quinta-feira, 6 de abril de 2017

AÇÕES RITUAIS EM TORNO DO PANEMA Leonardo Viana Braga

AÇÕES RITUAIS EM TORNO DO PANEMA
Leonardo Viana Braga

Resumo
Parte-se de pesquisa sobre caçada junto aos Zo’é para enfatizar a ideia de panema. Pessoas que foram acometidas por doenças são tomadas como foco do encadeamento de enunciados que permitem perceber o panema como importante operador de relações tanto entre humanos, quanto entre humanos e não humanos. A caçada entendida como acontecimento que envolve uma complexa dinâmica de comunicação e distância sociocósmica exige uma série de ações rituais como via de efetivação dessa comunicação. Procura-se subsidiar a conversa a respeito de regimes ontológicos ameríndios, sobretudo, àqueles cuja relação entre caçada e guerra é fundante.
Palavras-chave: Zo’é, caçada, panema, ação ritual, cosmologia.
Este texto está pautado na importância da ideia de panema para Etnologia ameríndia, importância cuja dimensão é diretamente proporcional ao pequeno aprofundamento quanto ao tema. Tomo como base material de campo produzido junto aos Zo’e, tupi-guarani do Noroeste do Pará, olhando o panema como objeto conceitual pelo qual se expõe relações entre humanos, e entre humanos e não humanos. Enumero três questões em torno do panema que me interessam para esta exposição, e que aparecem de uma forma ou de outra na bibliografia pertinente (Clastres 1995 [1972], 2003 [1974]; DaMatta, 1977; Gallois, 1988; Lima, 2011; Garcia, 2012; Almeida, 2013):
1ª) O complexo regime causal evidenciado pelos enunciados em torno do panema;
2ª) A relação desse regime com o conhecido problema cosmológico da ressonância entre caçada e guerra;
3ª) A necessidade da realização de ações rituais em torno do panema, ações que são meio de efetivação (ou não) da comunicação com não humanos.
SEMÂNTICA DA HOSTILIDADE
Durante minha última ida a campo, um campo de mais ou menos dois meses, três Zo’é ficaram doentes. A primeira foi Nare, uma mulher adulta. Durante todo o tempo que estive na T.I., Nare esteve à beira da morte e gerou desesperança entre as enfermeiras, pois esteve muito debilitada graças à complicações de uma doença imunológica já diagnosticada há anos.
A segunda foi Kujãwet, uma bebê de mais ou menos um ano de idade que também quase morreu por ter contraído uma salmonela. O terceiro foi Toke, homem adulto e importante liderança zo’é, que também foi diagnosticado com a mesma salmonela. Estes três casos foram pivôs de uma sequência de acontecimentos por meio dos quais foram mobilizados pelos Zo’é (de acordo com as indagações do pesquisador) vários enunciados explicativos sobre as causas das doenças, que apontaram para um complexo de precauções a serem seguidas pelas pessoas doentes e/ou por pessoas próximas a elas, como veremos a frente...
PANUN: ALGUNS MODOS PARA NÃO TER PANEN

Ao discorrer sobre o problema da necessidade de ordem ao caos emergente em mundos tais como o esboçado acima, Lima diz que Pierre Clastres

[...] não deixou de se sentir perturbado com o poder dos Aché de conjurar a desordem por meio de ações humanas aparentemente tão mínimas como fazer uso da seiva do timbó, lançar no fogo uma porção de cera de abelha, apagar um tição na água do banho, não tocar o arco quando se é mulher, não comer a caça quando se é o seu próprio caçador etc. (Lima, 2011: 630-631).

Essas “ações humanas aparentemente tão mínimas”, versões minimalistas do ritual, compreendem ações de controle das distâncias sociocósmicas, ou “aproximação controlada com a alteridade” (Gallois, 1988: 164). Esse controle é também largamente enunciado e realizado pelos Zo’é. Pontuarei alguns exemplos voltados à tentativa de se escapar do panen...

DESEJAR PANEN

Se há uma gama de ações designadas para a evitação do panen, como pontuadas acima, por outro lado, há também ações para atrair o panen. Mas o interesse por atrair o panen não é generalizado, uma vez que se trata de evitar a proximidade de animais perigosos, no caso, onças e cobras. Há outros exemplos etnográficos que mostram esses procedimentos de proteção contra determinados animais e, também com encontros e acontecimentos fortuitos. É o caso dos Wajãpi (Gallois, comunicação pessoal). Mas talvez esse ponto revele uma peculiaridade zo’é, que é o fato de se usar a palavra panen para designar este tipo de evitação. Diferente dos Wajãpi, os Zo’é dizem “desejar panen”, panen potate, quando realizam essas ações. No caso dos Zo’é, penso que o panen não é apenas algo indesejado, pelo contrário, há estratégias específicas para seu estabelecimento, para elicitá-lo (Wagner, 2010 [1981]: 146 n8)...


PANEN: DISTÂNCIA E INCERTEZA 
 
Como exposto até aqui, o panen parece estar imerso em uma dinâmica inerente a um regime de alteridade que envolve uma distância controlada com os animais (cf. Lima, 2011: 630). Procurarei reforçar essa ideia e trazer mais duas situações que aludem, além do problema da distância, ao problema da incerteza, e dos riscos que a incerteza pode trazer dentro da dinâmica de hostilidade entre humanos e animais...


APONTAMENTOS FINAIS
A dinâmica de hostilidade e moderação que envolve o jogo do panen aponta para uma agência que envolve uma multiplicidade de atores. As afirmações apresentadas logo acima, mostram uma série de dissenções nas concepções provenientes desses momentos em que a vida de pessoas parece estar em risco. Mas se as acusações dizem respeito à distância no nível do humano, a relação com os animais parece de certa forma também ser estabelecida sob os critérios de distância...


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