Da
Teoria das Normas Fundamentais ao Positivismo Jurídico
Ojr.
Bentes
Para
o jusnaturalismo, os direitos fundamentais são direitos
pré-positivos, isto é, direitos anteriores mesmo à própria norma fundamental constituinte; direitos que decorrem da própria natureza humana, e
que existem antes do seu reconhecimento pelo Estado. Já o
Positivismo Jurídico considera que direitos fundamentais são
aqueles considerados como básicos na norma positiva (=norma posta),
isto é, na Constituição. Isso não impede que se reconheça a
existência de direitos implícitos, em face do que dispõe, por
exemplo, o art. 5º, § 2º, da CF.
“A
raposa sabe muitas coisas, diziam os Gregos, mas o ouriço sabe uma
coisa muito importante” é o antigo verso grego resgatado por
Isaiah Berlin em sua obra O ouriço e a raposa: um ensaio sobre a
visão de Tolstói da História em que estabeleceu uma classificação
dos pensadores e filósofos como raposas ou ouriços conforme
tivessem a percepção de um “quadro geral” ou de um quadro
particular das questões sociais. Em consideração a esse mesmo
verso, Ronald Dworkin introduz sua última obra afirmando que “Valor
é uma grande coisa” e, para defender sua tese da unidade de valor,
reivindicará o ponto de vista do ouriço.
Dworkin
defende que o valor, em todas as suas formas, é uma coisa muito
importante; afirma que aquilo que a verdade é, o que a vida
significa, o que a moral requer e o que a justiça exige são aspetos
diferentes da mesma grande questão. Dworkin desenvolve teorias
originais sobre uma grande diversidade de temas raramente abordados
no mesmo livro: entre muitos outros tópicos, fala de ceticismo
moral, interpretação literária, artística e histórica,
livre-arbítrio, antiga teoria moral, ser bom e viver bem, liberdade,
igualdade e lei. Aquilo que pensamos sobre cada um destes temas tem
de valer para qualquer argumento que consideremos convincente sobre
os outros.
O
ceticismo, em todas as suas formas – filosófica, cínica ou
pós-moderna –, ameaça esta unidade.
Qualquer
teoria que sustente abertamente visões substantivas de valores
sociais será facilmente desmontada pelas razões céticas das
raposas, que as colocarão em perspectiva histórica para demonstrar
que ao longo dos séculos muitas coisas foram ditas sobre a verdade
intangível dos valores, mas que nenhuma delas se verificou como
universal.
A
afirmação sobre conteúdos morais objetivos consegue atingir no
máximo o consenso sobre algumas palavras bem abrangentes como
liberdade, igualdade e, destacadamente, dignidade, mas qualquer
tentativa de estabelecer os seus significados é solapada pela
variabilidade de sentidos subjetivos que não podem ser
desconsiderados. Justamente por isso, a tese da unidade de valor
defendida e articulada com preenchimentos e com posições bem
demarcadas só se faz viável pela adoção da postura de ouriço.
Na
Grécia, já se fazia a distinção entre as normas fundamentais da
sociedade (nomoi), obrigatoriamente
aceitas e as meras
regras (psefismata), socialmente
aceitas pelo povo, posto que dele derivam.
Naquela civilização, a modificação de psefismata poderia ser
feita de forma mais simples do que a alteração das normas
fundamentais (nomos). Guardadas as devidas proporções, seriam
institutos parecidos com a lei ordinária e as emendas
constitucionais, atualmente.
E
quem é o ouriço nessa estoria, para além do próprio Dworkin que
se assume como tal, chegar-se-á a ninguém mais que o cidadão
comum. Os ouriços são os que integram uma sociedade e a veem por
dentro, que sabem que nessa sociedade existem valores e vivem com
base nesse entendimento.
Embora
não possam, os “ouriços”, responder o que sejam os valores, ou
onde eles estão, se indagados, saberão proferir algumas ideias
coerentes sobre quais sejam esses valores. Com discordâncias de
pontos de vista, ou com mudanças de pontos de vista, tudo isso fará
parte do processo pelo qual, quando se fala responsavelmente em
valores, pode-se estar certo ou errado.
E
quem diz o que está certo e o que está errado?! Logicamente que é
o Direito!
E
o que é o Direito?
Na
busca de uma definição
para o
Direito, chegou-se a um
consenso, de que a
norma jurídica, em si, como
profeira Bobbio, não é
suficiente para defini-lo, sendo, portanto, necessária a perspectiva
do ordenamento jurídico para fazê-lo.
O termo direito, para o autor, na
acepção do direito objetivo, indica um tipo de sistema normativo e
não um tipo de norma. Diz respeito, pois, a um dado tipo de
ordenamento, cujo significado geral seria um verdadeiro “conjunto
de normas”. Estas, por sua vez, podem ser de três tipos: as que
permitem determinada conduta, as que proíbem e as que obrigam
determinada conduta, donde conclui pela impossibilidade fática de
existência de um ordenamento jurídico composto por uma norma
apenas.
O
Direito é um sistema complexo e sua
complexidade deriva do
ordenamento jurídico, e
este deriva do fato de
que a necessidade de regras de conduta numa sociedade ser
tão grande que não existe nenhum poder, órgão ou
instituição em
condições de satisfazê-la sozinho, e
mesmo estas
só existem dentro de ordenamento jurídico, portanto,
há uma verdadeira multiplicidade das fontes das quais afluem regras
de conduta. O
Ordenamento Jurídico é o ambiente onde a norma jurídica faz seu
efeito ser sentido, este ambiente nasce da articulação das três
dimensões: fato, norma e valor. A complexidade da realidade jurídica
pode ser melhor
apreendida se juntarmos três ciências para compreendê-la:
Sociologia do direito (fato), Teoria do Direito (norma) e por último
a mais teleológica, a Filosofia do Direito (valor)
No
sentido de apreender a norma, o
positivismo como
‘ideologia’ migra
da Filosofia e prega a
obrigação moral de se obedecer ao direito positivo, qualquer que
seja o seu conteúdo. Essa corrente sustenta que as normas, desde que
legais e formalmente válidas, têm força obrigatória. Isso
significa que os juízes e sujeitos jurídicos devem a elas se
submeter, independentemente de seu conteúdo e
isto é muito complexo.
Bobbio diz que a complexidade do
ordenamento, não exclui a sua unidade, que, segundo a teoria da
construção escalonada do ordenamento jurídico, proposta por
Kelsen, é alcançada através da chamada “norma fundamental”, ou
seja, aquela suprema, que não depende de nenhuma norma superior, e
sobre a qual repousa toda a unidade do ordenamento.
Relativamente à validade das normas
jurídicas, Bobbio considera válida a norma que pertence a um
ordenamento, concluindo que uma norma é válida quando puder ser
reinserida, não importa se através de um ou mais graus, na norma
fundamental.
A
norma fundamental é, portanto, simultaneamente, o fundamento de
validade e o princípio unificador das normas de um ordenamento. O
nascimento da norma fundamental e tomada com unidade mínima do
Direito, é um fenômeno jurídico social.
O
fenômeno jurídico que
emerge da realidade ou ambiente do Direito, que como coloca Bobbio
surge do entrelaçamento de sua três dimensões,
revela-se como fruto da sociabilidade humana. Por isso, exsurge como
uma realidade que precisa ser compreendida, aceita e aplicada, de
forma a legitimar o poder sem macular o sistema. Para Tércio Sampaio
Ferraz Júnior “compreender o direito não é um empreendimento que
se reduz facilmente a conceituações lógicas e racionalmente
sistematizadas. O encontro com o direito é diversificado, às vezes
conflitivo e incoerente, às vezes linear e consequente.
Estudar o direito é, assim, uma atividade difícil, que exige não
só acuidade, inteligência, preparo, mas também encantamento,
intuição, espontaneidade.”
Com vistas a buscar completude,
procura-se uma ordenação sistemática, mas ocorre que a dogmática
não trabalha com conceitos de uma mesma natureza, pois há conceitos
empíricos, genéricos, referentes a objetos e a diversas situações
da vida, e isso foi que levou Kelsen a reduzir os fenômenos
jurídicos a uma dimensão normativa. Para ele, a norma jurídica é
colocada no centro do direito, cuja finalidade seria descrever o
significado objetivo que ela confere ao comportamento. O foco era
reduzir os fenômenos jurídicos a uma visão exclusivamente
normativa, ordenando-os de modo coerente, distinguindo o ser do
dever-ser, que é a sua natureza.
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