terça-feira, 11 de abril de 2017

Da Teoria das Normas Fundamentais ao Positivismo Jurídico

 

Da Teoria das Normas Fundamentais ao Positivismo Jurídico

Ojr. Bentes

Para o jusnaturalismo, os direitos fundamentais são direitos pré-positivos, isto é, direitos anteriores mesmo à própria norma fundamental constituinte; direitos que decorrem da própria natureza humana, e que existem antes do seu reconhecimento pelo Estado. Já o Positivismo Jurídico considera que direitos fundamentais são aqueles considerados como básicos na norma positiva (=norma posta), isto é, na Constituição. Isso não impede que se reconheça a existência de direitos implícitos, em face do que dispõe, por exemplo, o art. 5º, § 2º, da CF.

A raposa sabe muitas coisas, diziam os Gregos, mas o ouriço sabe uma coisa muito importante” é o antigo verso grego resgatado por Isaiah Berlin em sua obra O ouriço e a raposa: um ensaio sobre a visão de Tolstói da História em que estabeleceu uma classificação dos pensadores e filósofos como raposas ou ouriços conforme tivessem a percepção de um “quadro geral” ou de um quadro particular das questões sociais. Em consideração a esse mesmo verso, Ronald Dworkin introduz sua última obra afirmando que “Valor é uma grande coisa” e, para defender sua tese da unidade de valor, reivindicará o ponto de vista do ouriço.

Dworkin defende que o valor, em todas as suas formas, é uma coisa muito importante; afirma que aquilo que a verdade é, o que a vida significa, o que a moral requer e o que a justiça exige são aspetos diferentes da mesma grande questão. Dworkin desenvolve teorias originais sobre uma grande diversidade de temas raramente abordados no mesmo livro: entre muitos outros tópicos, fala de ceticismo moral, interpretação literária, artística e histórica, livre-arbítrio, antiga teoria moral, ser bom e viver bem, liberdade, igualdade e lei. Aquilo que pensamos sobre cada um destes temas tem de valer para qualquer argumento que consideremos convincente sobre os outros.
O ceticismo, em todas as suas formas – filosófica, cínica ou pós-moderna –, ameaça esta unidade.

Qualquer teoria que sustente abertamente visões substantivas de valores sociais será facilmente desmontada pelas razões céticas das raposas, que as colocarão em perspectiva histórica para demonstrar que ao longo dos séculos muitas coisas foram ditas sobre a verdade intangível dos valores, mas que nenhuma delas se verificou como universal.

A afirmação sobre conteúdos morais objetivos consegue atingir no máximo o consenso sobre algumas palavras bem abrangentes como liberdade, igualdade e, destacadamente, dignidade, mas qualquer tentativa de estabelecer os seus significados é solapada pela variabilidade de sentidos subjetivos que não podem ser desconsiderados. Justamente por isso, a tese da unidade de valor defendida e articulada com preenchimentos e com posições bem demarcadas só se faz viável pela adoção da postura de ouriço.

Na Grécia, já se fazia a distinção entre as normas fundamentais da sociedade (nomoi), obrigatoriamente aceitas e as meras regras (psefismata), socialmente aceitas pelo povo, posto que dele derivam. Naquela civilização, a modificação de psefismata poderia ser feita de forma mais simples do que a alteração das normas fundamentais (nomos). Guardadas as devidas proporções, seriam institutos parecidos com a lei ordinária e as emendas constitucionais, atualmente.

E quem é o ouriço nessa estoria, para além do próprio Dworkin que se assume como tal, chegar-se-á a ninguém mais que o cidadão comum. Os ouriços são os que integram uma sociedade e a veem por dentro, que sabem que nessa sociedade existem valores e vivem com base nesse entendimento.

Embora não possam, os “ouriços”, responder o que sejam os valores, ou onde eles estão, se indagados, saberão proferir algumas ideias coerentes sobre quais sejam esses valores. Com discordâncias de pontos de vista, ou com mudanças de pontos de vista, tudo isso fará parte do processo pelo qual, quando se fala responsavelmente em valores, pode-se estar certo ou errado.

E quem diz o que está certo e o que está errado?! Logicamente que é o Direito!
E o que é o Direito?

Na busca de uma definição para o Direito, chegou-se a um consenso, de que a norma jurídica, em si, como profeira Bobbio, não é suficiente para defini-lo, sendo, portanto, necessária a perspectiva do ordenamento jurídico para fazê-lo.
O termo direito, para o autor, na acepção do direito objetivo, indica um tipo de sistema normativo e não um tipo de norma. Diz respeito, pois, a um dado tipo de ordenamento, cujo significado geral seria um verdadeiro “conjunto de normas”. Estas, por sua vez, podem ser de três tipos: as que permitem determinada conduta, as que proíbem e as que obrigam determinada conduta, donde conclui pela impossibilidade fática de existência de um ordenamento jurídico composto por uma norma apenas.
O Direito é um sistema complexo e sua complexidade deriva do ordenamento jurídico, e este deriva do fato de que a necessidade de regras de conduta numa sociedade ser tão grande que não existe nenhum poder, órgão ou instituição em condições de satisfazê-la sozinho, e mesmo estas só existem dentro de ordenamento jurídico, portanto, há uma verdadeira multiplicidade das fontes das quais afluem regras de conduta. O Ordenamento Jurídico é o ambiente onde a norma jurídica faz seu efeito ser sentido, este ambiente nasce da articulação das três dimensões: fato, norma e valor. A complexidade da realidade jurídica pode ser melhor apreendida se juntarmos três ciências para compreendê-la: Sociologia do direito (fato), Teoria do Direito (norma) e por último a mais teleológica, a Filosofia do Direito (valor)
No sentido de apreender a norma, o positivismo como ‘ideologia’ migra da Filosofia e prega a obrigação moral de se obedecer ao direito positivo, qualquer que seja o seu conteúdo. Essa corrente sustenta que as normas, desde que legais e formalmente válidas, têm força obrigatória. Isso significa que os juízes e sujeitos jurídicos devem a elas se submeter, independentemente de seu conteúdo e isto é muito complexo.

Bobbio diz que a complexidade do ordenamento, não exclui a sua unidade, que, segundo a teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico, proposta por Kelsen, é alcançada através da chamada “norma fundamental”, ou seja, aquela suprema, que não depende de nenhuma norma superior, e sobre a qual repousa toda a unidade do ordenamento.
Relativamente à validade das normas jurídicas, Bobbio considera válida a norma que pertence a um ordenamento, concluindo que uma norma é válida quando puder ser reinserida, não importa se através de um ou mais graus, na norma fundamental.
A norma fundamental é, portanto, simultaneamente, o fundamento de validade e o princípio unificador das normas de um ordenamento. O nascimento da norma fundamental e tomada com unidade mínima do Direito, é um fenômeno jurídico social.
O fenômeno jurídico que emerge da realidade ou ambiente do Direito, que como coloca Bobbio surge do entrelaçamento de sua três dimensões, revela-se como fruto da sociabilidade humana. Por isso, exsurge como uma realidade que precisa ser compreendida, aceita e aplicada, de forma a legitimar o poder sem macular o sistema. Para Tércio Sampaio Ferraz Júnior “compreender o direito não é um empreendimento que se reduz facilmente a conceituações lógicas e racionalmente sistematizadas. O encontro com o direito é diversificado, às vezes conflitivo e incoerente, às vezes linear e consequente. Estudar o direito é, assim, uma atividade difícil, que exige não só acuidade, inteligência, preparo, mas também encantamento, intuição, espontaneidade.”
Com vistas a buscar completude, procura-se uma ordenação sistemática, mas ocorre que a dogmática não trabalha com conceitos de uma mesma natureza, pois há conceitos empíricos, genéricos, referentes a objetos e a diversas situações da vida, e isso foi que levou Kelsen a reduzir os fenômenos jurídicos a uma dimensão normativa. Para ele, a norma jurídica é colocada no centro do direito, cuja finalidade seria descrever o significado objetivo que ela confere ao comportamento. O foco era reduzir os fenômenos jurídicos a uma visão exclusivamente normativa, ordenando-os de modo coerente, distinguindo o ser do dever-ser, que é a sua natureza.




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