O "melô-tech" d@ PANEMA!
Skrillex - Ragga Bomb Ft. Ragga Twins
https://www.youtube.com/watch?v=8eJDTcDUQxQ&list=RDBGpzGu9Yp6Y&index=9
Skrillex - Ragga Bomb Ft. Ragga Twins
https://www.youtube.com/watch?v=8eJDTcDUQxQ&list=RDBGpzGu9Yp6Y&index=9
O Que é a Panema Indígena?
Por Eduardo Galvão
Além das diversas crenças indígenas, existe uma que por penetrar tão intimamente na vida cotidiana do caboclo, é de particular importância ao considerar-se a vida religiosa dos índios. É a crença na panema ou panemice, uma força mágica, não materializada, que à maneira do mana dos polinésios é capaz de infectar criaturas humanas, animais ou objetos.
Panema
é, porém, um mana negativo. Não empresta força ou poder
extraordinário; ao contrário, incapacita o objeto de sua ação.
O
conceito de panema passou ao linguajar popular da Amazônia com o
significado de “má sorte”, “desgraça”, “infelicidade”.
Incapacidade,
talvez a melhor interpretação. Não se trata propriamente de
infelicidade ocasional, má sorte, azar, mas de uma incapacidade de
ação, cujas causas podem ser reconhecidas, evitadas e para as quais
existem processos apropriados. Não resulta de um acaso infeliz, mas
da infração de determinados preceitos.
Um
caçador, ou pescador, cujo repetido insucesso não dá margem a
atribuí-lo a causas consideradas naturais, isto é, à estação do
ano, influência desse ou daquele fator explicável pelo conhecimento
adequado do ambiente, acredita que ele próprio ou um dos
instrumentos de que se utiliza, a linha, o anzol, a carabina, estejam
empanemados. Por um processo diagnóstico de tentativas acaba por
determinar qual o objeto onde está localizada a panema.
Pela
facilidade de contraí-la existe um sem-número de técnicas
preventivas. Algumas são simples banhos de determinadas ervas,
outras, defumações com alho ou pimenta, finalmente existem as que
se referem diretamente às fontes de panema. Dessas as mais
“venenosas” são: o ato de uma mulher grávida alimentar-se de
caça ou pescado; mulheres menstruadas que tocam um dos objetos de
que se serve o caboclo para a caça ou a pesca; desconfiança,
mal-estar entre amigos provocado pela inveja, sobretudo quando se
refere a alimentos; atirar ossos ou espinhos de peixe no quintal onde
fiquem ao alcance de animais domésticos; finalmente, as provocadas
por feitiçaria.
As
mulheres grávidas são especialmente temidas por sua capacidade de
infeccionar alguém embora seja essa uma conseqüência estranha a
sua vontade. Os caboclos que vendem sua embiara têm, habitualmente,
o cuidado de apurar quem é o comprador, para evitar que a peça vá
cair em mãos de uma gestante. Não é tanto pelo medo dos efeitos da
panema em si mesma, como pelas conseqüências do tratamento para
afastar a panema. Acredita-se que a cura fará mal à mulher. Um
aborto é o resultado mais provável.
Um
caso bastante típico foi-nos relatado pela própria vítima. Estava
retornando de uma viagem de negócios quando aproou a um rancho para
refazer a matula. O caboclo, um caçador, ao vender-lhe um pedaço de
carne de anta, indagou do estado de sua esposa. Nosso informante
respondeu que ela estava grávida, porém que nada havia a temer, uma
vez que ele próprio ia consumir a carne. Ademais, sua esposa não
tinha “veneno”. Não deu maior importância ao fato. Contudo ao
regressar à casa, encontrou sua mulher muito doente. Sofria de uma
terrível urticária. Ela própria querendo uma explicação para o
mal que a afligia, indagou do marido se não havia comido qualquer
coisa de ruim para a criança. Ele lembrou-se do episódio da anta, e
logo mandou aviso ao caboclo para que descontinuasse qualquer
tratamento de cura da panema que porventura o estivesse prejudicando.
Temia que algo viesse acontecer à mulher e à criança. A precaução
foi debalde ou muito tardia, pois a criança mal resistiu a um mês
de nascida, falecendo “descascando toda”. A causa, ele acredita
firmemente, foi a continuação do tratamento contra a panema que
devia ter infectado o caçador. Parte da culpa cabia a ele mesmo por
ter comprado aquela caça não dando importância à advertência do
caboclo.
Uma
vez que o indivíduo percebe estar empanemado. só lhe resta
tratar-se. A si próprio ou a um dos instrumentos que utiliza, pois a
panema afeta igualmente seres vivos e objetos. Contudo, se a fonte de
panema é uma mulher grávida, realizar o tratamento é uma quebra de
ética, pelos males que podem advir à gestante. É aconselhável o
indivíduo dirigir-se à mulher que acredita ser a causa da panema,
de modo que ela própria presida ao tratamento, única forma de
evitar-lhe qualquer malefício.
Benedito,
um dos melhores pescadores de Itá, sempre indaga de seus fregueses,
do estado das esposas. Se vem a empanemar-se, porque a despeito de
seus cuidados uma gestante alimentou-se de pescado por ele obtido,
ele vai falar-lhe. A mulher tem que mastigar a sua linha com a boca
cheia de pimenta. Se isso dá resultado, deixa de lado a linha que
acredita empanemada. Ele afirma que nem todos têm esse cuidado,
algumas vezes “eles têm vergonha de falar pra mulher”. O
resultado é que tratam de curar-se sem intervenção da mulher o que
traz más conseqüências. No caso de um caçador, a mulher que foi a
fonte da panema, deve mastigar pimenta e deixar a baba escorrer pelo
cano e pela mira da arma. Porém, se a panema afetou o próprio
indivíduo, e não um de seus instrumentos, o melhor é deixar de
caçar ou pescar por algum tempo, e acima de tudo, não tentar
curar-se. Devido a isso as mulheres grávidas, em geral, somente se
alimentam de carne ou peixe apanhados pelos maridos ou parentes
próximos. No caso de ficarem empanemadas não tentarão a cura, e
por outro lado, dispõem de recursos que os outros não têm. Sempre
que o marido, irmão ou cunhado lhe traz uma caça ou peixe, retira
parte do fígado do animal que mastiga com pimenta e em seguida cospe
sobre as brasas do fogão. A dieta de uma gestante restringe-se, por
isso, à embiara que o marido ou parente próximo obtenha, ou então,
à carne de gado ou ao peixe seco e salgado que se vendem nas
tabernas. Acredita-se que alimento dessa espécie não tenha efeito
sobre a panema.
O
contato de mulheres menstruadas com instrumentos que o indivíduo
utiliza, a carabina, a linha, rede etc., é certo empanemá-los.
Todavia, o fato tem remédio, pois os processos de tratamento ou
desinfecção não resultam em nenhum mal ao causador da panema. O
mesmo se refere aos indivíduos descuidados que atiram os restos dos
animais a qualquer canto, deixando-os expostos a animais domésticos
como cachorros e porcos. Especial cuidado recomenda-se para o pescado
que resulta de uma linha nova. O pescador não deve vendê-lo ou
mesmo dá-lo a qualquer pessoa, mas levar para sua própria casa,
onde após consumi-lo deposita os restos sobre o fumeiro, parte da
cobertura que fica sobre o fogão, até que fiquem completamente
secos, quando então poderá jogá-los fora, sempre, porém, com a
precaução de não deixar ao alcance de animais domésticos.
Desconfiança,
ou mal-estar entre dois companheiros, provocada pelo maior sucesso de
um deles na caça ou na pesca, pode empanemar o indivíduo invejado.
Mesmo crianças que desejam demasiado um alimento que os pais lhes
proíbem podem torná-los panema. Desconfiança, gula, inveja podem
levar o indivíduo a recorrer à feitiçaria para empanemar o
desafeto. É bastante apoderar-se de um pedaço da embiara obtida
pela futura vítima e atirá-la na fossa sanitária. Defecar ou
urinar sobre um pedaço de alimento é provocar uma das piores formas
de panema.
É
preciso cuidado com o tratamento da peça abatida. Lavá-la no
igarapé ou mesmo às mãos, de modo a que a água venha a ficar suja
de sangue é atrair panema da mãe do igarapé, ou conseqüência
pior, ficar assombrado. Os restos da caça devem ser atirados longe
das trilhas, pois, se pisados por outrem, também podem atrair panema
para o caçador.
Os
métodos corriqueiros para a cura de panema são do conhecimento de
todos que lidam com peixe ou caça. Consistem, sobretudo, de banhos e
defumações em que o alho e a pimenta são os principais elementos.
Ninho do gavião cauré, folhas de aninga e uma variedade de “plantas
cocentas e fedorentas” são usados em adição. A dosagem,
composição e processo de tratamento variam muito segundo as
preferências ou a experiência pessoal, ou segundo o grau da panema.
Aquelas que se dedicam continuamente à prática da pesca ou da caça,
como acontece a alguns moradores da terceira rua ou em geral ao
habitante das freguesias, recorrem habitualmente a banhos e
defumações, a que também submetem sua aparelhagem, como técnica
preventiva ao contágio da panema.
A
sensação, a intensidade da panema somente o caboclo é capaz de
exprimir. O efeito é geralmente descrito como uma incapacidade
temporária cujas causas não encontram apoio em circunstâncias
consideradas naturais. Diagnostica-se mais facilmente pelo repetido
insucesso de um indivíduo comparado à sua experiência anterior ou
aos bons resultados dos companheiros. A panema mais simples é
suscetível de abandonar o objeto contaminado com a passagem do
tempo, desfaz-se com o próprio tempo.
A
importância dessa crença na vida religiosa dos índios é
facilmente avaliada quando se consideram os meios locais de
subsistência. Na cidade, exceto em ocasiões excepcionais, não se
abate uma rês senão em cada quinze dias, ou espaço de tempo maior.
Nas vizinhanças, a base da alimentação é o peixe, recorrendo-se
vez por outra à caça. Existem pescadores semiprofissionais na zona
urbana, porém nas freguesias de roça ou de seringa, o indivíduo
depende muito de sua iniciativa pessoal na obtenção do alimento.
Panema afeta ao pescador ou caçador, individualmente, como àqueles
que o cercam, o caso de mulheres grávidas, ou da desconfiança entre
companheiros, por exemplo.
A
crença da penetra, por isso mesmo, na vida privada e coletiva da
comunidade, e está intimamente ligada às técnicas de subsistência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário