidos), o que torna 
ainda mais ampla a questão. Como podemos explicar esse paradoxo? Sem 
dúvida as lacunas etnográficas e os silêncios da historiografia ¾ enquanto componentes de um discurso do poder (vide Trouillot 1995) ¾
 constituem fontes geradoras desse enigma, mas não resolvem o problema, 
tornando-se necessário discutir também as teorias sobre etnicidade e os 
modelos analíticos utilizados. 
Minha intenção aqui é 
fornecer subsídios para se refletir sobre esse paradoxo. Para tanto a 
minha exposição segue três movimentos. No primeiro procuro mostrar como 
ocorreu a formação do objeto de investigação e reflexão intitulado 
"índios do Nordeste", partindo dos cânones científicos nacionais e 
internacionais até as instituições locais, mostrando como concretamente 
se inter-relacionaram modelos cognitivos e demandas políticas. Em um 
segundo movimento discuto conceitos para a análise da etnicidade e, 
baseando-me em algumas etnografias, procuro fornecer uma chave 
interpretativa para os fatos da chamada "emergência" de novas 
identidades. Finalmente debato com o americanismo e reflito sobre as 
perspectivas para o estudo de populações tidas como de pouca 
distintividade cultural (ou seja, culturalmente "misturadas"). 
Uma etnologia das perdas e das ausências culturais 
Em
 seu trabalho de classificação das áreas culturais indígenas existentes 
no país, Eduardo Galvão (1979 [1957]:225-226) manifesta dúvidas quanto à
 última delas ¾ a XI, intitulada "nordeste"3 ¾
 possuir, efetivamente, uma unidade e consistência igual às demais. O 
autor destaca desde logo os efeitos da aculturação e o seu diagnóstico 
sobre as dez etnias dessa área cultural é o seguinte: "A maior parte 
vive integrada no meio regional, registrando-se considerável mesclagem e
 perda dos elementos tradicionais, inclusive a língua"4. Ao mencionar os Pataxó, o autor agrega (sem aspas) o adjetivo "mestiçados". É importante lembrar que o artigo de Galvão ¾ por seu caráter introdutório e classificatório ¾
 constitui um dos textos mais consultados não só por estudantes de 
antropologia, mas também por museólogos, bibliotecários, educadores e 
comunicadores sociais em geral. 
Para o público mais especializado o cenário não é diverso. No Handbook of South American Indians,
 obra de referência capital para os estudos etnológicos, os povos 
indígenas do Nordeste são focalizados em pequenos artigos (quase 
verbetes) escritos por Robert Lowie (1946) e Alfred Métraux (1946), um 
deles com a colaboração de Curt Nimuendaju. Em ambos os textos são 
utilizadas fontes históricas e, primordialmente, relatos de cronistas 
quinhentistas e seiscentistas ou naturalistas viajantes dos séculos 
XVIII e XIX. Ou seja, tais povos e culturas passam a ser descritos 
apenas pelo que foram (ou pelo que, supõe-se, eles foram) há séculos 
atrás, mas sabe-se nada (ou muito pouco) sobre o que eles são hoje em 
dia. O que, por suposto, pouca contribuição traria à etnologia enquanto 
estudo comparativo das culturas. 
Em uma famosa metáfora, Lévi-Strauss nos ensina que "O antropólogo é o astrônomo das ciências sociais:
 ele está encarregado de descobrir um sentido para configurações muito 
diferentes, por sua ordem de grandeza e seu afastamento, das que estão 
imediatamente próximas do observador." (1967:422; ênfases no original) 
Não se trata de uma associação acidental ou pouco representativa de sua 
obra, mas de um ensinamento conectado com pressupostos fundamentais do 
"método etnológico" por ele delineado5. 
A
 relevância do autor e de sua metáfora para os estudos americanistas não
 pode ser medida por citações ou referências explícitas em artigos e 
monografias, mas por situar-se como uma imagem simples e sugestiva, 
compartilhada pela maioria dos etnólogos que estuda as populações 
autóctones sul-americanas (inclusive os não vinculados diretamente a 
esse quadro teórico). Esquadrinhando os céus, o astrônomo lembra o 
viajante/etnógrafo de que nos fala Dégérando, cujas viagens no espaço 
correspondem também a enormes deslocamentos no tempo, explorando o 
passado e cruzando diferentes eras (vide Stocking Jr. 1982; Fabian 
1983). Cabe lembrar os comentários de Anne-Christine Taylor, sobre o 
"arcaísmo" característico do "americanismo tropical" (1984:232). 
A
 metáfora da astronomia é, no entanto, inteiramente inaplicável ao 
estudo das culturas autóctones do Nordeste e, no máximo, poderia ajudar a
 entender as razões de sua baixa atratividade para os etnólogos. Se é a 
distintividade cultural que possibilita o distanciamento e a 
objetividade, instaurando a não contemporaneidade entre o nativo e o 
etnólogo, como é possível proceder com as culturas indígenas do 
Nordeste, que não se apresentam como entidades descontínuas e discretas?
 Para colocar em prática o método etnológico tal como definido por 
Lévi-Strauss deveríamos supor que o momento privilegiado de observação 
daquelas culturas seria logo após os primeiros contatos dos indígenas 
com os portugueses, isto é, nos primórdios da colonização, nos séculos 
XVI e XVII. Ultrapassados esses marcos, tais culturas ficariam expostas 
em demasia ao campo magnético do Ocidente, verificando-se uma 
interferência cada vez mais forte deste nos registros e, por 
conseqüência, nas hipóteses avançadas. A pesquisa de campo poderia 
continuar a ser praticada, de preferência associada a um conjunto de 
técnicas (etnohistória) que reconstitui o passado e busca seus vestígios
 no presente. Mas o rendimento dessas culturas para a etnografia e a 
etnologia seria sempre inferior ao do estudo de outras situadas em uma 
faixa mais favorável de observação. 
Se as duas maiores vertentes dos estudos etnológicos das populações autóctones da América do Sul ¾ o evolucionismo cultural norte-americano e o estruturalismo francês ¾
 parecem confluir para uma avaliação negativa quanto às perspectivas de 
uma etnologia dos povos e culturas indígenas do Nordeste, o mesmo ocorre
 com o indigenismo. Em um texto de grande difusão, Darcy Ribeiro é ainda
 mais incisivo. Utilizando-se de imagens fortes, fala em "resíduos da 
população indígena do nordeste", ou ainda em "magotes de índios 
desajustados", vistos nas ilhas e barrancos do São Francisco (Ribeiro 
1970:56). Recorda com tristeza que até mesmo "os símbolos de sua origem 
indígena, haviam sido adotados no processo de aculturação" (Ribeiro 
1970:53), o que exemplifica com os Potiguara, que em suas danças 
utilizavam instrumentos africanos ¾ zambé e puitã ¾
 "acreditando serem tipicamente tribais" (Ribeiro 1970:53). Descrevendo 
os Xucuru de modo similar, o autor observa que estão altamente 
mestiçados com a população sertaneja local, tendo perdido "o idioma e 
todas as práticas tribais, exceto o culto do Juazeiro Sagrado, se é que 
este cerimonial fora originalmente deles" (Ribeiro 1970:54). 
Ao
 amargor vêm juntar-se a suspeição e, logo, o descrédito, inclusive, 
como possíveis sujeitos históricos: "Por todos os sertões do nordeste, 
ao longo dos caminhos das boiadas, toda a terra já é pacificamente 
possuída pela sociedade nacional; e os remanescentes tribais, que ainda 
resistem ao avassalamento só têm significado como acontecimentos locais,
 imponderáveis" (Ribeiro 1970:57). Os índios do Nordeste não possuiriam 
mais importância enquanto objeto de ação política (indigenista), nem 
permitiriam visualizar perspectivas para os estudos etnológicos. 
A construção do objeto "índios do nordeste" 
Em
 algumas capitais da região se consolidaram núcleos de pesquisa que 
viriam, de algum modo, a desembocar em iniciativas destacadas e 
relevantes6.
 No entanto, a etnologia indígena não possuía o mesmo poder de atração 
das investigações sobre as religiões afro-brasileiras, a arqueologia ou o
 folclore, e mesmo as incursões dos catedráticos que estavam referidos à
 lingüística ou à antropologia social7,
 não deixaram de abordar em suas teses e comunicações as temáticas 
indígenas através do viés do passado. Isso se refletia ainda com mais 
clareza nos museus, onde as culturas indígenas eram representadas seja 
por meio de peças arqueológicas e relações históricas de populações que 
viveram no Nordeste, seja por coleções etnográficas trazidas de 
populações atuais do Xingu ou da Amazônia. 
É a partir de fatos de natureza política ¾ demandas quanto à terra e assistência formuladas ao órgão indigenista ¾
 que os atuais povos indígenas do Nordeste são colocados como objeto de 
atenção para os antropólogos sediados nas universidades da região. O que
 aí ocorre exemplifica uma trajetória possível de institucionalização 
para uma antropologia periférica, tal como observado por Peirano 
(1995:24): em lugar de definir suas práticas por diálogos teóricos, 
operam mais com objetos políticos ou ainda com a dimensão política dos 
conceitos da antropologia. 
Em 1975, como um desdobramento 
da Reunião Brasileira de Antropologia, realizada em Salvador, 
estabelece-se um termo de cooperação entre a Funai e a UFBA no sentido 
de que esta pudesse vir a gerar estudos que subsidiassem programas de 
assistência e desenvolvimento aos povos indígenas do estado. Embora essa
 articulação tenha tido curta duração, estimulou o aparecimento de um 
primeiro "grupo de trabalhos" (Carvalho 1977; Bandeira s/d, entre 
outros) sobre alguns povos indígenas da Bahia ¾
 como os Pataxó e os Kiriri, que, embora reconhecidos como "índios" pelo
 órgão indigenista e pela literatura etnológica, não dispunham de terras
 demarcadas e protegidas. 
Organizados e mobilizados mais 
tarde pela criação da ANAI e do PINEB (vide Agostinho 1995), os 
antropólogos produzem uma quantidade expressiva de artigos, relatórios e
 laudos que ampliam o conhecimento empírico sobre as condições de 
existência da população indígena do estado (vide Carvalho 1984; 
Agostinho 1988), gerando dados e argumentos que fortalecem suas 
demandas. 
É como uma resultante desse contexto que surge a primeira tentativa de definição dos "índios do nordeste"
 como uma unidade, isto é, um "conjunto étnico e histórico" integrado 
pelos "diversos povos adaptativamente relacionados à caatinga e 
historicamente associados às frentes pastoris e ao padrão missionário 
dos séculos XVII e XVIII" (Dantas, Sampaio e Carvalho 1992:433). 
Em
 vez de optar por um eixo ordenador central (como a história e as formas
 de colonização, ou os nichos ecológicos e sua capacidade diferenciada 
de atender às demandas das culturas e gerar processos adaptativos), que 
lhes possibilitaria desenvolver um discurso teórico e interpretativo, os
 autores associam variáveis de natureza teórica muito distintas dentro 
de uma moldura que tem um caráter regional e particularizante. A unidade
 dos "índios do nordeste" é dada não por suas instituições, nem por sua 
história, ou por sua conexão com o meio ambiente, mas por pertencerem ao
 Nordeste, enquanto conglomerado histórico e geográfico. 
Ao
 longo do ensaio, contudo, esses autores mencionam, a título de um 
estigma, uma caracterização sociológica que poderia aplicar-se a todas 
aquelas populações: "a partir da segunda metade do século, sobretudo, os
 índios dos aldeamentos passam a ser referidos, com crescente 
freqüência, como índios 'misturados', agregando-se-lhes uma série de atributos negativos que os desqualificam e os opõem aos índios 'puros'
 do passado, idealizados e apresentados como antepassados míticos" 
(Dantas, Sampaio e Carvalho 1992:451). Tal observação, no entanto, é 
integrada a uma cadeia puramente cronológica de fatos históricos, sem 
vir a ser incorporada a um esforço de conceituação. 
A expressão "índios misturados" ¾ freqüentemente encontrada nos Relatórios de Presidentes de Província e em outros documentos oficiais ¾
 merece uma outra ordem de atenção, pois permite explicitar valores, 
estratégias de ação e expectativas dos múltiplos atores presentes nessa 
situação interétnica. Em lugar de estabelecer um diálogo com as 
tentativas de criar instrumentos teóricos para o estudo desse fenômeno ¾
 como a noção de "fricção interétnica (Cardoso de Oliveira 1964), as 
críticas às noções de tribalismo e aculturação (Cardoso de Oliveira 1960
 e 1968), ou a noção de "situação histórica" (Oliveira 1988) ¾ a tendência dos estudos foi restringir-se aos trabalhos sobre a região (tal como a definem) e discutir a "mistura" como uma fabricação ideológica e distorcida. 
O
 órgão indigenista, igualmente, sempre manifestou seu incômodo e 
hesitação em atuar junto aos "índios do nordeste", justamente por seu 
alto grau de incorporação na economia e na sociedade regionais. O padrão
 habitual de ação indigenista ocorria em situações de fronteira em 
expansão, com povos indígenas que mantinham sob seu controle amplos 
espaços territoriais (ou, inversamente, ameaçavam o controle das frentes
 sobre estes) e que possuíam uma cultura manifestamente diferente 
daquela dos não-índios. Estabelecer a tutela sobre os "índios" era 
exercer uma função de mediação intercultural e política, disciplinadora e
 necessária para a convivência entre os dois lados, pacificando a região
 como um todo, regularizando minimamente o mercado de terras e criando 
condições para o chamado desenvolvimento econômico (vide Oliveira 1983 e
 1988; Lima 1995 para aprofundamento desse ponto). 
No 
Nordeste, contudo, os "índios" eram sertanejos pobres e sem acesso à 
terra, bem como desprovidos de forte contrastividade cultural. Em uma 
área de colonização antiga, com as formas econômicas e a malha fundiária
 definidas há mais de dois séculos, o órgão indigenista atuava apenas de
 maneira esporádica, respondendo tão-somente às demandas mais incisivas 
que recebia. Mesmo nessas poucas e pontuais intervenções, o órgão 
indigenista tinha de justificar para si mesmo e para os poderes 
estaduais que o objeto de sua atuação era efetivamente composto por 
"índios", e não por meros "remanescentes". 
Em artigo que 
integra uma publicação voltada para um público amplo (Oliveira 1994), 
comparo os povos indígenas que estão na região Nordeste com aqueles da 
Amazônia em termos dos territórios que ocupam ou reivindicam8.
 Dadas as características e a cronologia da expansão das fronteiras na 
Amazônia, os povos indígenas detêm parte significativa de seus 
territórios e nichos ecológicos, enquanto no Nordeste tais áreas foram 
incorporadas por fluxos colonizadores anteriores, não diferindo muito as
 suas posses atuais do padrão camponês e estando entremeadas à população
 regional9. 
Essa
 desproporção dá aos problemas e mobilizações dos povos indígenas na 
Amazônia uma importante dimensão ambiental e geopolítica, enquanto no 
Nordeste as questões se mantêm primordialmente nas esferas fundiária e 
de intervenção assistencial. Se, na Amazônia, a mais grave ameaça é a 
invasão dos territórios indígenas e a degradação de seus recursos 
ambientais, no caso do Nordeste, o desafio à ação indigenista é restabelecer os territórios indígenas, promovendo a retirada dos não-índios das áreas indígenas, desnaturalizando a "mistura" como única via de sobrevivência e cidadania. 
É
 por isso que o fato social que nos últimos vinte anos vem se impondo 
como característico do lado indígena do Nordeste é o chamado processo de
 etnogênese, abrangendo tanto a emergência de novas identidades como a 
reinvenção de etnias já reconhecidas. Como apontei naquela ocasião 
(Oliveira 1994), é isso que pode ser tomado como base para distinguir os
 povos e as culturas indígenas do Nordeste daqueles da Amazônia. 
A
 "etnologia das perdas" deixou de possuir um apelo descritivo ou 
interpretativo e a potencialidade da área do ponto de vista téorico 
passou a ser o debate sobre a problemática das emergências étnicas e da 
reconstrução cultural. E é orientado por essas preocupações teóricas, 
que se constituiu do início dos anos 90 para cá um significativo 
conjunto de conhecimentos sobre os povos e culturas indígenas do 
Nordeste10, ancorado na bibliografia inglesa e norte-americana sobre etnicidade e antropologia política, e ¾ é importante acrescentar ¾ nos estudos brasileiros sobre contato interétnico. 
Apoiando-me
 nessa significativa acumulação de dados etnográficos e nas 
interpretações aí conduzidas, parece-me possível e necessário tentar uma
 reflexão mais sistemática e elaborada sobre o lugar e a contribuição 
que podem aportar esses estudos para a etnologia indígena. É o que 
procurarei fazer a seguir. 
Situação colonial e territorialização 
Cabe
 recordar que a noção de território não é de maneira alguma nova na 
antropologia, sendo utilizada por Morgan (1973) como critério para 
distinguir as formas de governo (societas e civitas, 
baseadas, respectivamente, nos grupos de parentesco ou no território e 
na propriedade), e retomada com a mesma função por Fortes e 
Evans-Pritchard (1975) na classificação dos sistemas políticos 
africanos. Em um artigo posterior, Bohanan (1967) fornece uma grande 
quantidade de exemplos em que os princípios ordenadores de uma sociedade
 estão localizados em um ponto específico da estrutura social ¾ o sistema de linhagem, as classes de idade, a organização militar, o sistema ritual, as formações religiosas ¾,
 sem que as ações sociais possuam qualquer conexão mais significativa 
com alguma base territorial fixa. À diferença dessas, outras sociedades 
apresentam uma tendência a constituir formações estatais (ainda que 
rudimentares) e costumam tomar o território como um fator regulador das 
relações entre os seus membros. 
Se muitos fatores (internos
 e externos) podem ser indicados para explicar a passagem de uma 
sociedade segmentar à condição de sociedade centralizada, o elemento 
mais repetitivo e constante responsável por tal transformação é a sua 
incorporação dentro de uma situação colonial, sujeita, portanto, a um 
aparato político-administrativo que integra e representa um Estado (seja
 politicamente soberano ou somente com status colonial). O que importa reter dessa discussão (que em outro trabalho ¾ Oliveira 1993 ¾ procurei explorar mais sistematicamente) é que é um fato histórico ¾ a presença colonial ¾
 que instaura uma nova relação da sociedade com o território, 
deflagrando transformações em múltiplos níveis de sua existência 
sociocultural. 
Foi para destacar a amplitude e a radicalidade de tal mudança ¾
 a qual Henry Maine (1861), em uma linguagem claramente evolucionista e 
sem se referir ao quadro colonial, celebrava como "a revolução mais 
radical ocorrida no domínio da política" ¾ que foi formulada a noção de territorialização.
 Como argumentei anteriormente (Oliveira 1993), "a atribuição a uma 
sociedade de uma base territorial fixa se constitui em um ponto-chave 
para a apreensão das mudanças por que ela passa, isso afetando 
profundamente o funcionamento das suas instituições e a significação de 
suas manifestações culturais". Nesse sentido, a noção de territorialização é definida como um processo de reorganização social
 que implica: 1) a criação de uma nova unidade sociocultural mediante o 
estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora; 2) a 
constituição de mecanismos políticos especializados; 3) a redefinição do
 controle social sobre os recursos ambientais; 4) a reelaboração da 
cultura e da relação com o passado. 
Tal formulação pretende
 acrescentar um elemento novo à clássica análise de Barth (1969) sobre 
os grupos étnicos e suas fronteiras. Afastando-se das posturas 
culturalistas, Barth definia um grupo étnico como um tipo 
organizacional, onde uma sociedade se utilizava de diferenças culturais 
para fabricar e refabricar sua individualidade diante de outras com que 
estava em um processo de interação social permanente. Do ponto de vista 
heurístico, portanto, seria um equívoco pretender reportar-se a uma 
condição de isolamento (localizada no passado) para vir a explicar os 
elementos definidores de um grupo étnico, cujos limites (boundaries) seriam construídos ¾ e sempre situacionalmente ¾
 pelos próprios membros daquela sociedade. Isso o leva a propor o 
deslocamento do foco de atenção das culturas (enquanto isolados) para os
 processos identitários que devem ser estudados em contextos precisos e 
percebidos também como atos políticos (recuperando assim a definição 
weberiana de "comunidades étnicas" ¾ vide Weber 1983). 
A
 elaboração teórica de Barth vai justamente até esse ponto, quando, 
então, cede a vez à investigação empírica. Quando a primeira é retomada 
mais tarde (Barth 1984; 1988), o prisma adotado já é diverso (como 
mencionarei adiante). Creio, no entanto, que é importante refletir mais 
detidamente sobre o contexto intersocietário no qual se constituem os 
grupos étnicos. Não se trata de maneira alguma de um contexto abstrato e
 genérico, que possa absorver todas as sociedades e suas diferentes 
formas de governo, mas de uma interação que é processada dentro de um 
quadro político preciso, cujos parâmetros estão dados pelo Estado-nação 
(Williams 1989). Para dar mais atualidade histórica a tal contexto, 
caberia fazer dois reparos à formulação anterior: que algumas vezes o 
exercício do mandato político pode ser transferido de um Estado-nação 
para outro; e que existem regulamentações internacionais que ganham a 
cada dia mais força e que vêm a instituir novos dinamismos na relação 
entre grupo étnico e Estado-nação. 
A dimensão estratégica 
para se pensar a incorporação de populações etnicamente diferenciadas 
dentro de um Estado-nação é, a meu ver, a territorial. Da perspectiva 
das organizações estatais ¾ das quais os reinos seriam a primeira modalidade conhecida ¾,
 administrar é realizar a gestão do território, é dividir a sua 
população em unidades geográficas menores e hierarquicamente 
relacionadas (vide Revel 1990), definir limites e demarcar fronteiras 
(Bourdieu 1980). 
A noção de territorialização tem a mesma função heurística que a de situação colonial ¾
 trabalhada por Balandier (1951), reelaborada por Cardoso de Oliveira 
(1964), pelos africanistas franceses e, mais recentemente, por Stocking 
Jr. (1991) ¾, da qual descende e é caudatária em termos teóricos. É uma intervenção da esfera política que associa ¾ de forma prescritiva e insofismável ¾ um conjunto de indivíduos e grupos a limites geográficos bem determinados. É esse ato político ¾
 constituidor de objetos étnicos através de mecanismos arbitrários e de 
arbitragem (no sentido de exteriores à população considerada e 
resultante das relações de força entre os diferentes grupos que integram
 o Estado) ¾ que estou propondo tomar como fio condutor da investigação antropológica. 
O que estou chamando aqui de processo de territorialização é, justamente, o movimento pelo qual um objeto político-administrativo ¾
 nas colônias francesas seria a "etnia", na América espanhola as 
"reducciones" e "resguardos", no Brasil as "comunidades indígenas" ¾
 vem a se transformar em uma coletividade organizada, formulando uma 
identidade própria, instituindo mecanismos de tomada de decisão e de 
representação, e reestruturando as suas formas culturais (inclusive as 
que o relacionam com o meio ambiente e com o universo religioso)11.
 E aí volto a reencontrar Barth, mas sem restringir-me à dimensão 
identitária, vendo a distinção e a individualização como vetores de 
organização social. As afinidades culturais ou lingüísticas, bem como os
 vínculos afetivos e históricos porventura existentes entre os membros 
dessa unidade político-administrativa (arbitrária e circunstancial), 
serão retrabalhados pelos próprios sujeitos em um contexto histórico 
determinado e contrastados com características atribuídas aos membros de
 outras unidades, deflagrando um processo de reorganização sociocultural
 de amplas proporções. 
O que sucedeu aos povos e culturas 
indígenas do Nordeste? As populações indígenas que hoje habitam o 
Nordeste provêm das culturas autóctones que foram envolvidas em dois processos de territorialização
 com características bem distintas: um verificado na segunda metade do 
século XVII e nas primeiras décadas do XVIII, associado às missões 
religiosas; o outro ocorrido neste século e articulado com a agência 
indigenista oficial. Embora possa surpreender que a construção de 
objetos étnicos não ocorra quando da conquista nem na faixa do litoral, 
isso não é raro, como demonstra Wachtel (1992:46-48) ao observar que, 
entre os Chipaya e seus vizinhos no altiplano boliviano, a cristalização
 dos elementos que podem ser ditos como constitutivos das identidades 
étnicas atuais só se efetuou no curso do século XVIII. 
Pelo
 primeiro movimento, famílias de nativos de diferentes línguas e 
culturas foram atraídas para os aldeamentos missionários, sendo 
sedentarizadas e catequizadas. Desse contingente é que procedem as 
atuais denominações indígenas do Nordeste, coletividades que 
permaneceram nos aldeamentos sob o controle dos missionários, e 
distantes dos demais colonos e dos principais empreendimentos (como as 
lavouras de cana-de-açúcar, as fazendas de gado e as cidades do 
litoral). Nesse sentido, a relação de aldeamentos missionários (vide 
Dantas, Sampaio e Carvalho 1992:445-446) pode ser lida como uma complexa
 árvore genealógica, contendo cadeias sucessórias e demandas 
territoriais. 
Mas as missões religiosas foram instrumentos 
importantes da política colonial, empreendimentos de expansão 
territorial e das finanças da Coroa, localizadas principalmente no 
sertão do São Francisco. Para isso incorporavam ao Estado colonial 
português um contingente de "índios mansos" e que já era produto de uma 
primeira "mistura". Devemos observar que o processo de territorialização
 vivenciado pela população autóctone é radicalmente diverso daquele 
gerado pela política indigenista do século XX que, em termos de 
propositura, pretende interromper o processo de assimilação compulsória,
 deixando o progresso material da região como uma tarefa para os 
não-indígenas. No caso das missões, que são unidades básicas de ocupação
 territorial e de produção econômica, há uma intenção inicial explícita 
de promover uma acomodação entre diferentes culturas, homogeneizadas 
pelo processo de catequese e pelo disciplinamento do trabalho. A "mistura" e a articulação com o mercado são fatores constitutivos dessa situação interétnica. 
Se as missões ¾ enquanto produto de políticas estatais ¾ conjugavam aspectos que podemos chamar de assimilacionistas e preservacionistas, o seu sucedâneo histórico ¾ o "diretório de índios" ¾
 pendeu decisivamente para a primeira direção, estimulando os casamentos
 interétnicos e a fixação de colonos brancos dentro dos limites dos 
antigos aldeamentos. Essa foi a segunda "mistura", cujos efeitos 
só não foram maiores pelo caráter extensivo e rarefeito da presença 
humana nas fazendas de gado, único empreendimento que teve relativo 
sucesso na região. Sem existir fluxos migratórios significativos para o 
sertão, as antigas terras dos aldeamentos permaneceram sob o controle de
 uma população de descendentes dos índios das missões, que as mantinham 
como de posse comum, ao mesmo tempo que se identificavam coletivamente 
mediante referências às missões originais, a santos padroeiros ou a 
acidentes geográficos. 
Mas a política assimilacionista vai 
recrudescer, apoiada em mudanças demográficas e econômicas. Com a Lei de
 Terras de 1850 inicia-se por todo o Império um movimento de 
regularização das propriedades rurais. As antigas vilas, 
progressivamente, expandem o seu núcleo urbano e famílias vindas das 
grandes propriedades do litoral ou das fazendas de gado buscam 
estabelecer-se nas cercanias como produtoras agrícolas. Os governos 
provinciais vão, sucessivamente, declarando extintos os antigos 
aldeamentos indígenas e incorporando os seus terrenos a comarcas e 
municípios em formação. Paralelamente, pequenos agricultores e 
fazendeiros não-indígenas consolidam as suas glebas ou, por 
arrendamento, estabelecem controle sobre parcelas importantes das terras
 que, na ausência de outros postulantes, ainda subsistiam na posse dos 
antigos moradores. Essa foi a terceira "mistura", a mais radical,
 que limitou seriamente as suas posses, deixando impressas marcas em 
suas memórias e narrativas. É o que sucedeu, por exemplo, com os 
Pankararu do Brejo dos Padres, que descrevem a extinção do antigo 
aldeamento fazendo referência ao "tempo das linhas", quando ocorreram os
 trabalhos de demarcação e distribuição de lotes (Arruti 1996). 
Antes
 do final do século XIX já não se falava mais em povos e culturas 
indígenas no Nordeste. Destituídos de seus antigos territórios, não são 
mais reconhecidos como coletividades, mas referidos individualmente como
 "remanescentes" ou "descendentes". São os "índios misturados" de
 que falam as autoridades, a população regional e eles próprios, os 
registros de suas festas e crenças sendo realizados sob o título de 
"tradições populares". Foi nessa condição, por exemplo, que uma equipe 
do antigo Instituto Nacional do Folclore, na década de 70, visitou o 
antigo aldeamento de Almofala, filmando e gravando a realização do 
"torém", ritual mais importante dos índios Tremembé (Valle 1993). 
O
 segundo movimento de territorialização tem início na década de 20, 
quando o governo de Pernambuco reconheceu (embora consolidando ocupações
 posteriores) as terras doadas ao antigo aldeamento missionário de 
Ipanema (1705), passando-as ao controle do órgão indigenista "para que 
nela resida[issem] os descendentes dos Carnijos" até que pudessem ser 
liberados dessa tutela (vide Peres 1992). Os Fulni-ô, como passam a ser 
chamados desde a implantação de um Posto Indígena com esse nome, mantêm a
 sua língua (yatê) e um período de reclusão ritual (o "ouricouri"), 
constituindo-se assim como os mais claramente "índios" entre a população
 indígena do Nordeste. O processo de territorialização operou como um 
mecanismo antiassimilacionista (vide Cardoso de Oliveira 1972), criando 
condições supostamente "naturais" e adequadas de afirmação de uma 
cultura diferenciadora, e instaurando a população tutelada como um 
objeto demarcado cultural e territorialmente. Apesar da última ressalva 
do decreto, que fazia parte das finalidades declaradas da política 
indigenista oficial, a intenção de tutores e tutelados nunca caminhou na
 direção da total assimilação e da eliminação da tutela. 
Nas
 décadas seguintes foram implantados Postos Indígenas em diversas áreas 
do Nordeste, visando atender as populações ali situadas. Em 1937 isso 
ocorreu com os Pankararu (Brejo dos Padres, PE) e os Pataxó, da Fazenda 
Paraguassu/Caramuru (Ilhéus, BA); em 1944 com os Kariri-Xocó, da ilha de
 São Pedro (AL); em meados da década de 40 com os Truká, da ilha de 
Assunção (BA); em 1949 com os Atikum, da serra do Umã (PE), e os Kiriri,
 de Mirandela (BA); em 1952 com os Xukuru-Kariri, da Fazenda Canto (AL);
 em 1954 com os Kambiwá (PE); e em 1957 com os Xukuru, de Pesqueira 
(PE). Na maior parte desses casos terras foram demarcadas e destinadas 
às populações atendidas. 
Em linhas gerais, esse processo de
 territorialização trouxe consigo a imposição de instituições e crenças 
características de um modo de vida próprio aos índios que habitam as 
reservas indígenas e são objeto, com maior grau de compulsão, do 
exercício paternalista da tutela (fato independente de sua diversidade 
cultural). Dentre os componentes principais dessa indianidade (Oliveira 1988) cabe destacar a estrutura política e os rituais diferenciadores. 
A organização política de quase todas as áreas passou a incluir três papéis diferenciados ¾ o cacique, o pajé e o conselheiro (isto é, membro do "conselho tribal") ¾,
 tomados como "tradicionais" e "autenticamente indígenas". A indicação 
ou ratificação dos ocupantes desses papéis era realizada pelo agente 
indigenista local (o chefe do P.I.), que, de fato, ocupava o topo dessa 
estrutura de poder e quem distribuía os benefícios provenientes do 
Estado (de alimentos a empregos, passando por empréstimos ou permissões 
de uso de instrumentos agrícolas, meios de transporte, cacimbas d'água 
etc.). 
O patrimônio cultural dos povos indígenas do 
Nordeste, afetados por um processo de territorialização há mais de dois 
séculos, e depois submetidos a fortes pressões no sentido de uma 
assimilação quase compulsória, está necessariamente marcado por 
diferentes "fluxos" e "tradições" culturais (Hannerz 1997; Barth 1988). 
Para que sejam legítimos componentes de sua cultura atual, não é preciso
 que tais costumes e crenças sejam, portanto, traços exclusivos daquela 
sociedade Ao contrário, freqüentemente, tais elementos de cultura são 
compartilhados com outras populações indígenas ou regionais, como 
ocorre, por exemplo, com os índios Tremembé e seus vizinhos, que possuem
 em comum um conjunto de crenças e narrativas sobre o passado e o mundo 
sobrenatural, que são, no entanto, muito distintas daquelas da população
 rural do interior do Ceará (vide Valle 1993). 
Mas a 
política indigenista oficial exige demarcar descontinuidades culturais 
em face dos regionais, e assim o processo de territorialização ganha 
características bem distintas do que ocorreu nas missões religiosas. O 
ritual do toré, por exemplo, permite exibir a todos os atores presentes 
nessa situação interétnica (regionais, indigenistas e os próprios 
índios) os sinais diacríticos de uma indianidade (Oliveira 1988) 
peculiar aos índios do Nordeste. Transmitido de um grupo para outro por 
intermédio das visitas dos pajés e de outros coadjuvantes, o toré 
difundiu-se por todas as áreas e se tornou uma instituição unificadora e
 comum. Trata-se de um ritual político, protagonizado sempre que é 
necessário demarcar as fronteiras entre "índios" e "brancos". Foi o que 
sucedeu com os Atikum, considerados como "índios" pelo SPI após ¾ como relatou um informante Atikum quase quarenta anos depois ¾
 um inspetor ter ido assistir à performática realização de um toré. Ao 
ver que "dançavam um toré arroxado" o representante oficial deu-se por 
convencido, passando a encaminhar o processo de reconhecimento do grupo 
(vide Grünewald 1993). 
O processo de territorialização
 não deve jamais ser entendido simplesmente como de mão única, dirigido 
externamente e homogeneizador, pois a sua atualização pelos indígenas 
conduz justamente ao contrário, isto é, à construção de uma identidade 
étnica individualizada daquela comunidade em face de todo o conjunto 
genérico de "índios do Nordeste". Os pajés Pankararu podem ensinar a 
comunidades de parentes desgarrados como se faz um "praiá" (cerimonial 
em que as máscaras dançam representando os "encantados"), mas cada nova 
aldeia (assim como cada grupo étnico dali surgido ¾
 como os Pankararé, os Kantaruré e os Jeripancó) irá levantar sua 
própria "casa dos praiás", instituindo a sua própria galeria de 
"encantados" e instaurando uma relação específica com os "encantados" 
mais antigos (Arruti 1996). 
Cada grupo étnico repensa a "mistura"
 e afirma-se como uma coletividade precisamente quando se apropria dela 
segundo os interesses e crenças priorizados. A idéia da "mistura"
 está presente também entre os próprios índios, sendo acionada muitas 
vezes para reforçar clivagens faccionais. Assim é que os Xukuru e 
Xukuru-Kariri, dentre outros, fazem distinção entre os "índios puros" 
(de famílias antigas e reconhecidas como indígenas) e os "braiados" 
(produto de intercasamento com brancos ou outros já mestiçados) (vide, 
respectivamente, Fialho 1992; Martins 1994)12. 
Algumas
 vezes era o próprio Posto Indígena que identificava os membros de uma 
denominação indígena, mediante o fornecimento de carteira individual, 
que atestava que "o portador desta era efetivamente índio". Mas à 
imposição da norma segue-se a sua apropriação local, sempre específica e
 individualizadora. Assim, os Kiriri criaram uma nova figura para lidar 
com o fenômeno da identidade étnica, tão simples e clara como a lista, 
só que sob seu controle e, portanto, podendo ser usada situacionalmente ¾
 para "ser índio" não basta ter descendência indígena nem ter carteira, é
 preciso também, como dizem, "passar no coador" (isto é, ter uma conduta
 moral e política julgada adequada, mantendo-se em uma lista que fica em
 mãos do cacique e que é atualizada de tempos em tempos em reunião do 
"conselho indígena") (vide Brasileiro 1996). 
Antes de 
finalizar esta sumária apresentação de dados resultantes de pesquisas 
mais recentes, caberia retornar à discussão do início deste subtítulo 
sobre a natureza última dos grupos étnicos. Seguindo a análise de Weber 
sobre as comunidades étnicas, Barth certamente diria que é a política. 
Os dados apresentados em uma situação etnográfica bastante adversa ¾
 em que populações que se reivindicam como indígenas estão altamente 
dependentes do Estado e muito afetadas por agências e instituições 
ocidentalizantes ¾ parecem exigir 
uma maior complexificação. Cada comunidade é imaginada como uma unidade 
religiosa e é isto que a mantém unificada e permite criar as bases 
internas para o exercício do poder. Uma metáfora acionada por diferentes
 grupos, em variados contextos, conecta as gerações do passado e do 
presente (Baptista 1992; Barreto Filho 1993; Grünewald 1993; Arruti 
1996). Os antepassados seriam "os troncos velhos" e as gerações atuais 
"as pontas de rama". Quando as cadeias genealógicas foram perdidas na 
memória e não há mais vínculos palpáveis com os antigos aldeamentos, as 
novas aldeias têm de apelar aos "encantados" para afastar-se da condição
 de "mistura" em que foram colocadas. Só assim podem reconstruir para si
 mesmas a relação com os seus antepassados (o seu "tronco velho"), 
podendo vir a redescobrir-se enquanto "pontas de rama". 
Diásporas e viagens 
Um outro movimento de territorialização
 ocorre nos anos 70/80, quando chegam ao conhecimento público 
reivindicações e mobilizações de povos indígenas que não eram 
reconhecidos pelo órgão indigenista nem estavam descritos na literatura 
etnológica. Era o caso dos Tinguí-Botó, dos Karapotó, dos Kantaruré, dos
 Jeripancó, dos Tapeba, dos Wassu, dentre outros, que passam a ser 
chamados de "novas etnias" ou de "índios emergentes". 
As 
metáforas utilizadas, seja para descrever esse processo, seja para 
definir a especificidade dessas sociedades, devem ser vistas com 
bastante reserva e desconforto, pois comprometem a investigação com 
pressupostos arbitrários e equivocados. É comum o uso de imagens 
naturalizantes ligando a dinâmica das sociedades ao ciclo biológico dos 
indivíduos. Fala-se em nascimento e morte sob as imagens mais simples e 
diretas, algumas vezes com a desculpa de uma intenção literária, mas 
também na elaboração ou reelaboração de conceitos com pretensão 
explicativa. 
Assim aparece, por exemplo, o termo 
"etnogênese", empregado por Gerald Sider (1976), no contexto de uma 
oposição ao fenômeno do etnocídio. Não caberia tomá-la como conceito ou 
mesmo noção, pois este e outros autores, que também aplicam a mesma 
idéia na etnografia de populações indígenas (como Goldstein 1975), 
sequer sentem a necessidade de melhor defini-la, tomando-a como 
evidente. Em termos teóricos, a aplicação dessa noção ¾ bem como de outras igualmente singularizantes ¾
 a um conjunto de povos e culturas pode acabar substantivando um 
processo que é histórico, dando a falsa impressão de que, nos outros 
casos em que não se fala de "etnogênese" ou de "emergência étnica", o 
processo de formação de identidades estaria ausente. 
Também
 outras noções que ocupam lugares precisos dentro de certos quadros 
teóricos podem vir a ser utilizadas com significados muito deslocados e 
referidos à metáfora naturalizante acima criticada: é o caso dos 
conceitos de acamponesamento/proletarização, cujo par é aplicado por 
Amorim (1975) com a intenção de descrever um ciclo evolutivo marcado 
pela fatalidade (expansão do capital e proletarização) atribuída à 
história. 
Uma outra classificação freqüente é a do atributo
 da invisibilidade. Retoma uma tradição presente no Ocidente de 
estabelecer uma identificação entre a visão e o conhecimento, 
considerando aquela como uma faculdade privilegiada13.
 Embora possa ser de utilidade enquanto artifício descritivo, no plano 
da análise comparativa continua a ser caudatária de uma etnologia das 
perdas e das ausências culturais. 
A caracterização de 
"índios emergentes" não deixa de ser igualmente incômoda. Por um lado, 
sugere associações de natureza física e mecânica quanto ao estudo da 
dinâmica dos corpos, o que pode trazer pressupostos e expectativas 
distorcidos quando aplicada ao domínio dos fenômenos humanos. Como 
imagem literária, ao contrário, reporta-se a uma aparição imprevista, 
enfatizando o fator surpresa. Por sua ambigüidade, pode ser suscetível 
de usos variados sem, no entanto, contribuir para o entendimento de 
aspectos relevantes do fenômeno que designa. 
Um outro 
conjunto de imagens adota como estratégia singularizar tais sociedades, 
de forma a poder contrapô-las e distingui-las dos modelos sociológicos 
usuais. O mais popularizado é o costume de falar em "novas etnicidades" 
(Bennett 1975), englobando um extenso arco de fenômenos (migrantes, 
minorias reconhecidas, afro-americanos, índios em cidades etc.) que, em 
si mesmos, pouco têm em comum. Mas, afinal, existe uma "velha" 
etnicidade? Ou os autores que utilizam tal expressão estariam 
construindo uma unidade fantasmática a partir de diferentes enfoques 
pelos quais os antropólogos estudaram outras unidades sociais? Em lugar 
de perder-se na linguagem do empiricismo, seria o caso de partir para 
uma explicitação de pressupostos teóricos, mostrando aqueles que não 
seriam cabíveis nas novas circunstâncias, bem como apontando os que 
poderiam abrir caminhos alternativos para a análise. A noção de sociétés fractales
 (vide Bernand e Gruzinski 1992:32) elaborada para indicar sociedades 
cujas formas de sociabilidade são irregulares e interrompidas, também 
parece-me sofrer de uma limitação similar. 
Em um artigo recente, J. Clifford (1997) procura dar um status
 de instrumento analítico ao termo "diáspora", amplamente difundido nas 
discussões atuais sobre globalização, migrações e etnicidade. Embora o 
autor não se encaminhe para uma definição, poderíamos dizer que a 
diáspora remete àquelas situações em que o indivíduo elabora sua 
identidade pessoal com base no sentimento de estar dividido entre duas 
lealdades contraditórias, a de sua terra de origem (home) e do lugar onde está atualmente, onde vive e constrói sua inserção social (o que Bhabha 1995 chama de locations).
 Apesar da multiplicidade de formas de que a diáspora se reveste, 
Clifford insiste em que a sua unidade só pode ser afirmada por oposição 
aos processos que afetam as nações e os povos indígenas (excluídos estes
 da noção de diáspora porque jamais deixariam de estar referidos à sua 
própria origem). 
A razão da exclusão dos povos indígenas do
 conceito guarda-chuva de diáspora parece-me vazada em um uso 
esquemático das polaridades culturais em uma situação interétnica, o que
 a meu ver, inclusive, compromete o esforço de Clifford na construção 
relacional do conceito de diáspora. Mas o que interessa aqui é outro 
aspecto: feitas as devidas ressalvas, poderia dizer que Clifford, 
implicitamente, estaria sinalizando a importância da relação com a 
origem como característica das identidades indígenas. Por que os povos 
indígenas nunca chegariam à condição de unhomed (Bhabha 1995:9), tão típica das populações que sofrem processos migratórios? 
É isso que me estimula a retomar uma imagem ¾ a da "viagem da volta" (Oliveira 1994) ¾
 por mim utilizada em uma publicação destinada a um público heterogêneo 
de pessoas interessadas nos "índios do Nordeste" (inclusive as suas 
próprias "lideranças"), e anterior ao artigo de Clifford. No sentido 
usado naquele contexto, a viagem é a enunciação, auto-reflexiva, da 
experiência de um migrante, transposta para os versos de Torquato Neto: 
"desde que saí de casa, trouxe a viagem da volta gravada na minha mão, 
enterrada no umbigo, dentro e fora assim comigo, minha própria 
condução". 
Os debates teóricos sobre etnicidade apontam 
sempre para uma bifurcação de posturas: de um lado, os instrumentalistas
 (Barth 1969; Cohen 1969; 1974; e muitos outros), que a explicam por 
processos políticos que devem ser analisados em circunstâncias 
específicas; de outro, os primordialistas, que a identificam com 
lealdades primordiais (Geertz 1963; Keyes 1976; Bentley 1987). A imagem 
figurativa por mim utilizada tem, justamente, como finalidade superar 
essa polaridade, também objeto de reflexão de Carneiro da Cunha (1987), 
mostrando que ambas as correntes apontam para dimensões constitutivas, 
sem as quais a etnicidade não poderia ser pensada. A etnicidade supõe, 
necessariamente, uma trajetória (que é histórica e determinada por 
múltiplos fatores) e uma origem (que é uma experiência primária, 
individual, mas que também está traduzida em saberes e narrativas aos 
quais vem a se acoplar). O que seria próprio das identidades étnicas é 
que nelas a atualização histórica não anula o sentimento de referência à
 origem, mas até mesmo o reforça. É da resolução simbólica e coletiva 
dessa contradição que decorre a força política e emocional da 
etnicidade. 
Na imagem de "viagem da volta" há dois aspectos
 que explicitam, respectivamente, a relação entre etnicidade e 
território e entre etnicidade e características físicas dos indivíduos, 
que é preciso esclarecer e elaborar melhor. A expressão "enterrada no 
umbigo" traz para os nordestinos uma associação muito particular. Nas 
áreas rurais há um costume de as mães enterrarem o umbigo dos 
recém-nascidos para que eles se mantenham emocionalmente ligados a ela e
 à sua terra de origem. Como é freqüente nessas regiões a migração em 
busca de melhores oportunidades de trabalho, tal ato mágico (uma 
"simpatia") aumentaria as chances de a criança retornar um dia à sua 
terra natal. O que a figura poética sugere é uma poderosa conexão entre o
 sentimento de pertencimento étnico e um lugar de origem específico, 
onde o indivíduo e seus componentes mágicos se unem e identificam com a 
própria terra, passando a integrar um destino comum. A relação entre a 
pessoa e o grupo étnico seria mediada pelo território e a sua 
representação poderia remeter não só a uma recuperação mais primária da 
memória, mas também às imagens mais expressivas da autoctonia. 
O
 outro ponto é a relação entre etnicidade e características físicas. Ao 
dizer que sua natureza está "gravada" na própria mão, o narrador cria um
 vínculo primário inextirpável, transmitido biologicamente, entre ele e a
 coletividade maior. Trata-se de algo muito mais forte do que uma 
lealdade, a qual remeteria a fenômenos socioculturais e a contextos e 
oportunidades de atualização histórica (ou não). Inscrita em seu próprio
 corpo e sempre presente ("dentro e fora, assim comigo"), a relação com a
 coletividade de origem remete ao domínio da fatalidade, do irrevogável,
 que estabelece o norte e os parâmetros de uma trajetória social 
concreta. Enquanto o percurso dos antropólogos foi o de desmistificar a 
noção de "raça" e desconstruir a de "etnia", os membros de um grupo 
étnico encaminham-se, freqüentemente, na direção oposta, reafirmando a 
sua unidade e situando as conexões com a origem em planos que não podem 
ser atravessados ou arbitrados pelos de fora. Sabem que estão muito 
distantes das origens em termos de organização política, bem como na 
dimensão cultural e cognitiva. A "viagem da volta" não é um exercício 
nostálgico de retorno ao passado e desconectado do presente (por isso 
não é uma viagem de volta). 
Na minha escolha da imagem de 
"viagem da volta" também esteve presente uma outra razão, quase, diria, 
de fidelidade etnográfica. Desde V. Turner (1974), os antropólogos sabem
 que as peregrinações podem ser importantes meios para a construção de 
uma unidade sociocultural entre pessoas com interesses e padrões 
comportamentais variados. Não são poucos nem inexpressivos os autores 
que consideram as viagens como fator importante na própria constituição 
das sociedades (Fabian 1983; Anderson 1983; Pratt 1992 e, mais 
recentemente, Clifford 1997). 
É exatamente isso que se 
verifica nos estudos mais recentes sobre os grupos étnicos do Nordeste. 
Foi absolutamente decisivo o papel de líderes como Acilon, entre os 
Turká (vide Baptista 1992), de Perna-de-Pau, entre os Tapeba (Barreto 
Filho 1993), de João-Cabeça-de-Pena, entre os Kambiwá (Barbosa 1991). 
Suas viagens às capitais do Nordeste e ao Rio de Janeiro para obter o 
reconhecimento do SPI e a demarcação de suas terras configuraram 
verdadeiras romarias políticas, que instituíram mecanismos de 
representação, constituíram alianças externas, elaboraram e divulgaram 
projetos de futuro, cristalizaram internamente os interesses dispersos e
 fizeram nascer uma unidade política antes inexistente. É preciso 
perceber que essas viagens só assumiram tal significação porque os 
líderes também atuaram em uma outra dimensão, realizando outras viagens,
 que foram peregrinações no sentido religioso, voltadas para a 
reafirmação de valores morais e de crenças fundamentais que fornecem as 
bases de possibilidade de uma existência coletiva. 
Acilon Ciriaco da Luz foi o primeiro "chefe da aldeia" ¾ conforme relato feito quase cinqüenta anos depois por sua filha à pesquisadora Mércia Baptista ¾
 porque foi ele quem viajou no tempo e no espaço e chegou até a antiga 
"aldeia" onde seus antepassados ("índios puros") lhe ensinaram coisas 
muito importantes e úteis, que seus pais já haviam desaprendido. 
Contaram-lhe o verdadeiro, mas esquecido nome da aldeia, mostraram-lhe 
os limites que ela deveria ter e mandaram "levantá-la outra vez", 
ensinando ao "seu pessoal" como deveriam viver. Essa viagem ¾ feita por um homem marcado desde a infância pela paralisia ¾ criou o grupo étnico Turká (Baptista 1992). 
Daí
 a afirmação de que o surgimento de uma nova sociedade indígena não é 
apenas o ato de outorga de território, de "etnificação" puramente 
administrativa, de submissões, mandatos políticos e imposições 
culturais, é também aquele da comunhão de sentidos e valores, do batismo
 de cada um de seus membros, da obediência a uma autoridade 
simultaneamente religiosa e política. Só a elaboração de utopias 
(religiosas/ morais/políticas) permite a superação da contradição entre 
os objetivos históricos e o sentimento de lealdade às origens, 
transformando a identidade étnica em uma prática social efetiva, 
culminada pelo processo de territorialização. 
Uma etnologia dos "índios misturados"? 
Voltando
 à sugestiva metáfora do antropólogo como astrônomo, poderia dizer que 
pesou sobre a etnologia do Nordeste uma estranha maldição: no momento 
mais adequado para a observação das diferenças ¾ ou seja, no início da colonização ¾
 não existia ainda a disciplina (com seu instrumental teórico e 
metodológico); uma vez esta constituída, não havia mais culturas que 
possibilitassem registros de afastamentos significativos. Tal paradoxo, 
contudo, não seria específico do Nordeste brasileiro, mas compartilhado 
em grau maior ou menor pelas áreas de colonização mais antigas nas 
Américas (como a costa leste da América do Norte, o planalto central do 
México, a faixa entre os Andes e o litoral do Pacífico, bem como a 
região platina), que deram origem a populações fortemente heterogêneas, 
com "culturas híbridas" (Canclini 1995) e índios misturados, aos quais os etnólogos e etnógrafos não dedicaram maior interesse. 
Em um volume especial da revista L'Homme,
 comemorativo dos quinhentos anos do descobrimento da América, Bernand e
 Gruzinski (1992:21) indicam algumas lacunas significativas na 
investigação etnológica. Segundo eles, os mestiços constituiriam o lado 
verdadeiramente esquecido da antropologia americanista, cujo maior 
defeito seria o de operar as suas pesquisas como se existisse uma 
"clivagem epistemológica entre Índios de um lado e não autóctones do 
outro" (Bernand e Gruzinski 1992:9). 
Tal citação deixa-me 
em posição mais confortável para fazer um comentário. A antropologia 
brasileira registrou nas décadas de 50 e 60 preocupações inovadoras e 
reflexões bastante originais diante de problemáticas e padrões de 
trabalho científico colocados em prática naquele momento nos centros 
metropolitanos de produção e consagração da disciplina. Dentre outras, 
eu indicaria três que merecem ser reexaminadas e revistas: a crítica aos
 estudos de aculturação e ao conceito de assimilação; a ênfase no estudo
 da situação colonial e suas repercussões sobre os dados e 
interpretações; e a dimensão ético-valorativa do exercício da ciência. 
As
 sugestões contidas na metáfora da astronomia propiciaram importantes 
avanços em muitos domínios da etnologia, mas também inibiram (ou 
tenderam a colocar como invisíveis e secundários) a pesquisa e a 
reflexão sobre fenômenos socioculturais que não se enquadravam 
exatamente em sua ótica. Em um movimento de distanciamento dos 
pressupostos do americanismo, eu indicaria esquematicamente quatro 
pontos de ruptura. 
O primeiro seria o questionamento quanto
 à completa abstração dos contextos em que são gerados os dados 
etnográficos. Se estes não viajam no espaço interestelar através das 
lentes de um telescópio, nem resultam de condições ideais de 
laboratório, é necessário então descrever, de modo circunstanciado, as 
condições concretas de funcionamento das culturas ditas autóctones para 
poder desnaturalizar e compreender contextualmente os dados obtidos 
(vide Rosaldo 1980; 1989; Fabian 1983; Clifford e Marcus 1986; Clifford 
1988; 1997; Oliveira 1988). Em um reexame crítico de algumas monografias
 clássicas dos africanistas ingleses, Owusu (1978) faz importantes 
retificações etnográficas e interpretativas, atribuindo os equívocos aí 
encontrados ao costume ¾ que chama de "anacronismo essencial" ¾
 de apresentar os dados etnográficos como se resultassem de um contexto 
tradicional, quando de fato foram coletados no quadro colonial. 
Os
 povos indígenas hoje estão tão distantes de culturas neolíticas 
pré-colombianas quanto os brasileiros atuais da sociedade portuguesa do 
século XV, ainda que possam existir, nos dois casos, pontos de 
continuidade que precisariam ser melhor examinados e diferencialmente 
avaliados. As sociedades indígenas são efetivamente contemporâneas 
àquela do etnógrafo (Laraia 1995), da qual participam mediante 
interações socioculturais que precisam ser descritas e analisadas, pois 
constituem uma dimensão essencial à compreensão dos dados gerados. 
Segundo,
 não é possível descrever os fatos e acontecimentos dentro de uma 
cultura a partir de uma temporalidade única e homogeneizadora (a longa 
duração). Caso os registros etnográficos estejam circunscritos a uma só 
temporalidade, a tendência será, necessariamente, distorcer, minimizar 
ou mesmo omitir os fenômenos que não se ajustam a um tal ritmo, 
produzindo análises parciais, esquemáticas e pouco explicativas. Entra 
em cena, então, uma história da contingência e do acidental, e não uma 
história constitutiva, que integre as diferentes temporalidades e 
permita compreender os fatos e as unidades observadas (vide Thomas 1989;
 1994; Bensa 1996). 
Terceiro, os relatos etnográficos 
evidenciam que as sociedades indígenas são complexas e suas culturas 
heterogêneas e diversificadas. Até para compreender as expressões mais 
emocionais e reiteradas de unidade e harmonia, é preciso resgatar a 
polifonia real (Ramos 1988). As ações e os conteúdos simbólicos que 
trazem não correspondem unicamente a uma projeção de modelos atemporais e
 inconscientes, mas representam uma solução a problemas (inclusive com 
uma dimensão ético-valorativa) surgidos no curso das interações sociais 
(vide Bellah 1983; Velho 1995). Seria extremamente empobrecedor despojar
 as intervenções verbais dos nativos de uma dimensão crítica e 
explicativa, que esteja associada à constituição de "comunidades de 
argumentação" (vide Cardoso de Oliveira 1996) que podem operar em 
diferentes planos e com objetivos diversos. 
Quarto, as 
culturas não são coextensivas às sociedades nacionais nem aos grupos 
étnicos. O que as torna assim são, por um lado, as demandas dos próprios
 grupos sociais (que através de seus porta-vozes instituem as suas 
fronteiras), e, por outro, a complexa temática da autenticidade (que 
acaba por conferir uma posição de poder ao antropólogo, demarcando 
espaços sociais como legítimos ou ilegítimos). Em tempos de 
multiculturalismo, vale lembrar a indagação formulada por Radhakrishnan:
 "por que eu não posso ser indiano sem ter de ser 'autenticamente 
indiano'? A autenticidade é um lar que construímos para nós mesmos ou é 
um gueto que habitamos para satisfazer ao mundo dominante?" (1996: 
210-211). Para escapar dessa armadilha, alguns autores (Barth 1984; 
1988; Hannerz 1992; 1997) sugerem abandonar imagens arquitetônicas de 
sistemas fechados e se passar a trabalhar com processos de circulação de
 significados, enfatizando que o caráter não estrutural, dinâmico e 
virtual é constitutivo da cultura. 
Tal alternativa de 
construção teórica parece-me mais profícua e universal, permitindo uma 
base mais ampla de comparações, sem exigir a aceitação de pressuposições
 quanto ao isolamento, ao distanciamento e à objetividade. Nesse 
sentido, considero que as pesquisas e interpretações sobre os "índios 
misturados" tiveram o mérito de trazer para o debate entre os etnólogos 
alguns dos desafios presentes na disciplina antropologia. 
Ao concluir, gostaria de explicitar com a máxima clareza possível que a minha intenção não é propor uma etnologia dos "índios do Nordeste", ou mesmo uma etnologia dos "índios misturados",
 que funcionasse como um contraponto ao modelo dos americanistas. Como 
lembra Fardon (1990), a regionalização da antropologia leva à 
homogeneidade de métodos e problemáticas, à criação de uma rede de 
interdependências acadêmicas e institucionais que torna difícil pensar a
 renovação teórica como um movimento interno a essas virtuais 
subdisciplinas. Embora existam sinais de insatisfação, em face dos 
pressupostos acima criticados, em expressivos autores americanistas 
(como Taylor 1984:231-232; Turner 1991; Overing 1994), a preocupação em 
reafirmar uma continuidade interior, bem como a tendência a evitar abrir
 diálogos mais amplos, limitam, a meu ver, essas iniciativas. Em virtude
 dos mesmos argumentos não poderia, de modo algum, postular a 
autonomização de enfoques ou problemáticas vis-à-vis os debates e
 dilemas que afetam a disciplina como um todo. Se, por mera necessidade 
de comunicação tivesse de agregar algum adjetivo ao exercício de 
investigação e reflexão que pesquisadores diversos realizaram no 
Nordeste, mas também na Amazônia e em outras regiões do mundo, talvez 
fosse oportuno destacar a preocupação de buscar caminhos para uma 
possível "antropologia histórica". 
Recebido em 19 de novembro de 1997 
Aprovado em 6 de janeiro de 1998
Aprovado em 6 de janeiro de 1998
João
 Pacheco de Oliveira é professor-titular de Etnologia do Museu Nacional e
 leciona no PPGAS/UFRJ. Realizou pesquisa com os índios Ticuna, do que 
resultou sua tese de doutoramento, publicada em 1988. Orientou teses e 
dissertações sobre povos indígenas do Nordeste e da Amazônia, em 
programa comparativo de pesquisas em etnicidade e território. E-mail: jpacheco@ism.com.br 
Notas 
1 Os de Estevão Pinto, editados em 1935 e 1938 na Coleção Brasiliana, e Hohenthal, publicado na Revista do Museu Paulista em 1960. 
2
 Foram quatro dissertações na Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFBA,
 duas dissertações e uma tese de doutorado no PPGAS, e uma dissertação 
de mestrado na UnB. 
3 Que iria do litoral da Paraíba ao sul da Bahia, abrangendo também o sertão de Pernambuco, Alagoas, Bahia e Minas Gerais. 
4
 Se o termo mesclagem nos parece estranho, uma consulta ao dicionário 
pode ser esclarecedora: além de significados gerais, como "misturar, 
confundir" e outros mais específicos, intercalar, entremear, incorporar 
(também bastante cabíveis), é registrado explicitamente "misturar (o 
sangue) pelo casamento de pessoas de raças diversas" (Holanda 1975:915).
 
5
 Por um lado, Lévi-Strauss chama a atenção para a escala de tempo em que
 o etnólogo deve proceder aos seus registros e interpretações: é a 
"longa duração", onde as disposições quanto ao tempo, como em Braudel, 
remetem aos parâmetros com que opera a geologia; por outro, etnologia e 
história, partilhando o mesmo objeto e método, distinguem-se por 
perspectivas complementares, organizando seus dados em relação "às 
condições inconscientes da vida social" ou, respectivamente, "às 
expressões conscientes" (Lévi-Strauss 1967:34). A noção de cultura é 
equiparada à de "isolado" em demografia, sendo do mesmo tipo e possuindo
 o mesmo valor heurístico. Ainda que a sua amplitude possa variar em 
"função do tipo de pesquisa considerado", não deixaria jamais, contudo, 
de "corresponder a uma realidade objetiva" (Lévi-Strauss 1967:335). 
Seguir tais regras de método permitiria definir o lugar da antropologia 
entre as demais ciências sociais, como sendo "hoje a única disciplina do
 distanciamento social" (Lévi-Strauss 1967:423). 
6
 Como o Museu de Arqueologia e Etnologia e o Curso de Pós-Graduação em 
Ciências Sociais da UFBA, os Cursos de Pós-Graduação em História e 
Arqueologia da UFPE, o Museu Câmara Cascudo e a curta experiência de um 
Mestrado em Ciências Sociais em Natal, e o Museu Théo Brandão em Maceió.
 
7
 Como o fizeram, respectivamente, Frederico Edelweiss, que se dedicou ao
 estudo das línguas Tupis, ou ainda Thales de Azevedo (1976), ao 
focalizar a catequese como processo de aculturação. 
8
 Enquanto na Amazônia a maioria das áreas ultrapassa os 50.000 ha e as 
terras indígenas representam de 10% a 40% da superfície dos estados, no 
caso do Nordeste, as extensões de terras pleiteadas são pequenas (em 
geral inferiores a 2.000 ha), correspondendo a fazendas de porte médio e
 jamais representando mais de 0,7% das terras do estado. 
9
 Se na Amazônia a proporção entre terra/homem é de mais de mil ha por 
índio, no Nordeste, onde a população indígena é numerosa (porque já 
atravessou em gerações passadas os desequilíbrios demográficos vividos 
nas primeiras fases do contato), essa relação corresponde a 7,2 ha para 
cada índio. 
10
 Em sua maioria são dissertações de mestrado (defendidas principalmente 
no PPGAS e na UFBA, mas ainda na UFPE e na UnB), mas tambem incluem 
importantes laudos periciais, relatórios de identificação e também 
projetos de pesquisa (notoriamente Sampaio 1986). 
11 Caberia chamar a atenção para a diferença entre territorialização
 (um processo social deflagrado pela instância política) e 
"territorialidade" (um estado ou qualidade inerente a cada cultura). 
Esta última é uma noção utilizada por geógrafos franceses (Raffestin, 
Barel) que destaca, naturaliza e coloca em termos atemporais a relação 
entre cultura e meio ambiente (vide crítica conduzida em Oliveira 1994).
 
12
 Não encontrei explicação para o termo "braiado". Tratando-se de uma 
região de criatório, talvez possa haver alguma associação com o termo 
"bragado" (aplicado a bois e cavalos "cujas pernas têm cor diferente do 
resto do corpo") (Holanda 1975:224). 
13 Não se trata de uma aplicação nova em face das populações indígenas da América, existindo monografias ¾ como a de Elizabeth Colson (1974 [1953]) sobre os Makah, e de Anthony Stocks (1981) sobre os Cocama ¾ que assumem como eixo ordenador de sua exposição a idéia da invisibilidade. 
 *
 Conferência realizada no concurso para professor-titular da disciplina 
Etnologia, Museu Nacional/ UFRJ, Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1997.
 
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