AÇÕES
RITUAIS EM TORNO DO PANEMA
Leonardo
Viana Braga
Resumo
Parte-se
de pesquisa sobre caçada junto aos Zo’é para enfatizar a ideia de
panema. Pessoas que foram acometidas por doenças são tomadas como
foco do encadeamento de enunciados que permitem perceber o panema
como importante operador de relações tanto entre humanos, quanto
entre humanos e não humanos. A caçada entendida como acontecimento
que envolve uma complexa dinâmica de comunicação e distância
sociocósmica exige uma série de ações rituais como via de
efetivação dessa comunicação. Procura-se subsidiar a conversa a
respeito de regimes ontológicos ameríndios, sobretudo, àqueles
cuja relação entre caçada e guerra é fundante.
Palavras-chave:
Zo’é, caçada, panema, ação ritual, cosmologia.
Este
texto está pautado na importância da ideia de panema para Etnologia
ameríndia, importância cuja dimensão é diretamente proporcional
ao pequeno aprofundamento quanto ao tema. Tomo como base material de
campo produzido junto aos Zo’e, tupi-guarani do Noroeste do Pará,
olhando o panema como objeto conceitual pelo qual se expõe relações
entre humanos, e entre humanos e não humanos. Enumero três questões
em torno do panema que me interessam para esta exposição, e que
aparecem de uma forma ou de outra na bibliografia pertinente
(Clastres 1995 [1972], 2003 [1974]; DaMatta, 1977; Gallois, 1988;
Lima, 2011; Garcia, 2012; Almeida, 2013):
1ª)
O complexo regime causal evidenciado pelos enunciados em torno do
panema;
2ª)
A relação desse regime com o conhecido problema cosmológico da
ressonância entre caçada e guerra;
3ª)
A necessidade da realização de ações rituais em torno do panema,
ações que são meio de efetivação (ou não) da comunicação com
não humanos.
SEMÂNTICA
DA HOSTILIDADE
Durante
minha última ida a campo, um campo de mais ou menos dois meses, três
Zo’é ficaram doentes. A primeira foi Nare, uma mulher adulta.
Durante todo o tempo que estive na T.I., Nare esteve à beira da
morte e gerou desesperança entre as enfermeiras, pois esteve muito
debilitada graças à complicações de uma doença imunológica já
diagnosticada há anos.
A
segunda foi Kujãwet, uma bebê de mais ou menos um ano de idade que
também quase morreu por ter contraído uma salmonela. O terceiro foi
Toke, homem adulto e importante liderança zo’é, que também foi
diagnosticado com a mesma salmonela. Estes três casos foram pivôs
de uma sequência de acontecimentos por meio dos quais foram
mobilizados pelos Zo’é (de acordo com as indagações do
pesquisador) vários enunciados explicativos sobre as causas das
doenças, que apontaram para um complexo de precauções a serem
seguidas pelas pessoas doentes e/ou por pessoas próximas a elas,
como veremos a frente...
PANUN:
ALGUNS MODOS PARA NÃO TER PANEN
Ao
discorrer sobre o problema da necessidade de ordem ao caos emergente
em mundos tais como o esboçado acima, Lima diz que Pierre Clastres
[...]
não deixou de se sentir perturbado com o poder dos Aché de conjurar
a desordem por meio de ações humanas aparentemente tão mínimas
como fazer uso da seiva do timbó, lançar no fogo uma porção de
cera de abelha, apagar um tição na água do banho, não tocar o
arco quando se é mulher, não comer a caça quando se é o seu
próprio caçador etc. (Lima, 2011: 630-631).
Essas
“ações humanas aparentemente tão mínimas”, versões
minimalistas do ritual, compreendem ações de controle das
distâncias sociocósmicas, ou “aproximação controlada com a
alteridade” (Gallois, 1988: 164). Esse controle é também
largamente enunciado e realizado pelos Zo’é. Pontuarei alguns
exemplos voltados à tentativa de se escapar do panen...
DESEJAR
PANEN
Se
há uma gama de ações designadas para a evitação do panen, como
pontuadas acima, por outro lado, há também ações para atrair o
panen. Mas o interesse por atrair o panen não é generalizado, uma
vez que se trata de evitar a proximidade de animais perigosos, no
caso, onças e cobras. Há outros exemplos etnográficos que mostram
esses procedimentos de proteção contra determinados animais e,
também com encontros e acontecimentos fortuitos. É o caso dos
Wajãpi (Gallois, comunicação pessoal). Mas talvez esse ponto
revele uma peculiaridade zo’é, que é o fato de se usar a palavra
panen para designar este tipo de evitação. Diferente dos Wajãpi,
os Zo’é dizem “desejar panen”, panen potate, quando realizam
essas ações. No caso dos Zo’é, penso que o panen não é apenas
algo indesejado, pelo contrário, há
estratégias específicas para seu estabelecimento, para elicitá-lo
(Wagner, 2010 [1981]: 146 n8)...
PANEN:
DISTÂNCIA E INCERTEZA
Como
exposto até aqui, o panen parece estar imerso em uma dinâmica
inerente a um regime de alteridade que envolve uma distância
controlada com os animais (cf. Lima, 2011: 630). Procurarei reforçar
essa ideia e trazer mais duas situações que aludem, além do
problema da distância, ao problema da incerteza, e dos riscos que a
incerteza pode trazer dentro da dinâmica de hostilidade entre
humanos e animais...
APONTAMENTOS
FINAIS
A
dinâmica de hostilidade e moderação que envolve o jogo do panen
aponta para uma agência que envolve uma multiplicidade de atores. As
afirmações apresentadas logo acima, mostram uma série de
dissenções nas concepções provenientes desses momentos em que a
vida de pessoas parece estar em risco. Mas se as acusações dizem
respeito à distância no nível do humano, a relação com os
animais parece de certa forma também ser estabelecida sob os
critérios de distância...
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